Marcos Neder

O valor das multas de lançamento de ofício que são aplicadas atualmente pela fiscalização tem origem nas legislações fiscais editadas nas décadas de 80 e 90, em que vivíamos o auge do período inflacionário. Nesse período, o tributo perdia consideravelmente seu valor entre a data da autuação fiscal e o momento do efetivo recolhimento, já que os índices de inflação mensais eram superiores a 50%.
Com isso, foram estabelecidas penalidades pecuniárias de 75%, 150%, 225% sobre o tributo devido, montante que não encontra paralelo em nenhum dos sistemas tributários modernos. Esses percentuais altíssimos embutem claramente uma memória inflacionária, eis que concebidos, sobretudo, para compensar a desvalorização da moeda nacional. É bom lembrar que, por muito tempo, os juros de mora eram cobrados no valor de 1% ao mês como previsto no Código Tributário Nacional e não cumpriam a função de compensar a Fazenda pelo atraso no recolhimento.
Com a economia estabilizada, esses percentuais não têm mais o menor sentido. Servem mais a interesses arrecadatórios e levam ao confisco do patrimônio do contribuinte. Além disso, é comum que os Autos de Infração sejam lavrados prevendo a cumulação dessas penalidades com outras de caráter acessório, como ocorre com a multa pela falta de pagamento de estimativas (50%), por não atender a forma ou omitir as informações relativas aos arquivos magnéticos (0,5% da receita bruta ou 5% da operação respectivamente), pela compensação indevida (50%. 75% ou 150%). Há casos em que a reunião dessas penalidades no lançamento de ofício alcança valores superiores a 300% do valor do tributo devido.
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Esse cenário atual por ser bem retratado no quadro resumo a seguir:
<table style="height: 213px;" width="585">
<tbody>
<tr>
<td colspan="3" width="569">Multas em lançamento de ofício</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Hipóteses</td>
<td width="192">Regular</td>
<td width="192">Qualificada</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Multa de ofício</td>
<td width="192">75%</td>
<td width="192">150%</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Multa Isolada - Estimativas</td>
<td width="192">50%</td>
<td width="192">***</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Agravamento por não atendimento de intimação</td>
<td width="192">112,5%</td>
<td width="192">225%</td>
</tr>
</tbody>
</table>
&nbsp;
<table>
<tbody>
<tr>
<td colspan="3" width="569">Multas por compensação indevida</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Hipóteses</td>
<td width="192">Não homologada</td>
<td width="192">Não declarada</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Multa Isolada</td>
<td width="192">50% do débito</td>
<td width="192">75% do débito</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Falsidade da declaração</td>
<td width="192">150% do débito</td>
<td width="192">***</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Fraude, sonegação ou conluio</td>
<td width="192">***</td>
<td width="192">150% do débito</td>
</tr>
<tr>
<td width="185">Agravamento por não atendimento de intimação</td>
<td width="192">75% ou 225%</td>
<td width="192">112.5% ou 225%</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Nesse contexto, diante dos inúmeros lançamentos fiscais com a aplicação de multas muito elevadas, surge uma tendência da jurisprudência em reduzir penalidades em matéria tributária. Essas decisões do CARF e do Poder Judiciário começaram a coibir excessos da fiscalização por considerá-los desproporcionais e, em muitos casos, contrários ao ordenamento jurídico.
Podemos citar alguns exemplos dessa jurisprudência:
&nbsp;
1)      STF. PENALIDADE E A VEDAÇÃO AO CONFISCO.
a) O Ministro Celso de Mello, no Agravo Regimental no RECURSO EXTRAORDINÁRIO 754.554, de 22/10/2013,  entendeu que o princípio da vedação ao confisco se aplica às penalidades e concluiu que a legislação de Goiás que institui multa em percentual de 25% do valor da operação (ou seja, quase 150% do valor do imposto, caso calculado pela alíquota interna de 17%) afronta a Constituição, configurando confisco. Segundo o Ministro, “a orientação que resulta da decisão ora agravada constitui diretriz prevalecente na jurisprudência desta Corte, na linha de sucessivos julgados, monocráticos e colegiados, proferidos a respeito do tema em causa, os quais reconhecem a plena legitimidade da incidência do postulado constitucional da não confiscatoriedade sobre as próprias multas tributárias (RTJ 200/647-648, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 539.833/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 767.482/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES – AI 824.924/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 455.017/RR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 472.012-AgR/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 657.372-AgR/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.)”.
b) No mesmo sentido, a ministra Rosa Weber, no Agravo Regimental no AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 769.089, de 05/02/2013, entende pela aplicação do principio da proporcionalidade e do não confisco das multas. Assim: “A aplicação do princípio do confisco tributário (art. 150, IV, da CF/1988) às sanções pecuniárias envolve juízo de proporcionalidade ente o ilícito e a penalidade”.
&nbsp;
2) STF. LIMITAÇÃO DAS MULTAS FISCAIS AO MÁXIMO DE 100% DO TRIBUTO.
O Ministro Marco Aurélio, no Agravo Regimental no R<a href="file:///C:/Users/B%C3%A1rbara/Downloads/texto_288421805.pdf">ECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 833.106, de 25/11/2014</a>, assentou a invalidade da imposição de multa que ultrapasse o valor do tributo, conforme já decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551-1/RJ, em que foi o relator ministro Ilmar Galvão, publicado em 14 de fevereiro de 2003, e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP, relator ministro Gilmar Mendes, julgado sob o ângulo da repercussão geral em 18 de maio de 2011, publicado em 18 de agosto de 2011.
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3) CARF. VEDAÇÃO A CONCOMITÂNCIA DE MULTAS DE OFICIO
Súmula CARF nº 105: “A multa isolada por falta de recolhimento de estimativas, lançada com fundamento no art. 44 § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício”.
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4)  LEGISLAÇÃO. REVOGAÇÃO DA MULTA POR RESSARCIMENTO INDEVIDO
O Congresso Nacional, mediante a recente MP 668/15, revogou os parágrafos 15 e 16 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, transcritos a seguir:
§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido;
§ 16.  O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100% (cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo.
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5)      STF. VEDAÇÃO A APLICAÇÃO DA MULTA POR COMPENSAÇÃO INDEVIDA
a) O parágrafo 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, que trata da multa por compensação indevida continua vigente, com a seguinte redação:
§ 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
b) Recentemente, o STF reconheceu a Repercussão Geral da imposição de multa de ofício pelo indeferimento de pedidos de ressarcimento ou compensação perante a Fazenda Nacional, assim:
CONSTITUCIONAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. INDEFERIMENTO DE PEDIDOS DE RESSARCIMENTO, RESTITUIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS. MULTAS. INCIDÊNCIA EX LEGE. SUPOSTO CONFLITO COM O ART. 5º, XXXIV. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
I - A matéria constitucional versada neste recurso consiste na análise da constitucionalidade dos §§ 15 e 17 do art. 74 da Lei 9.430/1996, com redação dada pelo art. 62 da Lei 12.249/2010.
II – Questão constitucional que ultrapassa os limites subjetivos ad causa, por possuir relevância econômica e jurídica.
III – Repercussão geral reconhecida. (<a href="file:///C:/Users/B%C3%A1rbara/Downloads/texto_238428506.pdf">RE 796.939, de 29 de maio de 2014</a>).
c) Para o reconhecimento dessa Repercussão Geral, o STF analisou recurso extraordinário contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Fiscal que também decidiu pela não aplicação da multa por compensação indevida do parágrafo 17 do art. 74 da Lei n. 9.430/96 nos casos em que não há evidência de que o contribuinte tenha agido de má-fé. O TRF entendeu que essa penalidade conflita com o disposto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal, uma vez que tendem a inibir a iniciativa dos contribuintes de buscarem junto ao Fisco a cobrança de valores indevidamente recolhidos, afrontando também o princípio da proporcionalidade. (TRF4 – <a href="https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&amp;doc=41347458852542261030000000397&amp;evento=41347458852542261030000000133&amp;key=261404098abd47edb6ea3c073c1037f9a90789c8e7fdffcaf1131c0cd5ae2009">AMS 5000440-46.2012.4.04.7111</a>).
Essa sucessão de decisões que limitam penalidades tributárias evidencia o repúdio dos Tribunais administrativos e judiciais ao uso abusivo e indiscriminado pelas autoridades fiscais de multas com valores exorbitantes. Busca-se com essas medidas adequar as penalidades às condutas ilícitas, depurando o sistema tributário de multas desproporcionais e confiscatórias.
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* Marcos Neder é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe. É Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), formado em Engenharia, Economia e Direito. Pós Graduado em Sistema e Administração Tributária Comparada pela Harvard University (Kennedy School of Government, Cambridge, EUA), Tributação pela Japan International Corporation Agency (JICA) – Tókio/Japão e Auditoria de Fraudes Financeiras Internacionais pelo Internal Revenue Service (IRS) – Geórgia/EUA. Atuou durante 25 anos na administração tributária. Até dezembro de 2010, foi Subsecretário da Receita Federal do Brasil. É professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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JOTA

Jurisprudência demonstra que tribunais administrativos resistem a penalidades exorbitantes

Tendência à redução das multas de ofício

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