Marcus Vinícius Neves Vaz

É sabido que o advento da pandemia da COVID-19 trouxe transformações profundas na nossa sociedade, em especial, no formato de trabalho, o qual foi, digamos, sobremaneira alterado. De repente, nos vimos todos trabalhando em nossas casas. Assim, de repente, se consolidou o tão falado teletrabalho ou home office.
É bem verdade que não há ineditismo algum na forma de trabalho remoto ou não presencial, mas pode ser bem verdadeiro também que, não fosse a pandemia, possivelmente o teletrabalho surgisse com tal força somente daqui a alguns bons anos.
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Com efeito, após meses de pandemia continuamos exercendo nossas atividades profissionais em casa e o que se tem visto na mídia é que a tendência, ou melhor, a realidade do trabalho remoto permanecerá mesmo após o tão esperado fim da pandemia.
Assim, mesmo que finalizado o período pandêmico, já há sinalização do mercado de trabalho em geral para a continuidade do home office, haja visto as mais diversas vantagens identificadas pelos empregadores, tais como: redução dos custos empresariais pela não utilização de espaços comerciais alugados; redução de gastos administrativos com água, luz, telefone, internet, condomínio; redução de custos trabalhistas (alimentação, transporte).
Diante desse novo contexto laboral, muito se discute sobre as repercussões trabalhistas que esse formato implica. Assim, vêm sendo juridicamente analisadas as jornadas de trabalho, os contratos de trabalho etc.
Não obstante, permanecer trabalhando em casa demanda cuidados também ocupacionais que devem ser detidamente avaliados pelos empregadores, notadamente, quando vislumbramos anos de trabalho em nossas residências.
Nesse sentido, entendemos que há um viés do teletrabalho pouco explorado ou, talvez, avaliado de forma superficial: o da Segurança e Saúde no Trabalho (SST).
Inicialmente, mister registrar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 6º, discorre que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Já o parágrafo único do mesmo dispositivo arremata que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Em termos de legislação ocupacional, por exemplo, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, exigido pela Norma Regulamentadora – NR 09, visa a preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, por meio da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho. Nesse sentido, como ficam as condições de trabalho no ambiente doméstico? Quais os dados laborais constam no PPRA para as funções desenvolvidas via teletrabalho?
Outro ponto a ser avaliado diz respeito à ergonomia, regulamentado pela Norma Regulamentadora – NR 17, que dentre outros, exige adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente, incluídas aqui a iluminação, conforto térmico e ruído, por exemplo.
Ademais, não custa relembrar algumas das responsabilidades do empregador descritas na Norma Regulamentadora – NR 01, como a determinação de que o empregador deve cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho, além de informar aos trabalhadores sobre os riscos ocupacionais existentes nos locais de trabalho, as medidas adotadas para reduzir esses riscos e os resultados das avaliações ambientais nos locais de trabalho. Além disso, a NR 01 prevê que cabe ao empregador implementar medidas de prevenção com a seguinte ordem de prioridade: eliminação dos fatores de risco; minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas de proteção coletiva; minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas administrativas ou de organização do trabalho; e adoção de medidas de proteção individual.
Voltando à CLT, especificamente no Capítulo II-A – Do Teletrabalho, imperioso apontar que, em relação ao teletrabalho e o ambiente laboral, a norma diz que “o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, determinando também que “o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”.
<blockquote class="jota-article__eye">Novamente deve-se indagar como as empresas vão se adaptar ao “novo normal ocupacional”, ou seja, como ajustar os procedimentos e ações de segurança e saúde no trabalho para trabalhadores que executam suas atividades de forma remota?</blockquote>
As temáticas descritas acima, quando negligenciadas ou mal controladas, são fatos geradores de inúmeras doenças ocupacionais que, em tese, tenderão a elevar, uma vez que até então o teletrabalho tem sido executado “à revelia” dos empregadores no que diz respeito ao monitoramento do ambiente de trabalho.
Sobre o assunto, no último dia 10 de setembro de 2020, o Ministério Público do Trabalho – MPT publicou a <a href="https://mpt.mp.br/pgt/noticias/coronavirus-veja-aqui-as-notas-tecnicas-do-mpt" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Nota Técnica 17/2020</a>, recomendando aos empregadores o cumprimento de medidas e diretrizes para trabalhadores em trabalho remoto ou home office, tais como: a) o teletrabalho deve ser exercido em condições de qualidade de vida e de saúde do trabalhador, abrangendo não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho; b) o teletrabalho exige necessariamente adaptação e treinamento (principal e complementar necessário), incluindo treinamento mínimo para o teletrabalho para fins de qualificação e motivação das pessoas, de forma a que sejam atingidos níveis adequados de segurança e higiene.
Mas o tema não se limita à esfera ocupacional e pode repercutir em outras searas, tais como a previdenciária. Nesse diapasão, é válido indagar: como serão impugnados os Nexos Técnicos Epidemiológicos Previdenciários – NTEP<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, se as empresas “desconhecem” o ambiente laboral de seus empregados em teletrabalho e não implementam ações de SST junto aos empregados que desempenham suas atividades de modo remoto?
Ademais, se há discussão relativa ao NTEP, não há como não falar em Fator Acidentário de Prevenção – FAP, pois, uma vez reconhecido o nexo entre a moléstia/doença e a atividade laboral com a consequente concessão do benefício previdenciário, haverá repercussão gravosa no índice do FAP.
Pela metodologia do FAP, as empresas que registrarem maior número de acidentes ou doenças ocupacionais, pagam mais. Por outro lado, o FAP aumenta a bonificação das empresas que registram acidentalidade menor. No caso de nenhum evento de acidente de trabalho, a empresa é bonificada com a redução de 50% da alíquota.
Outrossim, não custa alertar, por mais óbvio que seja, que a elevação de adoecimentos ocupacionais é, as mais das vezes, acompanhada de elevação das contendas judiciais, seja de ordem trabalhista, civil ou previdenciária.
Considerando que o crescimento massivo do trabalho remoto de fato ocorreu somente após a chegada da pandemia da Covid-19, ainda é cedo para afirmar qual o real volume de discussões acerca do tema “teletrabalho x doença ocupacional” chegará aos tribunais.
Todavia, fato é que, se o chamado home office não for devidamente equacionado sob a ótica de SST, muito provavelmente o cenário de adoecimento ocupacional brasileiro se agravará.
Dessa forma, recomenda-se que as empresas reavaliem as suas políticas de SST e adequem seus procedimentos ao novo formato de trabalho remoto, garantindo assim a saúde de seus trabalhadores e evitando ou mitigando os mais diversos riscos jurídicos decorrentes dessa nova realidade laboral.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Lei Federal nº 8.213/1991
Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento. 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

Home office Bradesco

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JOTA

Home office exige cuidados ocupacionais que devem ser avaliados pelos empregadores

Teletrabalho e Segurança e Saúde no Trabalho (SST)

Home office exige cuidados ocupacionais que devem ser avaliados pelos empregadores