Coronavírus

Teorias da conspiração, a sociedade e as instituições

Uma questão ainda mais sensível em períodos pandêmicos

máscaras
Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

A verdade está lá fora, assim como as mentiras[1]: ainda há muito a que se estudar sobre a atual pandemia de Covid-19, seja do ponto de vista biológico ou de suas consequências sociais, políticas e econômicas, porém também há muita desinformação a ser combatida, inclusive na forma de teorias da conspiração.

A maior parte das teorias da conspiração envolvendo o assunto se baseia na ideia de que o novo vírus seria na verdade uma arma biológica, criada pelos EUA ou pela China – neste ponto cada um escolhe a narrativa que melhor lhe agrada – para desestabilizar a economia do seu respectivo rival de guerra comercial[2]. Tais teorias encontram, inclusive, eco no mundo acadêmico[3].

Porém, antes de discorrer melhor sobre o assunto, cabe definir o que pode ser considerado uma teoria da conspiração. O artigo “Conspiracy Theories: Causes and Cures”, de Cass Sunstein e Adrian Vermeule, define como “um esforço para explicar algum evento ou prática através de referências a mecanismos de pessoas poderosas que tentam esconder seu papel (ao menos até seus objetivos serem alcançados)”.

Ademais, os autores afirmam que, ainda que nem toda teoria da conspiração envolva necessariamente grupos de poder, esta seria a definição que melhor encaixaria aos propósitos do mencionado artigo. Da mesma forma, como algumas teorias da conspiração acabam por se mostrar verdadeiras – e nem por isso perdem o seu status de teoria da conspiração –, o escopo do referido trabalho também é delimitado para aquelas que sejam, simultaneamente, falsas, injustificáveis e prejudiciais[4]. Este trabalho utilizará o mesmo recorte para analisar a questão sob o contexto da pandemia de Covid-19.

Teorias que afirmam que o Covid-19 é uma arma biológica entram no primeiro escopo pelas suas narrativas se basearem na hipótese de que o vírus teria sido fabricado por determinados grupos de poder – sejam chineses ou estadunidenses – de forma sigilosa.

Não somente, também podem ser consideradas falsas, haja vista, por exemplo, inclusive a publicação de uma carta aberta de diversos cientistas estudiosos do vírus condenando afirmações de que o vírus não teria origem natural; injustificáveis, pela quantidade de informações disponíveis na sociedade que podem ser utilizadas para combater tais desinformações; e prejudiciais, pelo impacto que podem causar na sociedade.

A crença em teorias da conspiração leva, em geral, ao descrédito das instituições. Grupos que acreditam que o Covid-19 é uma arma biológica, por exemplo, podem também não acreditar na capacidade do Estado de fornecer tratamento ao vírus.

Tal crença não só pode comprometer a eficácia de políticas públicas de saúde direcionadas ao problema como também desgastar a imagem das instituições estatais perante a sociedade. A depender do número de adeptos, este descrédito institucional pode interferir drasticamente na manutenção democrática, além de causar pânico social e outros problemas de ordem política e econômica. Por isso se diz que tais teorias são prejudiciais.

As causas para o surgimento de teorias da conspiração são complexas. Via de regra pode-se dizer que são causadas pela falta de informação sobre o assunto, porém vieses cognitivos também influenciam na situação.

Eventos demasiadamente recentes, como a atual pandemia, são mais suscetíveis ao surgimento de tais teorias, tanto pela quantidade pequena de informações disponíveis quanto pelas emoções envolvidas – bem acentuadas, diga-se de passagem, no caso atual.

Segundo Karl Popper, teorias da conspiração pecam ao olhar para fatos políticos e sociais inintencionais e tentar buscar uma ordem entre eles, partindo do pressuposto que estes ocorreram como consequências intencionais dos atos de alguém ou de algum grupo, e que todas as instituições envolvidas neste processo agem de maneira coordenada, como se fossem um único indivíduo[5].

Ainda que nem toda teoria da conspiração realmente surja deste modo, tal estudo pode servir para nós entendermos, por exemplo, teorias conspiratórias que afirmam que a pandemia atual seria parte de uma estratégia do governo chinês para causar crises nos mercados ocidentais. A partir de consequências inintencionais vindas de um cenário não planejado, busca-se criar uma narrativa de que tudo fora arquitetado.

Diante deste cenário potencialmente prejudicial, devemos buscar soluções para lidar com as teorias da conspiração. A principal delas, e a mais recomendável, já é uma conhecida no combate contra as fake news: combater a desinformação com mais informação, e não menos.

Cabe não só ao Estado como aos membros da sociedade civil buscar compartilhar dados e informações, além de posicionamentos de instituições capacitadas, que sejam capazes de desmentir inverdades propagadas através de teorias conspiratórias. Posicionamentos de estudiosos sobre o Covid-19, atestando que o mesmo não tem origem artificial, são exemplos de informações úteis para o caso.

Mas há dificuldades inerentes a este processo. Teorias da conspiração são capazes de se vedar contra informações que surjam para refutá-las e, portanto, possuem certa resistência a correções. Isso ocorre pois normalmente elas atribuem poderes excepcionais a certos agentes e, quem acredita nestes poderes, dificilmente irá dar atenção a seus portadores.

Se um indivíduo acredita que o governo estadunidense criou a Covid-19 como arma biológica, por exemplo, muito dificilmente irá dar credibilidade a um relatório de uma instituição dos EUA comprovando que o vírus não tem causas artificiais, por maior que seja a qualidade técnica deste relatório.

Não somente, muitas vezes quando uma agência governamental concentra esforços para refutar uma determinada teoria conspiratória, isto passa uma ideia de legitimidade a ela. Os teóricos da conspiração alegam que houve este esforço institucional para “esconder a verdade”, do contrário não haveria um motivo para ele ocorrer.

Portanto, muitas vezes a estratégia adotada é a de ignorar a existência de determinadas teorias conspiratórias, para evitar dar legitimidade a ela. A questão principal, todavia, surge quando a mesma deixa de estar restrita a certos grupos e se dissemina na sociedade, causando os danos institucionais e sociais já mencionados. Em um contexto de saúde pública, como é o da atual pandemia, isso pode ocasionar tragédias até mesmo dentro do curto prazo.

Vide a dificuldade de convencer os adeptos de teorias conspiratórias sobre a versão oficial, e os seus potenciais impactos na sociedade, outra estratégia possível é a de direcionar as informações para a grande massa, que ainda não tem opinião formada sobre o assunto. A estratégia de comunicação passa a ser outra, buscando não convencer ao contrário os adeptos das conspirações, mas sim evitar que a desinformação prejudicial se espalhe.

Logo, ainda que eventuais teorias da conspiração sobre a pandemia atual de Covid-19 possam ser vistas como motivo de piadas para muitos, para alguns elas são levadas a sério, e por isso podem vir a ter consequências graves dentro de uma sociedade. Consequentemente, apesar de diversas dificuldades, a divulgação de informações confiáveis continua sendo a melhor saída, ainda que atualmente em tempos de fake news possa parecer cada vez mais difícil distinguir quais são as fontes confiáveis de informações.

 


[1] Originalmente: “The truth is out there, but so are the lies”. A referência vem de “Arquivo X”, uma das séries de ficção científica de maior sucesso da década de 90, que se baseava na rotina de dois agentes especiais do FBI, Fox Mulder e Dana Scully. Ambos trabalhavam juntos na divisão Arquivo X, que investigava casos de difícil elucidação que não possuíam explicações pelas vias convencionais. Enquanto Mulder sempre buscava uma resposta ligada ao sobrenatural, Scully era mais cética, e sempre interpretava os fatos com um viés científico. “The truth is out there” é uma das frases mais emblemáticas da série, e simboliza a existência de uma verdade oculta pela narrativa oficial, esperando ser revelada. Já a frase referenciada foi dita em determinado momento da série por Scully a Mulder, quando esta acreditava que ele, na ânsia de encontrar provas de uma suposta versão extraoficial dos fatos, estaria se deixando iludir por documentos falsificados.

[2] Há uma página na Wikipedia que contêm diversos links de notícias ao redor do mundo acusados de conter informações falsas sobre a atual pandemia, inclusive aqueles propagadores de teorias da conspiração ou que abordam o tema. Ainda que o site não seja o favorito entre os acadêmicos – para dizer o mínimo –, a página serve, no pior dos casos, como uma excelente sistematização de links sobre a temática. WIKIPEDIA CONTRIBUTORS. Misinformation related to the 2019–20 coronavirus pandemic. Wikipedia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Misinformation_related_to_the_2019%E2%80%9320_coronavirus_pandemic>. Acesso em: 18 Mar. 2020.

[3] Como exemplo: ROCHAFERREIRA, Frederico. Coronavírus ressuscita o fantasma das armas biológicas. Justificando. Disponível em: <https://www.justificando.com/2020/03/16/ coronavirus-ressuscita-o-fantasma-das-armas-biologicas/>. Acesso em: 17 mar. 2020.

[4] Para se compreender melhor o que são teorias da conspiração, bem como suas possíveis causas, efeitos, casos, consequências e características abordadas no decorrer deste trabalho: Cf. VERMEULE, Adrian; SUNSTEIN, Cass. Conspiracy Theories: Causes and Cures, 17 J. Pol. Phil. 202 (2009). Disponível em: <http://www.ask-force.org/web/Discourse/Sunstein-Conspiracy-Theories-2009.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2020.

[5] POPPER, Karl. The conspiracy theory of society, Conspiracy Theories, ed. Coady, 13–16;

see also Popper, The Open Society and Its Enemies, 5th edn (London: Routledge & K. Paul, 1966), vol. 2. Sobre outras áreas do Direito em que muitas vezes buscamos coerência e planejamento onde não há, para além das teorias da conspiração: Cf. SUNSTEIN, Cass R.. Como O Filme Guerra Nas Estrelas Ilumina O Direito Constitucional. REI – Revista Estudos Institucionais, [S.l.], v. 2, n. 2, p. 562-580/581-601, fev. 2017. ISSN 2447-5467. Disponível em: <https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/84>. Acesso em: 18 mar. 2020.