Diego Valois

A presente análise resulta da leitura do artigo publicado pela Harvard Business Review, intitulado “The future of cities depends on innovative financing”, que discorre sobre um novo modelo de engenharia financeira - cuja criatividade salta aos olhos - estruturado com a finalidade de captar recursos do setor privado para financiar projetos de cunho social, tais como: programas para minimizar a reincidência de presos, reabilitação de viciados em drogas, incentivo à conclusão do currículo escolar, etc. Sobre o farto espaço de aplicação de programas desta natureza no cenário brasileiro certamente não há dúvidas, resta saber, contudo, se há viabilidade jurídica para o aproveitamento deste modelo nos contornos do nosso ordenamento.
Tal mecanismo, conhecido como Social Impact Bonds, consiste, em linhas gerais, na estruturação de um modelo de contrato administrativo, uma vez que o ente estatal deverá figurar em um dos polos, no qual o Estado contrata um agente privado para gerenciar um específico projeto social, cabendo a este a realização do investimento necessário, o que poderá ser feito mediante a captação de recursos no mercado de capitais (daí a escolha pela denominação “Título de Ação Social”), ficando sua remuneração atrelada ao atingimento de determinados indicadores de performance preestabelecidos contratualmente (pay-for-success). Na hipótese de frustração dos resultados, o gerenciador do projetos (e investidores) responderiam parcial ou integralmente, a depender da modelagem definida, pelos investimentos realizados, não cabendo qualquer indenização por parte do ente estatal.
Outro aspecto apontado no artigo se refere à participação dos sujeitos integrantes do terceiro setor (organizações civis sem fins lucrativo) como braço operacional do programa social a ser desenvolvido e que atuaria na qualidade de subcontratado do gerenciador do projeto. Acredita-se que a menção ao terceiro setor decorre da expertise de tais entidades para executar determinados programas sociais, além do que, por se referi a entidade não lucrativa, haveria uma tendência a diminuição dos custos que serão enfrentados pelo gerenciador, que terá o cuidado de administrar o projeto dentro das melhores práticas corporativas para efeitos de controle do overhead.
No exemplo citado na matéria trazida pela Harvard Business Review o Estado de Massachusetts/USA contratou uma associação do terceiro setor para desenvolver e executar um programa de combate a reincidência criminal. Os recursos utilizados foram provenientes de um grupo de investidores cujo retorno dos investimentos estariam condicionados ao atingimento das metas pela associação contratada, condizente na diminuição do número de presos reincidentes conforme parâmetros quantitativos indicados no contrato.
A partir daqui vários benefícios podem ser observados do modelo do Social Impact Bonds. O primeiro deles, diz respeito a viabilização de um novo mecanismo de financiamento para projetos de cunho social, isto porque, a possibilidade de obtenção de resultados financeiros via pagamento estatal (quando atingidas as metas) incentiva a formação de um novo nicho de mercado formado por pessoas dispostas a arriscar neste modelo de investimento. Ademais, a execução do objeto do contrato representa a realização da própria função estatal de garantia do bem estar social, que, neste caso, passa a ser realizado com foco no cumprimento de metas; neste ponto cabe destacar ainda sobre a necessidade de avaliação prévia do Estado sobre a vantagem econômica em aderir ao modelo ou simplesmente optar pelos custos decorrentes da ausência do programa social, que, no exemplo acima citado, representaria um aumento dos gastos públicos com o sistema prisional.
Com efeito, duas questões poderiam ser colocadas como um eventual obstáculo ao aproveitamento do Social Impact Bonds nos limites do ordenamento jurídico brasileiro. A primeira delas se refere a uma suposta ausência de regulação específica que permita desenvolver a operação contratual aqui tratada; a segunda diz respeito à falta de confiança no compromisso financeiro estatal, traduzida na contumaz inadimplência do poder público.
Sobre o primeiro aspecto, concorda-se que não há previsão expressa sobre o modelo do Social Impact Bonds na legislação brasileira, todavia, a falta de um comando legal não poder ser reputado como proibitivo para formação de contratos atípicos pela Administração que tenham por finalidade atender um dado interesse público. Interpretação em sentido oposto apenas pode ser atribuída ao demasiado apego ao princípio da legalidade. Por outro lado, a remuneração variável já comum nos contratos de concessão, bem como a previsão do contrato de eficiência (Lei n° 12.462/11) são fatores que sinalizam a adequação do ambiente jurídico brasileiro ao modelo aqui estudado. Como solução à justificável falta de confiança no adimplemento estatal, poder-se-ia imaginar um modelo de operação no qual o Estado ofertasse garantias em favor do investidor, à semelhança do que já existe nos contratos de parceria público-privada, observada as diferenças de cada modelo.
Por fim, acredito ser possível a implantação deste modelo, uma vez ultrapassado determinados dogmas que tendem a engessar a atividade estatal, por outro lado, não resta dúvidas sobre o vasto campo de aplicação do Social Impact Bonds no âmbito da sociedade brasileira onde as necessidades públicas não são satisfatoriamente atendidas, na maior parte das vezes em função da própria escassez de recursos. Emerge-se, assim, a relevância do aprofundamento sobre o tema aqui tratado como meio para se obter soluções que possam viabilizar o investimento privado em favor de projetos que resultem em melhorias para sociedade.

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JOTA

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