Julio Salles Costa Janolio

Felipe Leonidio Ribeiro

O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-economia">Ministério da Economia</a> publicou no último dia 3 de maio o <a href="https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-a-distancia/editais-uab/edital-no-09-2022-chamada-para-articulacao-de-cursos-superiores-na-modalidade-ead-no-ambito-do-programa-universidade-aberta-do-brasil-uab">Edital 9/2022</a>, que permite aos contribuintes transacionarem suas dívidas que estejam em discussão na esfera administrativa/judicial decorrentes da glosa da “amortização fiscal de ágio”. O edital abrange fatos gerados em aquisição de participações societárias ocorridas até 31/12/2014, com respectivos eventos de incorporação, fusão e cisão até a data limite de 31/12/2017.
A transação tributária está prevista no art. 171<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ctn">Código Tributário Nacional</a> (CTN) desde a sua promulgação em 1966, porém sua regulamentação só foi implementada 54 anos depois, pela Lei 13.998/2020, que atualmente é disciplinada pela Portaria ME 247/2020. Em regra<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, pode ser celebrada para débitos fiscais, aduaneiros, previdenciários etc., em discussão administrativa/judicial que sejam de “pequeno valor” (lançamentos de até 60 salários mínimos); ou de “relevante e disseminada controvérsia jurídica”.
Do ponto de vista financeiro, a atual proposta de transação (seja do IRPJ ou da CSLL<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>) decorre de “relevante controvérsia jurídica” e segue os mesmos padrões de desconto tanto da modalidade de “pequeno valor”, quanto da primeira transação dos débitos de PLR: a dívida pode ser reduzida de 30% a 50% como um todo (principal, multa e juros) a depender da quantidade de parcelas escolhidas pelo contribuinte.
Do ponto de vista do edital, a “transação do ágio” é idêntica à “transação do PLR”. Contudo, alguns fatores nas discussões de ágio nos levam a concluir que, talvez, a presente transação não seja a melhor alternativa.
<h3>O voto de qualidade</h3>
A maior quantidade de autuações sobre ágio decididas desfavoravelmente aos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>) se deu pelo voto de desempate do presidente da turma em favor da Fazenda, o chamado voto de qualidade (especialmente nos casos da multa agravada de 150%<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>).
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> formou maioria para declarar constitucional o art. 19-E da Lei 10.522/2002 (em redação dada pela própria Lei 13.988/2020), suprimindo a aplicação do voto de qualidade em favor do fisco nas hipóteses de empate em julgamento administrativo de autuações fiscais. Assim, o voto de qualidade não será mais aplicável para os atuais 377 processos que versam sobre a amortização fiscal de ágio no regime pré-Lei 12.973/2014 atualmente pendentes de julgamento no Carf, que totalizam R$ 122 bilhões (segundo fontes da Receita Federal).
Como consequência<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, poderemos verificar o cancelamento de diversas autuações de valores bilionários, ou expressiva redução da respectiva penalidade, mediante o afastamento da multa agravada de 150%, retomando seu patamar standard de 75%.
<h3>Multa agravada</h3>
Grande parte do contencioso tributário em torno da amortização fiscal do ágio atinge elevadíssimos valores em virtude da aplicação quase “automática” por parte da Receita Federal da multa agravada de 150%. Nesses casos, a parcela da penalidade representa mais do que o dobro do valor do tributo em discussão. São bilhões de reais a título de multa.
Em regra, a Fazenda se vale da aplicação “forçada” do (ainda) inaplicável parágrafo único do art. 116 do CTN<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> – que até os dias atuais nunca foi regulamentado – para aduzir uma possível simulação ou fraude na operação realizada pelo contribuinte na operação que gerou o ágio, e, assim, justificar o agravamento da multa. Este iter foi muito adotado pela Receita Federal nos casos de “ágio interno”, por exemplo.
Na maioria dos casos julgados pelo Carf, além de a multa agravada ter sido mantida na esfera administrativa por força do voto de qualidade (não mais aplicável), o desconto máximo proposto pela atual transação (50%) é aquele que já acaba sendo obtido pelos contribuintes nas hipóteses em que se afasta a qualificação da penalidade (retomando ao patamar de 75%).
Analisando-se isoladamente a multa e os juros que acompanham as autuações, os descontos comumente previstos em programas de parcelamento especial são demasiadamente mais atrativos do que a atual transação. No PERT<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, a redução da penalidade chegava a 70% e a 90% dos juros.
Depois de aprovado no Senado, tramita na Câmara dos Deputados o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2293714">PL 4728/2020</a> que, além de reabrir o PERT com descontos de até 90% da multa e dos juros, altera a própria legislação da transação (<a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.988-de-14-de-abril-de-2020-252343978">Lei 13.988/2020</a>), majorando o desconto dos débitos (principal, multa e juros) passíveis de serem transacionados, de 50% para 70%, além da possibilidade de parcelamento em até 120 meses (contra os atuais 84 meses).
<h3>Sem jurisprudência</h3>
Até os dias atuais não há qualquer orientação ou entendimento firmado pelo Poder Judiciário sobre as discussões que envolvam a amortização fiscal do ágio.
Não há precedente no STF, enquanto no STJ o único caso de ágio julgado foi o REsp 1.583.275<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> (empresa veículo), o qual sequer teve seu mérito analisado, em virtude de o tribunal ter entendido que aquele caso demandaria reanálise do conjunto fático dos autos, vedado pela Súmula 7/STJ.
Atualmente os contribuintes aguardam o julgamento do REsp 1.808.639<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> (ágio interno), que já teve seu AREsp conhecido para admitir o processamento do referido REsp.
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais merece destaque o recente acórdão proferido pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/trf4">TRF4</a> nos autos do processo 5058075-42.2017.4.04.7100<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>, que não viu qualquer ilegalidade na conduta do contribuinte ao amortizar fiscalmente ágio gerado – no regime pré Lei 12.973/14 – pela aquisição de participação societária em operações entre partes dependentes (ágio interno).
No caso concreto de uma autuação sobre ágio que verse majoritariamente sobre questões de direito – e não matéria fática – nos parece demasiadamente prematuro aderir à presente transação, ainda mais nos casos atualmente passíveis de serem transacionados, cujo ágio fora gerado e amortizado sob a égide do antigo regime, na forma dos arts. 7 e 8 da Lei 9.532/97, onde não havia qualquer vedação legal impedindo a referida amortização em situações que envolvam ágio interno, laudo, empresa veículo etc.
<h3>A falta de previsão para fundamentar o posicionamento da Fazenda nas autuações</h3>
As teses que envolvem a amortização fiscal do ágio no regime antigo são juridicamente hígidas em favor das empresas, pois o aproveitamento do ágio em questão decorre de previsão expressa em lei. Diferentemente da situação da Receita Federal, que na maioria das vezes precisa "forçar" a aplicação do citado parágrafo único do art. 116 do CTN – cuja eficácia depende de regulamentação – para poder desconsiderar aquelas operações realizadas pelo contribuinte que ensejaram o ágio e, com isso, autuar a empresa.
A Receita Federal vinha autuando os contribuintes banalizando aplicação da multa agravada (que só incide sob fatos graves e precisamente demonstrados) criando justificativas, requisitos e condicionantes que simplesmente não estavam previstos na legislação que regeu a operação.
<h3>Meras coincidências?</h3>
Convidamos o leitor a mais reflexões destacando duas questões:
<ul>
<li>Apesar de a transação de teses tributárias estar regulamentada desde abril de 2020 (com a Lei 13.988/2020), a primeira transação (PLR) só veio a ser aberta pela PGFN/RF (a pretexto de reduzir a “cultura do litígio”) em maio de 2021, logo após a Lei 14.020/2020 ter promovido diversas alterações bastante favoráveis aos contribuintes justamente na legislação do PLR (Lei 10.101/2000).</li>
<li>Logo após o STF formar maioria para reconhecer a constitucionalidade do dispositivo que suprimiu o voto de qualidade nos julgamentos administrativos (março de 2022), e, em seguida (abril de 2022), ser publicada Portaria<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> retirando o limite de valores em sessões virtuais no Carf, permitindo, a retomada do julgamento de inúmeros casos de vultuosos valores que estavam suspensos desde o início da pandemia da Covid-19<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>; a Fazenda decide (maio de 2022) abrir a transação do ágio, tese que concentra as maiores autuações pendentes de julgamento no Carf e, concomitantemente, concentra o maior número de autos de infração mantidos ou restabelecidos justamente pelo referido voto de qualidade.</li>
</ul>
A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">PGFN</a> e a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/receita-federal">Receita Federal</a> estão convidando o contribuinte a transacionar o pagamento de uma dívida que, em regra, é juridicamente hígida; que, no passado, na maioria das vezes só foi mantida em virtude do voto de qualidade (sem aplicação atual); que não há jurisprudência judicial formada sobre o tema (discussão está em aberto), e cujos descontos são demasiadamente inferiores àqueles previstos no PL 4728/2020, proposta legislativa que se encontra na Câmara dos Deputados já aprovada pelo Senado. Em resumo, recomenda-se cautela aos contribuintes na adesão ao proposto recentemente pela Fazenda Nacional.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.  Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.”
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Ressalvada as hipóteses das chamadas “Transações Extraordinárias”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Mediante adição na sua respectiva base de cálculo das despesas de amortização de ágio então glosadas.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Prevista no art. 44, §1º da Lei n. 9.430/96.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Em 24/03/2022, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADI”) 6.399, 6.403 e 6.415.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Abstraindo eventuais impedimentos relacionados à admissibilidade dos Recursos Especiais à CSRF.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> “Art. 116 (...)
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> PERT – Programa Especial de Regularização Tributária, programa de parcelamento instituído pela Lei n. 13.496/2017, vigorou entre abril e novembro de 2017.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Rel. Min. Regina Helena Costa, decisão monocrática publicada no DJ de 25/05/2016).
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Sob relatoria do Min. Mauro Campbell.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Rel. Des. Fed. Alexandre Rossato Ávila, 6ª Turma, julgado em 08/04/2021.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Portaria CARF n. 3.364/2022 (DOU de 18/04/2022).
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Importante destacar que, posteriormente à publicação da Portaria em questão, a PGFN/RFB solicitaram a retirada dos casos de ágio pautados para julgamento.

Dinheiro, Real Moeda brasileira

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JOTA

Recomenda-se cautela aos contribuintes na adesão ao proposto recentemente pela Fazenda Nacional

Transação tributária do ágio: pontos de reflexão

Recomenda-se cautela aos contribuintes na adesão ao proposto recentemente pela Fazenda Nacional com a transação tributária do ágio