Jéssica Guedes Santos

Henrique Rocha

Julia Lonardoni Ramos

A Justiça Eleitoral ainda não enfrentou de forma devida os reflexos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na jurisdição e no processo eleitoral, especialmente no que diz respeito à aplicabilidade da legislação para os partidos políticos – apesar de ter sido empregada no último pleito[1].
Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou notícia informando que limitou o acesso aos dados dos filiados de partidos políticos[2]. Antes, qualquer pessoa poderia baixar a planilha que informava os filiados de determinada legenda e, além do nome, também tinha acesso ao estado, município e zona eleitoral do filiado.
Com a nova mudança, os dados ficaram acessíveis somente para os partidos, que podem fazer o acesso por meio de sistema próprio disponibilizado pelo Tribunal, e para o titular, que pode conferir certidão pelo sistema de filiação partidária (Filia).
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Assim, temos um cenário atual que conta com quatro características que reforçam a complexidade do tema: i) a LGPD está em plena vigência desde agosto de 2021, com possibilidade de aplicação de multas pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) inclusive; ii) os partidos são submetidos à LGPD por força do art. 1º e precisam se adequar à lei; iii) o tratamento de dados sensíveis é inerente ao funcionamento dos partidos e iv) falta pouco mais de um ano para as eleições gerais de 2022 e não temos mais detalhamentos sobre o tratamento de dados pelos partidos políticos, sujeitos centrais no processo eleitoral.
Neste sentido, o presente artigo busca destacar três desafios inerentes ao processo de adequação à LGPD dos partidos políticos, buscando estabelecer considerações iniciais para que os partidos possam zelar pela proteção de dados dos seus filiados e colaboradores antes e depois das eleições.
<h3 dir="auto">1. Inventário de dados pessoais</h3>
O primeiro ponto de atenção à adequação dos partidos políticos deve recair sobre a análise dos dados tratados por ele. Para o seu funcionamento, os partidos tratam uma série de dados pessoais, sendo que, pela própria natureza da atividade partidária, os partidos lidam demasiadamente com dados sensíveis (art.5º, II da LGPD).
<blockquote class="jota-article__eye" dir="auto">De início, importa destacar que a LGPD não busca impossibilitar o tratamento de dados pessoais, mas regulamentá-lo de forma que os direitos e garantias dos titulares não sejam violados.</blockquote>
Assim, os partidos políticos não estão impedidos de tratar os dados pessoais de seus filiados, apenas estão condicionados a uma série de rígidas regras e princípios legais que devem ser observados.
Cite-se a realização do tratamento de dados pessoais com base na necessidade para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular (princípio da finalidade), a adoção de medidas técnicas e administrativas no intuito de proteger os dados pessoais, bem como prevenir a ocorrência de incidentes de dados pessoais (princípio da segurança) e a garantia de clareza, exatidão e atualização dos dados pessoais dos titulares (princípio da qualidade dos dados), tudo conforme princípios insculpidos no art. 6º da LGPD.
Para garantir que o tratamento de dados pessoais está sendo realizado de forma adequada, transparente e necessária, é preciso elaborar um documento para identificar todas as atividades de tratamento realizadas pelo partido político, que indique suas finalidades, seus titulares, a base legal de tratamento, bem como o compartilhamento de dados com terceiros.
O referido documento é conhecido como ROPA (Records of Processing Activities), sendo além de uma obrigação legal do controlador (art. 37, LGPD), um instrumento de demonstração de conformidade com a lei.
<h3 dir="auto">2. Acompanhamento legislativo, o tratamento de dados pessoais sensíveis e a alteração estatutária</h3>
Como mencionado, nos termos do inciso II, do art. 5º da LGPD, dados que revelam a opinião política e a filiação a organização de caráter político pelo titular são considerados como dados pessoais sensíveis, possuindo uma restrição de tratamento maior pela legislação dado seu caráter discriminatório.
Nesse sentido, considerando que tais dados são intrínsecos ao desenvolvimento de suas atividades, os partidos políticos devem redobrar a atenção quanto ao cumprimento das regras e preceitos trazidos pela LGPD.
Nota-se que tal preocupação vem sendo objeto de discussão no Projeto de Lei Complementar nº 112/21 (Novo Código Eleitoral), que estabelece no art. 518 da versão inicial e manteve no art. 508 do parecer de Plenário/substitutivo ser “permitido aos partidos políticos registrados o tratamento de dados pessoais sensíveis referentes à opinião política e filiação partidária de seus filiados ou de apoiadores para a realização de suas atividades legítimas, em especial a participação no processo político eleitoral”.
Ainda, o §1º dos citados artigos veda o “uso ou o compartilhamento dos dados pessoais sensíveis para finalidades alheias àquelas referidos no caput deste artigo sem o consentimento ou outra hipótese de tratamento previstas no artigo 11 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)”.
Por meio do disposto, o legislador busca estabelecer o tratamento de dados pessoais sensíveis dos filiados ou apoiadores com base em uma obrigação legal (uma das bases legais permissivas para o tratamento de tais dados – art. 11, II, a), o que é razoável diante da obrigatoriedade de os partidos políticos lidarem com dados sensíveis para zelar pelo seu legítimo funcionamento.
Ocorre que, ao utilizar a expressão “atividades legítimas”, abre-se um campo de possibilidades de tratamento que podem, a depender do caso, violar dispositivos da própria LGPD, vez que o já mencionado tratamento deve ser realizado com propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular.
É preciso que a discussão legislativa defina de forma mais objetiva o que entende por “atividades legítimas” e por “finalidades alheias”, até mesmo para proteger os próprios partidos de sanções quanto ao tratamento de dados de seus filiados.
Uma alternativa que se apresenta é os partidos adequarem os seus Estatutos aos ditames da LGPD acrescentando cláusulas que contenham a explicação do que é avaliado como “atividade legítima” para aquela legenda.
Mesmo que o projeto de lei faça a especificação aqui sugerida, os partidos podem e devem realizar alterações estatutárias, alinhando perspectivas de proteção de dados nas suas atividades, sendo que, o ROPA (inventário de dados pessoais) é fundamental para ter o overview do tratamento de dados do partido e indicar o que deve ser acrescentado no Estatuto para fins de adequação.
Assim, o próprio Estatuto atualizado se transforma em meio de garantir a transparência dos filiados, bem como finalidades explícitas e específicas do tratamento.
<h3 dir="auto">3. Adequação da comunicação digital</h3>
Atividades de comunicação digital, em especial atividades de marketing, são um ponto de atenção que os partidos políticos devem ter quanto à LGPD. Ou seja, é preciso estabelecer finalidades e bases legais ao tratamento, garantia e atendimento aos direitos dos titulares de dados e medidas de segurança da informação.
Em contexto internacional, nota-se que as autoridades supervisoras europeias já aplicaram sanções aos partidos que não cumpriram com a legislação de proteção de dados, em especial, quanto a atividades de comunicação e marketing. Em abril desse ano (2021), a Autoridade da Grécia aplicou uma multa de 2 mil euros a um partido político por ter entrado em contato com eleitor, via telefone, no intuito de angariar votos, sendo que, o titular informou que não teria informado seus dados e nem autorizado o uso para fins de propaganda política.[3]
Igualmente, em julho de 2020, a Autoridade da Bélgica aplicou multa de 3 mil euros para partido que envio carta com propaganda eleitoral para endereço de eleitor. Como fundamentos, a autoridade destacou a insuficiência da base legal para tratamento de dados por conta da ausência de consentimento e de indicação da base de dados utilizada no tratamento.
Assim, é importante que os partidos políticos se atentem à comunicação digital e que passem instruções (orientações essas colhidas em treinamentos adequados) para os seus filiados a fim de evitar sanções e garantir a proteção de dados dos eleitores. A princípio, pode-se elencar duas medidas preventivas que podem evitar punições aos partidos.
Com relação aos filiados, os partidos devem estabelecer mecanismos de atualização de suas bases legais para que os titulares que se desfiliaram do partido não recebam contato por estes meios de comunicação.
Isso porque, caso recebam, referida atividade de tratamento seria ilegal por não existir uma base legal de tratamento, abrindo margens à aplicação de penalidades tanto pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em atividades de fiscalização e investigação, bem como pelo Poder Judiciário em via judicial ajuizada pelo titular.
Com relação aos eleitores, é importante que em todos os canais de comunicação, especialmente por mensagem, ligação e e-mail, seja fornecido ao titular a opção de “opt out”, ou seja, o direito de se opor ao tratamento de seus dados pessoais para fins de marketing direto, como já previsto pelo art. 33 da Resolução 23.610/2019 do TSE.
<h3 dir="auto">Conclusão</h3>
Os três pontos de atenção destacados, por óbvio, não esgotam o tema, mas servem como forma de evidenciar que os partidos devem se adequar à LGPD o quanto antes, tanto para evitar sanções, quanto para sinalizar aos filiados e eleitores que adota medidas para garantir a efetividade dos direitos fundamentais de privacidade e proteção de dados.
Além da importância da adequação e da instituição de um programa de privacidade e proteção de dados, os partidos devem estar atentos às constantes mudanças na legislação eleitoral, que tende a cada vez mais tratar sobre temas do eleitoral digital. Dentre várias questões que permanecem, uma é imperiosa: o seu partido já está pensando nisso para as eleições de 2022?
<hr />
[1] O TSE decidiu pela aplicação da LGPD nas eleições municipais de 2020 por meio do art. 41 da Resolução 23.610/2019.
[2] Disponível em: &lt;<a href="https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Agosto/tse-limita-divulgacao-de-dados-sobre-filiados-politicos-em-atendimento-a-lgpd" target="_blank" rel="nofollow noopener noreferrer" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Agosto/tse-limita-divulgacao-de-dados-sobre-filiados-politicos-em-atendimento-a-lgpd&amp;source=gmail&amp;ust=1632259647883000&amp;usg=AFQjCNG699EUwy5rI7hSWGs9nLX206vLtQ">https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Agosto/tse-limita-divulgacao-de-dados-sobre-filiados-politicos-em-atendimento-a-lgpd</a>&gt;. Acesso em: 04 de setembro de 2021.
[3] Disponível em: &lt;<a href="https://www.dpa.gr/sites/default/files/2021-04/7_2021anonym_0.pdf" target="_blank" rel="nofollow noopener noreferrer" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://www.dpa.gr/sites/default/files/2021-04/7_2021anonym_0.pdf&amp;source=gmail&amp;ust=1632259647883000&amp;usg=AFQjCNFPOUJt0AfPQa1HpXsZ725HZlkqMQ">https://www.dpa.gr/sites/default/files/2021-04/7_2021anonym_0.pdf</a>&gt;. Acesso em: 22 de agosto de 2021.

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JOTA

Considerações iniciais para que os partidos possam zelar pela proteção de dados dos seus filiados e colaboradores

Três principais pontos de atenção que partidos políticos devem ter quanto à LGPD

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