Gabriel Augusto Luís Teixeira Gonçalves

Continuando a retomada desta série sobre a relação da Fazenda Nacional com os processos de insolvência (os artigos anteriores podem ser encontrados <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia">aqui</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>), iremos abordar agora outras críticas que têm sido feitas às novas modalidades de parcelamento e transação tributária para empresas em recuperação judicial trazidas pela Lei nº 14.112/20, e regulamentados pela Portaria PGFN nº 2.382/21.
"Mas a empresa em recuperação precisa de desconto na dívida"
Outro ponto que é comumente questionado é a ausência de desconto no parcelamento previsto no art. 10-A da Lei nº 10.522/02, que foi recentemente alterado pela reforma da LRJF. De fato, para muitas recuperandas apenas o alargamento do prazo para pagamento de suas dívidas não é suficiente para permitir uma equalização factível de seu passivo fiscal. Atento a isso, o legislador estabeleceu também a possibilidade de celebração de transação tributária com a PGFN, para negociação dos débitos inscritos em dívida ativa da União, através da qual é permitida a concessão de descontos. Vejamos um pouco mais das vantagens dessa transação para as empresas em recuperação judicial. 
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Originalmente a transação tributária foi regulamentada pela Lei nº 13.988/20, cujas disposições se aplicam a essa transação prevista no art. 10-C, no que não forem conflitantes (como prevê o próprio art. 10-C e o art. 30, da Portaria PGFN n 2.382/21). Foram aumentados tanto o prazo quanto o limite máximo para descontos, sendo aquele de até 120 meses (como no parcelamento do art. 10-A), e este de no máximo 70% (enquanto na transação para as demais empresas o prazo e o desconto máximos são de 84 meses e de 50%).
Foi previsto, ainda, que a mera apresentação da proposta de transação por parte da recuperanda já suspende o andamento das execuções fiscais (inciso VI, do art. 10-C), o que evita que sejam penhorados bens da empresa nesse período (como autoriza o §7º-B do art. 6º da LRJF). Trata-se de uma norma que busca induzir as recuperandas a buscarem a regularização de seu passivo fiscal o quanto antes, além de incentivar que os próprios credores cobrem isso das recuperandas, sob pena de as execuções fiscais terem prosseguimento.
Vê-se, assim, que todo o sistema foi pensado para que o credor fiscal não seja mais esquecido, que era o que vinha acontecendo nos últimos 15 anos. Até porque, somente com a regularização das dívidas fazendárias é que poderemos falar em uma verdadeira recuperação da empresa em crise.
Também foi aumentado o número de parcelas cujo inadimplemento leva à rescisão da transação (como foi feito para o parcelamento), sendo agora de 6 parcelas consecutivas ou de 9 parcelas alternadas (inciso VII, do art. 10-C). Como expusemos no artigo anterior desta série, trata-se de medida que concede grande flexibilidade às empresas que celebram a transação, pois evita que dificuldades momentâneas levem à rescisão do acordo.
Ainda foi criada a possibilidade de que os Estados, DF e Municípios, por lei própria, autorizem que essas regras de transação tributárias sejam também aplicadas a seus débitos (art. 10-C, §4º). Como se fosse uma "lei por adesão", e que pode ser muito útil para permitir uma solução para todas as dívidas com entes públicos da recuperanda.
<blockquote class="jota-article__eye">Observe-se que essa proposta de transação deve ser apresentada até o momento da homologação do plano de recuperação judicial, contudo, é claro que a empresa em recuperação judicial deve buscar a negociação com o Fisco o quanto antes, a fim de se evitar que seja dada continuidade às ações de cobrança.</blockquote>
Além disso, para as empresas que já tiveram seu plano de recuperação judicial homologado (mas cujo processo judicial de recuperação ainda não tenha se encerrado), o §4º, do artigo 5º, da Lei nº 14.112/20, autoriza que também se beneficiem dessa transação tributária, desde que apresentem sua proposta em até 60 dias da regulamentação pela PGFN (o que foi feito pela Portaria PGFN nº 2.382/21, publicada em 1º de março. Ou seja, esse prazo se esgota em 29 de abril). Prazo esse a que devem ficar muito atentas as recuperandas, bem como seus credores e administradores judiciais, uma vez que a equalização do passivo fiscal é do interesse de todos que negociaram com a empresa. Ultrapassado esse prazo, a recuperanda ainda fará jus à transação, mas nos mesmos termos que as demais empresas (máximo de 50% de desconto e parcelamento em até 84 meses).
Dessa forma, temos então que é possível a empresa em recuperação judicial, com a transação tributária, parcelar sua dívida com o Fisco em até uma década e ainda obter 70% de desconto, o que é extremamente relevante e significativo, não se pode negar. A título de comparação, de acordo com o relatório<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>  “Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência”, do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência – NEPI da PUCSP e da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ, as taxas de deságio médio para os credores titulares de créditos com garantias reais é de 47,2%, enquanto para o pagamento dos credores quirografários o deságio médio foi de 70,8%.
Por fim, não podemos esquecer da possibilidade de se utilizar créditos líquidos e certos ou precatórios para quitação da transação (art. 8º, VI, da Portaria PGFN nº 2.382/21). Quem conhece os deságios que são concedidos no mercado de precatórios sabe do benefício que é poder pagar as parcelas da transação com esses créditos.
Portanto, nos parece que não dá mais para reclamar dos prazos e descontos concedidos pelo Fisco Federal.
"Mas a PGFN cria empecilhos para celebrar a transação"
Essa também é uma frase que se tornou lugar-comum nos diversos eventos que têm sido realizados para debater a reforma da LRJF, muito por conta do disposto no inciso III, do artigo 10-C, da Lei nº 10.522/02, que estabelece que análise da proposta da transação caberá à PGFN, em juízo de conveniência e oportunidade.
Pois bem, essa afirmação, além de desconsiderar toda a mudança de cultura que tem sido verificada na relação Fisco-contribuinte<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, também não se sustenta quando confrontada com os números produzidos pela transação tributária no âmbito federal em 2020. Conforme exposto na Nota SEI nº 14/2021/PGDAU-CDA-COAGED/PGDAU/PGFN-ME, "foram negociados em 2020 mais de oitocentos mil débitos, no valor de R$ 81,9 bilhões, por aproximadamente 60 mil pessoas físicas e 140 mil pessoas jurídicas", números superlativos e que demonstram o sucesso e a viabilidade da transação tributária.
Ademais, já foram <a href="about:blank">celebradas</a> 27 transações individuais<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> (inclusive com empresas em recuperação judicial), aquelas nas quais os termos contratuais são livremente negociados entre Fisco e contribuinte, inclusive a forma de pagamento da dívida.
Essa afirmação ignora também as diversas modalidades de transação que foram disponibilizadas em 2020 para celebração simplificada, por meio da qual o devedor poderia transacionar sua dívida em menos de 5 minutos, por meio de acesso ao Portal Regularize, de forma simples e ágil, nos termos do Programa de Retomada Fiscal (Portaria PGFN nº 21.562/20).
Foram regulamentadas a (i)Transação Individual e por Adesão (Portaria PGFN nº 9.917/20 e Edital de Acordo de Transação por Adesão nº 1/2019); (ii) Transação Extraordinária (Portaria PGFN nº 9.924/20); (iii) Transação Excepcional (Portaria PGFN nº 14.402/20); (iv) Transação Excepcional para débitos rurais e fundiários (Portaria PGFN nº 21.561/20); (v) Transação Tributária na Dívida Ativa de Pequeno Valor (Edital nº 16/2020); e (vi) Transação Excepcional para Débitos do Simples Nacional (Portaria PGFN nº 18.731/20). Com exceção do Edital nº 01/19, todas as demais opções foram reabertas pela Portaria PGFN nº 2.381/21, com prazo de adesão até 30 de setembro de 2021.
<blockquote class="jota-article__eye">Inclusive, a Portaria nº 14.402/20 (transação excepcional) foi alterada para prever no inciso VII, de seu art. 9º, as condições específicas para empresas em recuperação judicial, nos termos do que dispõe o art. 10-C, da Lei nº 10.522/02 (desconto de até 70% e prazo de até 120 meses). Dessa maneira, as recuperandas poderão aderir à transação diretamente pelo Regularize, sem qualquer empecilho e de forma rápida e simples.</blockquote>
Ou seja, ao contrário do que têm se afirmado, a postura da PGFN tem sido a de fomentar a solução negociada dos conflitos e uma cobrança racional das dívidas das empresas, incentivando a celebração dos acordos de transação. As variadas Portarias editadas buscaram fornecer opções que atendessem aos múltiplos tipos de devedores, dos grandes aos pequenos, dos rurais aos industriais, das pessoas jurídicas às pessoas físicas. E as transações individuais celebradas mostram a disposição da Procuradoria em alcançar um acordo que seja viável, e que atenda às especificidades da situação do contribuinte (e, no caso das recuperandas, permita que ele cumpra o Plano acordado com os credores concursais).
Claro que nem tudo são flores, pois sendo a transação algo novo para a própria PGFN, ajustes terão que ser feitos, aprendizados adquiridos, e realidades apreendidas. Mas o cenário que se desenhou em 2020 mostra um saldo bastante positivo no sentido da efetividade da transação tributária.
"Mas a recuperanda será obrigada a pagar vários tributos que não deveria, por conta de lançamentos equivocados" 
Como vimos no artigo anterior, esse é um questionamento que já não faz mais sentido, em razão das modificações operadas pela Lei nº 14.112/20 no parcelamento das empresas em recuperação judicial. Com efeito, o §1º-C do artigo 10-A afastou a obrigatoriedade de se incluir todos os débitos no parcelamento, desde que aqueles deixados de fora estejam garantidos ou com sua exigibilidade suspensa.
Além disso, desde há bastante tempo a PGFN têm uma postura de não recorrer de decisões pacificadas pelos Tribunais superiores, ou de não litigar quando não faça sentido (jurídico ou econômico), em uma análise de custo-benefício, sedimentada em normativos internos (Portarias PGFN nº 294/10 e 502/16), bem como de reconhecer de ofício quando há algo que justifique o cancelamento da CDA ou sua retificação. Nesse sentido, a Portaria PGFN nº 33/2018 regulamentou o Pedido de Revisão de Dívida Inscrita - PRDI (também apresentado através do Portal Regularize), ferramenta por meio da qual o contribuinte pode apresentar administrativamente questionamentos sobre débitos inscritos em dívida ativa da União.
A mesma Nota SEI nº 14/2021 citada acima indica que foram analisados em 2020 mais de 116 mil PDRI’s pela Procuradoria, demonstrando que se trata de ferramenta que já é largamente utilizada pelos contribuintes.
"Mas os bancos e seguradores não fornecem seguro-garantia ou carta fiança para empresas em recuperação judicial" 
De fato as opções de crédito para as recuperandas são bastante escassas, o que foi inclusive um dos pontos que se buscou alterar na reforma da Lei nº 11.101/05 (por exemplo, regulamentando o Dip Financing, nos artigos 69-A a 69-F). E é exatamente aí que entram os Negócios Jurídicos Processuais (NJP), que na cobrança da dívida é regulamentado pela Portaria PGFN nº 742/18, e permite que sejam buscadas soluções alternativas para permitir a garantia da dívida que o devedor deseja discutir judicialmente (caso, claro já não tenha havido a concordância da PGFN com o questionamento do contribuinte apresentado administrativamente).
O NJP é o instrumento através do qual a PGFN e o contribuinte negociam sobre a forma mais adequada para cobrança dos débitos inscritos em dívida ativa da União. Esse acordo poderá tratar de vários temas, como: calendarização da execução fiscal; criação de um plano de amortização do débito fiscal; aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e modo de constrição ou alienação de bens.
Esse tipo de acordo tem também o benefício de possibilitar a estruturação de uma solução customizada para as condições específicas daquele devedor, o que aumenta as chances de cumprimento total do negócio jurídico. Além disso, abre as portas da Fazenda Nacional para o diálogo com o contribuinte, permitindo a solução negociada de litígios que poderiam durar anos e gerar custos altíssimos.
No próximo - e último - artigo da retomada desta série, discorreremos sobre a possibilidade da Fazenda requerer a convolação da RJ em falência, como consequência da exclusão do devedor do parcelamento, o que tem também gerado muitos debates.
<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia">***Esse artigo é parte de uma série coordenada pelo Núcleo de Falências e Recuperações Judiciais da PGFN em São Paulo. Acompanhe todas as publicações pela tag #Fazenda-Nacional-e-Insolvência</a>
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="about:blank">https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>  <a href="about:blank">https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/obs_recuperacoes_abj.pdf</a>. Acesso em 27/02/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Tema para um outro artigo, mas a busca pela consensualidade têm sido um norte da PGFN já há alguns anos. Veja-se, a título de exemplo, o disposto nas Portarias PGFN nº 502/2016, 33/2018 e 375/2018, onde constam diversas previsões que buscam abrir as portas da Procuradoria para o contribuinte, e colaborar na busca por um contencioso mais racional.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="about:blank">https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/painel-dos-parcelamentos/bem-vindo-ao-painel-dos-parcelamentos</a>

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JOTA

Os avanços obtidos na negociação da dívida com a Fazenda não podem ser ignorados

Parcelamento e transação tributária para empresas em Recuperação Judicial

Transação tributária para empresas em Recuperação Judicial: os avanços obtidos na negociação da dívida com a Fazenda não podem ser ignorados