Saulo Gonçalves Santos

É fato que, no mundo moderno, os países mantêm relacionamentos uns com os outros, motivo pelo qual se fala em globalização. As comunicações ocorrem pelos mais diversos motivos, como econômicos, humanitários, comerciais, dentre outros.
No âmbito da política fiscal internacional, este contato entre as nações também ocorre, visto que as receitas públicas advindas de tributos são meios de financiamento dos diversos Estados internacionais, de modo que os países devem manter contato entre si para o compartilhamento de informações, bem como para evitar que determinadas atividades econômicas, efetivadas em mais de uma parte do Mundo, deixem de ser tributadas por estratégias ilegais dos contribuintes, ou sejam taxadas mais de uma vez, oportunidade em que se fala em acordos para fins de evitar a evasão fiscal e a bitributação, e para promover o compartilhamento de dados fiscais (BRASIL, on-line).
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Via de regra, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 1480, os atos internacionais ingressam no ordenamento jurídico pátrio com hierarquia de lei ordinária (BRASIL, 1998, on-line), com exceção dos tratados internacionais de direitos humanos incorporados de acordo com o procedimento especial do art. 5o, parágrafo 3o, CF/88, que terão status de emenda constitucional, bem como os demais atos internacionais envolvendo direitos humanos que não tenham sido incorporados com base nessa sistemática especial, que terão hierarquia supralegal, consoante entendimento exposto pelo STF na súmula vinculante n. 25.
O art. 98 do CTN aduz que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Ao determinar que revogam as normas internas, e que serão respeitados pelas posteriores, este dispositivo acabou por tornar hierarquicamente superiores os atos internacionais tributários, apenas podendo ser revogados por uma norma de panorama transnacional.
Afirma-se que, ao internalizar um ato que envolve relacionamento entre nações, espera-se uma estabilidade por parte dos mecanismos estatais, de modo a não ter sentido se permitir que uma norma interna venha a revogar um ato internacional tributário, que só deveria ser derrogado por manifestação normativa de outro ato de igual hierarquia do direito internacional (OLIVEIRA, 2019, p. 256).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial n. 1.161.467/RS, já se manifestou no sentido de que as determinações de uma convenção internacional, em decorrência do princípio interpretativo da especialidade, prevalecem sobre o direito interno, de modo a consagrar a vigência atual do citado art. 98, CTN (BRASIL, 2012, on-line).
Segundo informações do sítio eletrônico do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil tem atuado na área da cooperação tributária internacional mediante a assinatura de acordos que possibilitem o combate à evasão fiscal e à dupla tributação, bem como a troca de informações tributárias importantes para que os Estados protejam as bases econômicas das suas receitas tributárias (BRASIL, on-line).
Atualmente, o Brasil é signatário de 32 (trinta e dois) acordos para evitar a dupla tributação (ADT). Todavia, há uma tendência de que os esforços internacionais para o combate da evasão fiscal devam ser concretizados através de acordos mais amplos entre os Estados - multilaterais, portanto, de modo a uniformizar os procedimentos - que devem gradativamente substituir as convenções bilaterais existentes (ALMEIDA; STEFANO FILHO, 2017, p. 141).
Nesse sentido, com a finalidade de combater a evasão fiscal e promover a construção do multilateralismo, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o G20 criaram o Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), com a edição de 15 planos de ação direcionados a estas finalidades, tudo com o propósito maior do estabelecimento de um grande acordo mundial para a preservação das bases de arrecadação dos Estados na contemporaneidade (ALMEIDA; STEFANO FILHO, 2017, p. 144).
Foi elaborada ainda a Convenção Modelo da OCDE sobre a Tributação do Rendimento e do Capital, com o fito de evitar a dupla tributação no cenário mundial e a evasão tributária, elaborar políticas fiscais internacionais, servir de paradigma aos acordos tributários ao redor do mundo (GABRIEL, 2016, p. 101) e promover a troca de informações fiscais relevantes entre nações, criando um ambiente de negócios favorável, e efetivando o princípio da segurança jurídica com a criação de regras claras e globais.
Quanto à interpretação e aplicação da Convenção Modelo, Heleno Taveira Torres ensina que o Brasil segue os comentários feitos pela própria OCDE para direcionar a efetivação destas normas, embora não seja membro da organização, o que denota um respeito de nosso país, em muitos casos, pelos posicionamentos adotados pela instituição (TORRES, 2015, on-line).
Para uma melhor contextualização do assunto, reputa-se relevante a exposição de um caso concreto que costumeiramente provoca conflitos relacionados com a bitributação, consistente na tributação dos rendimentos dos serviços técnicos que não envolvam transferência de tecnologia, onde há um conflito entre as autoridades tributárias brasileiras e estrangeiras quanto à aplicação dos art. 7o e 21 da Convenção Modelo da OCDE.
A maioria dos Estados contratantes da citada convenção entende que os rendimentos decorrentes do tipo de serviço supracitado deve ser enquadrado no art. 7o do diploma, entendido como lucro empresarial, portanto, de modo a ser tributado no país de residência do prestador, já que não houve transferência de tecnologia, enquanto o Brasil compreende – com base nos acordos bilaterais dos quais participa - que tais prestações se enquadram no art. 21 da Convenção Modelo, implicando a tributação das rendas na fonte dos rendimentos, a denotar a existência de um conflito entre a norma multilateral e os acordos bilaterais (SCHOUERI, 2009, p. 303), evidenciando-se a necessidade do fortalecimento do multilateralismo.
Destaque-se que o art. 151, III, CF/88 aduz que é “vedado à União instituir isenção de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios” (BRASIL, 1988, on-line). Contudo, atuando na condição de representante da República Federativa Brasileira nas relações internacionais – como Chefe de Estado e não Chefe de Governo -, é possível que seja negociado um tratado onde se preveja a isenção de um produto estrangeiro a um tributo estadual, por exemplo, não havendo que se falar em isenção heterônoma.
Nesse sentido, o STF – no RE 229096-RS, de 16.08.2007 - já decidiu ser válida a disposição contida no Acordo Geral de Tarifas e Comércio que isenta mercadoria importada de um país signatário de um tributo estadual quando o similar nacional tiver benefício equivalente (BRASIL, 2007, on-line).
Mencione-se também a existência do Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), que se trata de uma norma dos Estados Unidos da América (EUA) que determina que instituições financeiras estrangeiras prestem informações sobre movimentações monetárias de cidadão sujeitos à jurisdição americana. Diante da reconhecida importância dos EUA na economia mundial, diversas entidades e países acabaram cumprindo esta norma unilateral, fato este que acabou por favorecer a criação de normas globais e o fortalecimento do multilateralismo no tema da evasão fiscal, influenciando a elaboração do plano BEPS anteriormente citado (ALMEIDA; STEFANO FILHO, 2017, p. 143).

<h3 align="justify">Referências</h3>
ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; STEFANO FILHO, Mario Di. Troca de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a transferência fiscal em face do ordenamento jurídico interno. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. Fortaleza, v. 37.2, jul./dez., pp. 139-161. Disponível em: <a href="http://periodicos.ufc.br/nomos/article/view/6597">http://periodicos.ufc.br/nomos/article/view/6597</a>. Acesso em: 26 abr. 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm</a>. Acesso em: 01 fev. 2019.
BRASIL. Cooperação tributária. Ministério das Relações Exteriores. Brasília, data desconhecida. Disponível em: <a href="http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15561-cooperacao-tributaria">http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15561-cooperacao-tributaria</a>. Acesso em: 26 abr. 2019.
BRASIL. Cooperação financeira. Ministério das Relações Exteriores. Brasília, data desconhecida. Disponível em: <a href="http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15551-cooperacao-financeira">http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15551-cooperacao-financeira</a>. Acesso em: 28 abr. 2019.
BRASIL. Lei Federal n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm</a>. Acesso em: 26 abr. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.161.467/RS. […]. O art. 98 do CTN deve ser interpretado à luz do princípio lex specialis derrogat generalis, não havendo, propriamente, revogação ou derrogação da norma interna pelo regramento internacional, mas apenas suspensão de eficácia que atinge, tão só, as situações envolvendo os sujeitos e os elementos de estraneidade descritos na norma da convenção. [...]. Relator(a): Ministro Castro Meira. Data do Julgamento: 17/05/2012. Diário da Justiça de 01 de junho de 2012. Disponível em: <a href="http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1161467&amp;b=ACOR&amp;thesaurus=JURIDICO&amp;p=true">http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1161467&amp;b=ACOR&amp;thesaurus=JURIDICO&amp;p=true</a>. Acesso em: 28 abr. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 229.096/RS. 1. A isenção de tributos estaduais prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio para as mercadorias importadas dos países signatários quando o similar nacional tiver o mesmo benefício foi recepcionada pela Constituição da República de 1988. […]. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição. Relator(a): Ministro Ilmar Galvão. Relator(a) p/ acórdão: Ministra Cármen Lúcia. Data do Julgamento: 16/08/2007. Diário da Justiça de 11 de abril de 2008. Disponível em: <a href="http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(RE$.SCLA.+E+229096.NUME.)+OU+(RE.ACMS.+ADJ2+229096.ACMS.)&amp;base=baseAcordaos&amp;url=http://tinyurl.com/c9lzpr7">http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+229096%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+229096%2EACMS%2E%29&amp;base=baseAcordaos&amp;url=http://tinyurl.com/c9lzpr7</a>. Acesso em: 28 abr. 2019.
GABRIEL, Vivian Daniele Rocha. Arbitragem no direito tributário internacional e no direito internacional dos investimentos: uma manifestação do direito transnacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, p. 95-115, 2016. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/download/4158/pdf. Acesso em: 15 mar. 2019.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed version 2017. Paris: OECD Publishing, 2017. Disponível em: <a href="https://doi.org/10.1787/mtc_cond-2017-en">https://doi.org/10.1787/mtc_cond-2017-en</a>. Acesso em: 26 abr. 2019.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de direito financeiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Arbitragem no Direito Tributário Internacional. Revista Direito Tributário Atual. Editora Dialética: São Paulo, n. 23, p. 302-320, 2009.
TORRES, Heleno Taveira. Convenções para evitar a dupla tributação após a vigência da convenção de Viena. Revista Consultor Jurídico. São Paulo, set. 2015. Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2015-set-16/consultor-tributario-interpretacao-convencoes-evitar-dupla-tributacao">https://www.conjur.com.br/2015-set-16/consultor-tributario-interpretacao-convencoes-evitar-dupla-tributacao</a>. Acesso em: 28 abr. 2019.

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