Marina Vieira de Figueiredo

O Código de Processo Civil (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CPC">CPC</a>) é claro: os juízes e tribunais devem observar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) sob o rito da repercussão geral (art. 927, III). A aplicação dessa regra, porém, não é simples. Afinal, é preciso interpretar o que foi decidido e ao fazê-lo, os aplicadores podem divergir, dando ensejo a novas controvérsias.
Essa problemática é perfeitamente ilustrada pela decisão proferida no julgamento do Tema 796 de Repercussão Geral, pois, como demonstrei em artigos anteriores, tal decisão acarretou inúmeras discussões relacionadas ao <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/itbi">ITBI</a>.
Para os que não estão familiarizados com a discussão, vamos relembrar: o art. 156, §2º, I, da CR, impede a instituição e cobrança do ITBI sobre duas situações: (i) transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (ii) transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Ainda: considerando a parte final desse enunciado, sempre prevaleceu a posição no sentido de que tal imunidade somente se aplicaria se, nessas situações, a pessoa jurídica destinatária do bem ou direito transmitido não se dedicasse a atividades imobiliárias.
Vejamos, agora, o caso afetado para julgamento no STF:
<ul>
<li>O sócio de uma determinada pessoa jurídica decidiu transmitir imóveis no valor de R$ 802.724 para a PJ;</li>
<li>Essa transmissão teve dupla finalidade: (i) integralizar o capital social (no valor de R$ 24.000); e (ii) constituir reserva de capital (no valor de R$ 778.724);</li>
<li>A pessoa jurídica requereu a aplicação da imunidade na transmissão, mas esta foi deferida apenas para a parcela integralizada ao capital;</li>
<li>Diante disso, foi ajuizada medida judicial para aplicar a imunidade também na transmissão como um todo.</li>
</ul>
Como se vê, coube ao STF decidir sobre a extensão da imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da CR, e, ao fazê-lo, concluiu que essa se aplicaria apenas sobre a parcela da transmissão destinada à integralização do capital social, não sobre a parcela destinada a constituir reserva de capital. Tal entendimento foi resumido nos seguintes termos: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Fixada a tese de repercussão geral, passou-se a discutir dois pontos:
Controvérsia 1: A condição prevista na parte final do dispositivo constitucional se aplica nas duas situações sujeitas à imunidade? Em termos mais diretos: a aplicação da imunidade, no caso de transmissão para fins de integralização de capital de PJ, está condicionada ao tipo de atividade por ela exercida?
Controvérsia 2: Controvérsia quanto ao valor do bem integralizado justifica a cobrança de algum valor a título de ITBI na integralização desse bem ao capital social?
A primeira controvérsia surgiu em razão dos fundamentos da decisão. Ao examinar o caso na sua inteireza, verifica-se que o contribuinte alegou, em sua defesa, que o Município não poderia ter indeferido parcialmente o pedido de imunidade pela seguinte razão: a única condição para o gozo da imunidade é aquela prevista na CF, qual seja, não exercício de atividades imobiliárias.
Diante desse cenário, o ministro Alexandre de Moraes, no voto condutor do acórdão, justificou a decisão nos seguintes termos:
<ul>
<li>tal condição somente se aplica na segunda situação prevista no art. 156, § 2º, I, da CR (transmissão decorrente de operações societárias);</li>
<li>na primeira situação a imunidade seria incondicionada, de modo que sua aplicação dependeria, única e exclusivamente, da demonstração de que o caso se amolda ao acontecimento lá previsto, ou seja, de que se trata de transmissão destinada a integralizar o capital social;</li>
<li>sendo assim, não se poderia admitir a aplicação da imunidade sobre transmissão destinada a constituir reserva de capital.</li>
</ul>
A manifestação quanto à natureza da imunidade deveria, em minha opinião, orientar a aplicação do enunciado em casos análogos. Isso significa que, em caso de transmissão de bens e direitos para integralização de capital, não caberia examinar a atividade preponderante da pessoa jurídica, posto tratar-se de imunidade incondicionada. Sabemos, contudo, que essa não é a posição que vem sendo adotada pelos municípios e por muitos juízes e tribunais.
A segunda controvérsia, por sua vez, decorre da interpretação da tese dissociada do seu contexto de origem, ou seja, ignorando os fatos sob julgamento e até mesmo a decisão que a originou.
Com efeito, muitos municípios, fundados na tese de repercussão geral, entendem que, se o valor de mercado for maior do que o valor pelo qual foi integralizado ao capital da pessoa jurídica, é legítima a exigência do ITBI sobre a diferença entre esses montantes.
Contudo, parece-me claro que tal entendimento não encontra eco no que foi decidido pelo STF. Afinal, o que a Corte Suprema fez foi afastar a imunidade sobre transmissão que não se destinava a incorporar bens ao capital (mas sim a constituir reserva de capital).
A despeito disso, a posição desses municípios tem sido referendada por juízes e Tribunais e, o que é pior, tais decisões têm sido mantidas pelo STF sob o argumento de que não se pode, na via extraordinária, reexaminar fatos.
Diante desse cenário, é de se perguntar: que podemos fazer para eliminar essas divergências? A resposta parece-me simples: devemos insistir para que o Supremo se manifeste sobre o mérito dessas discussões e, ao final, confirme se: (i) de fato entende que a imunidade é ou não incondicionada (no caso de transmissão para integralização de capital); e (ii) se é possível a exigência de ITBI sobre transmissão cuja única finalidade é integralizar bens ao capital da pessoa jurídica.

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JOTA

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