Luís Justiniano Haiek Fernandes

Eduardo Stênio Silva Sousa

Nos últimos anos, o TCU (Tribunal de Contas da União) tem ignorado a posição do STF (Supremo Tribunal Federal) no tema da prescrição de ressarcimento ao erário. O Supremo afirmou, em reiteradas decisões, que apenas alguns casos são imprescritíveis, mas a Corte de Contas tem contornado tais decisões, dizendo que todas as ações de ressarcimento ao Estado que tramitam na corte de contas são imprescritíveis. Na prática, tal entendimento gera insegurança jurídica, contraria a economicidade e a eficiência estatais e é contraditória com a régua com a qual o mesmo TCU fiscaliza aqueles que se encontram sob sua jurisdição.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
<h3>Histórico</h3>
Em 2012, o TCU editou a <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/sumula/*/NUMERO%253A282/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMEROINT%2520desc/0/sinonimos%253Dtrue?uuid=63817120-caaa-11ea-b07b-8d2fda50ad22" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Súmula nº 282</a>, afirmando que “as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”. Para fazê-lo, generalizou e ampliou o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) proferido em um caso individual de 2008 (<a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=553769" target="_blank" rel="noopener noreferrer">MS 26.210/DF, min. Ricardo Lewandowski)</a>.
Em 2016, o STF julgou o tema de <a href="http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4189164&amp;numeroProcesso=669069&amp;classeProcesso=RE&amp;numeroTema=666" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Repercussão Geral nº 666</a>, que afastou a premissa de que o art. 37, §5º da Constituição conduziria à ampla imprescritibilidade dos danos causados ao erário. O TCU, porém, contornou e ignorou a decisão, sustentando que a prescrição não atingiria “prejuízos que decorram de ilícitos administrativos, como a não comprovação da regular gestão de recursos públicos, que são imprescritíveis” (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/232%252F2017/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/1/sinonimos%253Dtrue?uuid=42850160-caac-11ea-a769-53f8d35f4b15" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão TCU 232/2017-Primeira Câmara</a>).
Já em 2018, no julgamento do <a href="http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4670950" target="_blank" rel="noopener noreferrer">RE 852.475</a> (<a href="http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4670950&amp;numeroProcesso=852475&amp;classeProcesso=RE&amp;numeroTema=897" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Repercussão Geral 897</a>), o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que a imprescritibilidade prevista no art. 37, §5º da Constituição seria limitada às hipóteses de atos dolosos de improbidade administrativa. Isso não bastou para uma inflexão no posicionamento do TCU, que passou a sustentar que essa decisão não atingiria os processos de controle externo, sob o argumento de que estes não se originam de ações de improbidade administrativa (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/10046/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/5/sinonimos%253Dtrue?uuid=42850160-caac-11ea-a769-53f8d35f4b15" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão 10.046/2018-Segunda Câmara</a>).
Diante de acórdãos, como aquele proferido sem o atributo da repercussão geral, em que o STF decidiu que “a prescrição da pretensão punitiva do TCU é regulada integralmente pela Lei nº 9.873/1999, seja em razão da interpretação correta e da aplicação direta desta lei, seja por analogia” (<a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=13287495" target="_blank" rel="noopener noreferrer">MS 32.201, min. Roberto Barroso</a>) a corte de contas sustentou que “o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva não implica o afastamento do débito, porquanto as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis, nos termos do art. 37, § 5º da Constituição Federal e da Súmula TCU 282”.
<h3>Recentemente</h3>
Em 2020, foi julgado o RE 636.886 (<a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442028&amp;ori=1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Repercussão Geral 899</a>). Nele, foi rejeitada a tese da União Federal da imprescritibilidade com fundamento no (hoje) ultrapassado entendimento firmado no <a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=553769" target="_blank" rel="noopener noreferrer">MS 26.210/2008</a>.
Foi rejeitado o argumento da União de que “quando a demanda de ressarcimento originar-se de ato ilícito, situação invariavelmente ocorrente nas hipóteses em que o TCU condena o agente público a ressarcir valores, indevidamente desviados do erário, não se discute a imprescritibilidade das ações”.
A ementa do acórdão do STF é amplamente elucidativa quanto ao tema, confirmando:
(1) “a regra de prescritibilidade no Direito brasileiro”, que “é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal” e inclui a proteção contra a “permanência infinita do poder persecutório do Estado”;
(2) que “somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (TEMA 897)”. E, ainda, que “a excepcionalidade reconhecida pela maioria do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no TEMA 897, portanto, não se encontra presente no caso em análise, uma vez que, no processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento”.
Mesmo depois desta decisão, o TCU continua, criativamente, buscando fugir à aplicação do que vem decidindo o STF. A corte finge ignorar o núcleo da fundamentação já firmada pelo Supremo Tribunal Federal.
Em franca contradição com decisões no passado, de que o Tema 897 não se aplicaria ao TCU, agora alega que “em se configurando a ausência injustificada da prestação de contas, conforma-se o ato doloso de improbidade administrativa, tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade.” (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/1482/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/1/sinonimos%253Dtrue?uuid=42850160-caac-11ea-a769-53f8d35f4b15" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão 1482/2020-Plenário</a>).
<h3>Análise</h3>
Diante disso, fica a pergunta: até quando o TCU seguirá “contornando” as decisões da corte constitucional, sob argumentos formais que parecem ignorar o núcleo da fundamentação já firmada pelo STF?
Cabe notar que, se considerarmos os parâmetros que o próprio TCU utiliza para apreciar as contas dos agentes públicos, resta clara a contradição do TCU, que revela seu inconformismo com o fato de ter que se submeter a algum controle.
São conhecidas decisões do TCU que punem agentes públicos presumindo que tais agentes deveriam ter conhecimento de decisões da corte (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/ac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%2520177%252F2018/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/sinonimos%253Dtrue?uuid=42850160-caac-11ea-a769-53f8d35f4b15" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão 177/2018-Plenário</a>). Considera grave a conduta dos agentes quando descumprem decisões, ainda que tais decisões não tenham gerado Súmulas do TCU (mesmo inexistindo base legal para extrair dessas súmulas um suposto efeito “vinculante” perante os jurisdicionados à corte de contas).
No tema da prescrição é o TCU quem está ignorando a posição do STF. Ao fazê-lo, a corte de contas deliberadamente desobedece a jurisprudência contrária às suas decisões e, de outro lado, age contra a economicidade e a eficiência.
O TCU consome recursos públicos para dar continuidade à apuração de tomadas de contas especiais já fulminadas pela prescrição. Num ciclo vicioso, isso também tem o potencial efeito de permitir a prescrição de outros processos (dado que os finitos recursos do órgão de controle estão sendo ilicitamente utilizados para conduzir processos que, pela prescrição, já deveriam estar extintos).
O paradoxo é claro: quando a corte de contas aprecia atos dos agentes públicos, condena os gestores que praticam atos ignorando decisões do TCU. Quando, porém, é controlado pelo STF, o TCU busca seguidamente construir soluções criativas para contornar o entendimento do Supremo e, na prática, descumpri-lo.
Como um órgão a quem deve preocupar a economicidade e a eficiência de seus atos (não apenas daqueles a quem controla) é imperativo e urgente que o TCU revogue sua Súmula 282 e passe a reconhecer a prescritibilidade dos danos apurados em suas tomadas de contas especiais.

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JOTA

É urgente que o TCU revogue Súmula 282 e passe a reconhecer a prescritibilidade dos danos em contas especiais

TCU ignora STF sobre prescrição de ações de improbidade

É urgente que o TCU revogue Súmula 282 e passe a reconhecer a prescritibilidade dos danos em contas especiais