Luiza Sato

Marco Torronteguy

Ao apagar das luzes de 2022, passou a vigorar a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14510.htm">Lei 14.510/2022</a>, que altera a Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde), com a finalidade de regulamentar de forma definitiva a prática da telessaúde. Durante a pandemia, sob a agora revogada Lei 13.989/2020, a telemedicina havia sido autorizada de forma emergencial, mas a prática passou a carecer de regulamentação permanente após o fim do estado de emergência pública no país. A Lei 14.510/2022 veio suprir essa necessidade, inclusive de forma mais ampla, com a permissão da prestação virtual de serviços relacionados a todas as profissões da área da saúde (não apenas a medicina), facilitando o acesso à saúde pelos cidadãos. 
O termo “telessaúde”, para a nova lei, significa “a modalidade de prestação de serviços de saúde a distância, por meio da utilização das tecnologias da informação e da comunicação, que envolve, entre outros, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, de sons, de imagens ou outras formas adequadas”. Dois pontos interessantes trazidos pela Lei 14.510/2022, a serem aqui detalhados, dizem respeito ao seu impacto na saúde pública e ao conteúdo que guarda correspondência com a Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>). Além disso, notadamente em face da mais recente evolução que vem sendo promovida pela inteligência artificial (IA). 
No que diz respeito ao direito da saúde, a Lei 14.510/2022 deu o importante passo de consolidar a saúde digital no âmbito do Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>). Ao invés de ser mais uma lei esparsa, ela inclui e consolida novos dispositivos dentro da própria lei orgânica do SUS. É fato que a pandemia possibilitou o aprimoramento e levou à maior aceitação dos serviços de saúde prestados por meio de plataformas de comunicação. Nesse cenário, a telessaúde proporciona à população maior acesso à saúde e maior flexibilidade na prestação desses serviços. 
A Lei 14.510/2022 reconhece esse fato e é contundente ao determinar que qualquer ato normativo que pretenda restringir a prestação de serviço de telessaúde deverá demonstrar a imprescindibilidade da medida para que sejam evitados danos à saúde dos pacientes. Além disso, a norma reitera a liberdade e completa independência do profissional de saúde, em consonância com outras normas do direito sanitário. 
A Lei 14.510/2022 acrescentou à Lei Orgânica da Saúde o artigo 26-G, que dispõe que a prática da telessaúde deve prestar obediência aos ditames de determinadas normas, dentre elas a LGPD. Nesse sentido, no que diz respeito à proteção de dados pessoais e à intersecção com a LGPD, dois princípios trazidos pela Lei foram: o da confidencialidade dos dados; e o do consentimento livre e informado do paciente para a prática da telessaúde. 
Com relação ao princípio da confidencialidade, a nova lei não traz mais detalhes sobre o escopo e medidas para a preservação do sigilo, devendo ser aplicáveis todas as outras normas e códigos de ética envolvendo o sigilo inerente à profissão dos profissionais de saúde. Nesse contexto, a LGPD traz todo o disposto em seus artigos 46 e seguintes, a respeito do sigilo e segurança de dados pessoais. 
Assim sendo, na prática da telessaúde, os profissionais de saúde devem seguir as obrigações ali dispostas, incluindo: a adoção de medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito; a comunicação à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anpd">ANPD</a>) e aos titulares de dados afetados sobre a ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares; e a utilização de sistemas estruturados de forma a atender aos requisitos de segurança, aos padrões de boas práticas e de governança e aos princípios legais. 
Com relação ao princípio do consentimento livre e informado do paciente para a prática da telessaúde trazido pela Lei 14.510/2022, restaria a dúvida sobre a obrigatoriedade do consentimento como base legal exclusiva para o tratamento dos dados pessoais do paciente. Isso porque a LGPD estabelece outras bases legais, além do consentimento, que justificariam o tratamento de dados legais do paciente. Nesse sentido, no caso do tratamento de dados sensíveis (caso dos dados referentes à saúde), poderiam também embasar a atividade: o cumprimento de obrigação legal ou regulatória; o exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processos; a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; a tutela da saúde (sendo essa uma justificativa intrínseca à atividade); e a garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos. 
A interpretação que pode ser feita com a avaliação conjunta das duas legislações é a de que é preciso o consentimento livre e informado do paciente para que ocorra a prática da telessaúde, mas o tratamento dos dados pessoais poderá ser justificado com outras bases legais previstas na LGPD. Caso tal tratamento tenha como base o consentimento, a LGPD exige que ele seja, além de livre e informado como previsto na Lei 14.510/2022, também inequívoco (ou seja, deve ser possível demonstrar que o titular manifestou a autorização, possivelmente por meio de uma ação afirmativa clara). 
Por fim, ainda com relação à análise sistêmica das duas leis, é importante que o profissional que pratica a telessaúde saiba da vedação prevista na LGPD quanto à comunicação ou ao uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica. Tais atividades podem ocorrer apenas em benefício dos interesses dos titulares de dados e para permitir ou a portabilidade de dados quando solicitada pelo titular, ou as transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços. 
A Lei 14.510/2022 possibilitou uma maior segurança jurídica na oferta de serviços de saúde a distância. Serviços que contribuem para ampliar o acesso à saúde no Brasil de forma racional e eficiente, inclusive atingindo as áreas mais desassistidas. Poucos meses após a entrada em vigor da lei de telessaúde, mais uma novidade: é lançado o ChatGPT e, com isso, ganha força o hype da IA. No Brasil, já há um projeto de lei discutindo a possível regulamentação da IA no país. No âmbito desse projeto legislativo, foi nomeada uma comissão de juristas que, entre diversas recomendações, defende que a IA relacionada à saúde seja considerada de alto risco. Note-se que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anvisa">Anvisa</a>) é habituada aos conceitos relativos à análise de risco sanitário, que balizam as aprovações e licenças de produtos e serviços da saúde. 
A abrangente legislação sanitária brasileira contempla outros instrumentos que também podem contribuir para a segura implementação da IA na telessaúde. Por exemplo, a regulação de equipamentos médicos e de softwares, sendo que a Anvisa já regulou o conceito de Software as a Medical Device (SaMD), importante para a análise sanitária de algoritmos de IA com aplicação em saúde. Para que a telessaúde tenha vida longa e em harmonia com a IA, a interpretação e aplicação da nova lei devem ocorrer em conjunto com a leitura de outras normas.

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JOTA

Interpretação e aplicação da nova lei devem ocorrer em conjunto com a leitura de outras normas brasileiras

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Legislação sanitária contempla outros instrumentos que também podem contribuir para IA na telessaúde