Alexandre Insfran

Marcello Pedroso

A incursão da Secretaria da Receita Federal na imputação de responsabilidade de sócios-administradores por dívidas tributárias e a judicialização da discussão têm feito com que o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) e o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>) se debrucem sobre normas, para definir os limites de responsabilização.
Hoje, é pacífico o entendimento de que “o mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilização dos sócios pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica”.
Este entendimento serviu como base para apreciação do <a href="https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19736566/recurso-extraordinario-re-562276-pr">Recurso Extraordinário (RE) 562.276</a>, de relatoria da ministra Ellen Gracie, que, em sessão plenária realizada em 3 de novembro de 2010, julgou inconstitucional o artigo 13, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm">Lei 6.830/80</a>, que previa a responsabilidade solidária de sócios e administradores por dívidas com a Previdência Social. Após a declaração de inconstitucionalidade, não há como imputar ao sócio a responsabilidade solidária pelos débitos de pessoas jurídicas com a Previdência Social, sem que restem comprovadas quaisquer das hipóteses previstas no <a href="https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10573354/artigo-135-da-lei-n-5172-de-25-de-outubro-de-1966">artigo 135, do Código Tributário Nacional</a>.
No último dia 10 de março, foi apreciada a Ação Direta de Inconstitucionalidade <a href="https://www.demarest.com.br/decisao-do-stf-em-relacao-a-adi-4-980-um-alivio-para-os-contribuintes/">(ADI) nº 4.980</a>, que analisou a constitucionalidade do artigo 83, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9430.htm">Lei 9.430/96</a>, no que se refere à necessidade de exaurir o processo administrativo fiscal para crimes contra a ordem tributária, tipificados como de natureza “formal”, especialmente o delito de apropriação indébita previdenciária.
No entendimento da Procuradoria-Geral da República (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgr">PGR</a>), os crimes tributários formais prescindem de apuração em âmbito administrativo tributário para sua tipificação em razão de sua presunção de dolo, bastando “a simples conduta de deixar de recolher os tributos aos cofres públicos no prazo legal”. 
Esse entendimento, caso prevalecesse, imputaria automaticamente responsabilidade solidária também ao sócio-administrador pelo crime de apropriação indébita, na medida em que, presumido o dolo, não haveria o contraditório em esfera administrativa antes de que fosse imputada tal responsabilidade, indo de encontro ao entendimento de que a responsabilidade solidária por dívidas contra a Previdência Social só pode ser imputada nas condições previstas no artigo 135, do Código Tributário Nacional (CTN).
Felizmente, o STF, além de, em sua maioria, entender que o crime de apropriação indébita não possui natureza “formal”, ratificou o entendimento de imprescindibilidade de apuração dos fatos em esfera administrativa tributária para o envio de representação fiscal para fins penais, assegurando o entendimento preconizado no RE 562.276.
Ao arrepio das tentativas da fiscalização tributária em imputar prematuramente dívidas fiscais aos sócios administradores, os Tribunais Superiores têm aplicado a correta interpretação às normas, assegurando a observância aos princípios constitucionais.
Na linha da necessidade de comprovar a conduta dolosa, também está o julgamento do <a href="https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&amp;tipo_pesquisa=T&amp;cod_tema_inicial=962&amp;cod_tema_final=962">Tema 962</a>, em que os ministros da 1ª Seção do STJ, em 24 de novembro de 2021, firmaram a seguinte tese: “o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme artigo 135, inciso III, do CTN”.
Esta última discussão voltou à análise do STJ no último dia 22 de março, com o recurso especial (<a href="https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/442914533/recurso-especial-resp-1224017-pr-2010-0201664-5">REsp 1224017/PR</a>), em que foi analisado se uma ex-sócia poderia ser responsabilizada por dívidas tributárias de sua gestão, mas que tenha se afastado regularmente da sociedade antes de sua dissolução irregular, oportunidade em que o Superior Tribunal de Justiça ratificou seu entendimento proferido no Tema 962, afastando a responsabilidade tributária.
As decisões proferidas pelos Tribunais Superiores têm seguido basicamente três importantes nortes: (i) a mera inadimplência de tributo não configura infração legal capaz de ensejar a responsabilização dos sócios pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica, (ii) para representação fiscal para fins penais, imprescindível apuração da conduta e do esgotamento da discussão em esfera administrativa e (iii) o sócio- administrador não pode ser responsabilizado por dívidas tributárias cujo fato gerador tenha incorrido em sua gerência, caso tenha se afastado regularmente da sociedade.
Os Tribunais Superiores estão ratificando a importância da apuração dos fatos, de forma que o direito tributário não seja utilizado como instrumento coercitivo com fins arrecadatórios, desprovidos de moralidade. O direito tem a função de regular relações de forma harmônica e justa e a relação tributária não tem qualquer privilégio que a afaste desta premissa.
Ignorar o procedimento administrativo fiscal em busca de uma arrecadação prematura ou responsabilizar o sócio-administrador sem que reste comprovada sua conduta dolosa vai na contramão não só do ordenamento jurídico, mas de normas internacionais que colocam a segurança jurídica como um dos pilares para o crescimento econômico.
E na função de aplicar corretamente as normas, os Tribunais Superiores têm assegurado aos sócios-administradores o direito à ampla defesa e ao contraditório, afastando a responsabilização prematura pelas dívidas da sociedade empresária.

Calculadora; Tributação

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JOTA

Entende-se que o mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal

Tribunais Superiores e a responsabilização tributária de sócios-administradores

Responsabilização tributária: O mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal nos Tribunais Superiores