Luciano Benetti Timm

Muito se discutiu na última semana o tema da economia na transição para o novo governo de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lula">Lula</a>. Enquanto isso, uma comissão de transição também foi montada para a pasta de Justiça e Segurança Pública. Os nomes nessa área são, em maior proporção do que na economia, ligados ao PT. Enquanto economistas ortodoxos projetam eventuais cenários para um “cavalo de pau” heterodoxo próprio da cartilha – ainda não revisada – do partido, é o momento também de juristas montarem os seus.
É verdade que a maioria dos professores de Direito tem uma visão de esquerda e o campo liberal ou ortodoxo nessa área é bastante diminuto. Ainda que minoritário, ainda vale apostar em um debate respeitoso de políticas públicas sobre os possíveis rumos de nosso país, longe da histeria que caracterizou o período eleitoral.
No campo de políticas judiciárias, pouco restou ao Ministério da Justiça, diante de parte de suas atribuições ocupadas atualmente pelo Conselho Nacional da Justiça. Ainda assim, pode a pasta articular políticas públicas em conjunto com o Poder Judiciário. Um possível cenário heterodoxo de políticas públicas judiciais significaria acentuar o discurso de acesso à justiça sem compromisso com eficiência na distribuição de justiça e de seus custos; ou seja, sendo ele prevalente no grupo de transição, não deveríamos esperar ferramentas econômicas e gerenciais no debate sobre judicialização, nem tampouco uma aposta substancial em métodos privados de solução de disputas, dada a desconfiança heterodoxa em soluções não estatais.
Ademais, o Ministério da Justiça tem também uma atribuição de regulação econômica, cuidando indiretamente do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cade">Cade</a> e diretamente da defesa dos consumidores. Aqui a heterodoxia poderia se revelar em maior combate às big techs (como nos EUA), um maior influxo de pessoas de pensamento mais intervencionista no Cade, uma possível flexibilização à concentração econômica de conglomerados nacionais e um maior ativismo na intervenção do mercado, especialmente no discurso de proteção dos consumidores vulneráveis. Infelizmente, isso pode significar uma maior resistência às privatizações, que tanto serviço já prestou aos consumidores brasileiros nos setores de telefonia, bancário e que pode ainda prestar no campo de saneamento, energia e de transportes.
Já no campo da segurança pública, divulga-se o pensamento de separar a pasta da Justiça. Essa é a discussão menos importante. A mais relevante é a de que, coerente com as diretrizes do partido e da maioria dos integrantes da comissão, tende-se a atenuar a visão de maior confronto à criminalidade, com maior preocupação com as causas da violência do crime e de maior crença no papel da ressocialização do preso. Há muitos criminalistas “garantistas” nessa transição (no fundo, pessoas descrentes do papel da pena como fator dissuasório). A meu juízo, esse é o maior risco de equívocos a serem praticados por uma visão exageradamente heterodoxa.
Não que não existam causas sociais derivadas de uma injustiça e ineficiente distribuição de recursos públicos na prática de crimes – até as pedras sabem que as falhas em nosso sistema educacional são gritantes e provocam desigualdade. Todavia, essa visão idealista de não confrontação da criminalidade – ao contrário da visão ortodoxa de investimento em investigação policial, construção de presídios e maior rigor na execução da pena, inclusive com prisão após condenação em segunda instância – não deu certo em nenhuma experiência histórica (inclusive na Califórnia).
Que a opinião das poucas integrantes no grupo que trabalham com pesquisa empírica e do ex-procurador-geral de Justiça prevaleçam. Será uma grata surpresa. Nesse campo, sabe-se que São Paulo é o estado que fez o melhor trabalho, chegando a níveis mais aceitáveis de criminalidade; os estados do Norte e do Nordeste ficaram para trás nesse quesito.
Em seguida, há o tema de proteção à pirataria e a ortodoxia recomendaria apostar em proteção à propriedade intelectual, tema que normalmente heterodoxos torcem o nariz por envolver, justamente, propriedade privada. Ora, um eficiente sistema de propriedade intelectual, com combate à pirataria, é fundamental para uma concorrência justa e para promover o desenvolvimento econômico.
Finalmente, há a pasta de cooperação internacional e imigração. Talvez aqui a heterodoxia significasse retomar convênios com Cuba, Venezuela, mas se trata de um caminho menos previsível, até porque toda América do Sul e mesmo os Estados Unidos estão governados pela esquerda, podendo essas novas rotas oferecerem alternativas de cooperação com menos resistência do campo mais conservador da sociedade brasileira. Aqui o maior risco seria o boicote ao ingresso na OCDE.

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JOTA

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