Mediação

Tecnologia e a advocacia contemporânea

É notório que a advocacia mudou e a tecnologia contribui para que o advogado se adapte a essas novas necessidades

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Crédito: Pexels
Mol

Nos últimos anos, muito tem se falado em tecnologia aplicada ao Direito e é fato notório que as lawtechs vieram para ficar. É possível que as mudanças tecnológicas ocorridas em outras áreas, principalmente nas áreas de produção e financeira (fintechs), tenham contribuído para acelerar a transformação do cenário jurídico. Os processos eletrônicos e peticionamento online são alguns exemplos destas mudanças. Mas afinal, a tecnologia vai substituir o advogado?

Com certeza a resposta é não. Mas antes de falar especificamente sobre esta questão, é importante questionar o papel atual do advogado, e me permito afirmar que este papel já mudou. Se antes, o advogado era levado a tomar uma decisão binária entre o “sim” e o “não”, entre o que a lei permitia ou marginalizava, agora ele é demando a compartilhar um decisão plural com desenho de vários cenários fundamentados no negócio da empresa ou cliente e, principalmente, com as consequências claras de cada decisão tomada.

Além disso, não cabe mais ao advogado se esconder entre formalismos e regras, pelo contrário, ele deve se expor, estar à frente do negócio e produzindo conteúdo jurídico. Um conteúdo jurídico baseado em dados e informações voltadas especialmente para o negócio da empresa onde trabalha ou do cliente que ele representa.

O advogado atual também não deverá limitar sua área de conhecimento ao Direito, mas necessita agregar conhecimento de outras áreas como finanças, gestão de pessoas, marketing etc. Finanças para tarefas simples como ler um gráfico apresentado, até mais complexas como demonstrar um benefício econômico para realização de um acordo, por exemplo. Gestão de pessoas para, com um viés jurídico, contribuir com a organização no suporte à solução de conflitos e clima organizacional e marketing para “vender” todo esse portifólio de conhecimento e conquistar o seu público alvo.

Esse conceito de profissional é o que os especialistas chamam de T-Shaped Professional, ou, em tradução livre, “Profissional em formato T”. Em artigo publicado no site da IBE-FGV, a analogia com a letra T é explicada para descrever os dois tipos de conhecimento necessários:

  • TRAÇO HORIZONTAL: representa o conhecimento geral do colaborador, ou seja, tudo o que ele sabe sobre a empresa, o mercado, economia, política e o que acontece ao redor do mundo;
  • TRAÇO VERTICAL: diz respeito aos conhecimentos técnicos e específicos, voltados para a área de atuação do indivíduo.

O mesmo artigo ainda ressalta que “esse tipo de colaborador vem sendo cada vez mais procurado por empresas que desejam inovar e atuar em alta performance. Em meio a um mercado dinâmico e tecnológico, quem não desenvolver esse perfil corre o risco de ficar para trás”.

Mas é muita coisa para um profissional só! Sim, mas é neste cenário que a tecnologia contribui para a comunidade jurídica.

A tecnologia dá ao advogado uma gama de possibilidades, desde mapeamento e quantificação de passivos judiciais para correto contingenciamento ou, ainda, comparativo do comportamento deste passivo a entendimentos jurisprudenciais separados por região ou comarca, até cálculos estatísticos sofisticados elaborados via programação, para identificar a probabilidade de êxito de uma determinada demanda, considerando as provas e documentos que corroboram as teses de defesa do caso concreto.

Departamentos jurídicos de Bancos, por exemplo, utilizam-se de métodos estatísticos baseados em respostas de um formulário preenchido no recebimento da demanda, para definir se aquele processo será patrocinado pelo escritório A ou pelo escritório B, se ele será classificado como um processo para “defesa” ou se ele será enviado para alguma empresa parceira, como a MOL – Mediação Online, por exemplo, para realização de um acordo com um benefício econômico já pré determinado

Com isso, o corpo jurídico fica com tempo disponível para gastar energia com atuação jurídica em demandas de alta complexidade e risco, além de consolidar toda essa informação para municiar as áreas de negócio, fomentando uma atuação direta no preventivo com objetivo principal de redução de novas demandas.

Outros exemplos de tecnologia aplicada ao Direito são as resoluções online de conflitos, cujo termo em inglês é ODR (Online Dispute Resolution). São meios alternativos de resolução de conflitos, mas realizados em um ambiente totalmente digital[1]. Tudo acontece sem a interferência da Justiça, mas o resultado se dá na forma de um acordo e tem toda a segurança jurídica necessária[2].

O próprio CNJ – Conselho Nacional de Justiça – através da Resolução n° 198/2014, que dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário para o sexênio 2015-2020, aponta como cenário desejado: justiça mais acessível, desjudicialização e descongestionamento do Poder Judiciário.

Assim, muitas empresas têm se utilizado da tecnologia para resolver conflitos com seus clientes, por exemplo. Após análise de estratégias e complexidades de cada caso, conflitos são resolvidos através de uma videoconferência com um negociador ou, dependo do caso, por um aceite após uma das partes receber um link, via SMS, com uma proposta de acordo acompanhada de uma minuta.

Um outro exemplo. Nesta pandemia de Covid-19 e com a necessidade de assinatura de aditivos de contrato de trabalho para formalizar a redução de jornada dos colaboradores, de acordo com a MP936 do Governo Federal, a empresa do qual faço parte, uma gigante nacional do setor de transportes, utilizou-se da MOL – Mediação Online para realizar os acordos e aceites de todos os 5.000 colaboradores.

Assim, sem poder sair de casa e com mobilidade reduzida, os colaboradores puderam assinar suas minutas através da plataforma e ficaram aptos a receber o Benefício Emergencial implementado pela mesma Medida Provisória. Foi a tecnologia permitindo à empresa o cumprimento da legislação e ajudando a garantir a segurança física do seu colaborador.

Diante do exposto, voltando ao ponto colocado na introdução deste texto, a tecnologia não vai substituir o advogado. Em um mercado cada vez mais tecnológico e dinâmico, a tecnologia é uma aliada para ajudá-lo na adaptação a estas novas necessidades e à nova realidade imposta. Através dela, o operador do direito ficará com tempo disponível para gastar sua energia em atividades que geram de fato valor.

Mas para isso cabe a cada um desenvolver novas habilidades para extrair todo este potencial disponível e não ficar para trás. Como disse o escritor norte-americano William Gibson”… o futuro já chegou. Só não está uniformemente distribuído”.

 


[1] ODR: A Look at History.

[2] Foi dito durante uma entrevista para NPR interview (30 de novembro de 1999).