Flávia Chiquito dos Santos

Luisa Marcelino Bono

Em setembro de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/processo/*/NUMEROSOMENTENUMEROS%253A1701220201/DTAUTUACAOORDENACAO%2520desc%252C%2520NUMEROCOMZEROS%2520desc/0/%2520?uuid=2259c910-1e18-11eb-93b4-5954429837d0">Representação</a> contra o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar se sanções aplicadas a empresas supostamente envolvidas em práticas de cartel foram mais baixas do que determina a legislação.
O processo visa apurar se o Cade tem agido em desconformidade com a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência)</a>, especialmente ao considerar as contribuições pecuniárias fixadas nos Termos de Compromisso de Cessação (TCC's), que são acordos celebrados entre o Cade e os investigados em que o Conselho Administrativo suspende o prosseguimento das investigações enquanto estiverem sendo cumpridos os termos do compromisso).
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O TCU parte do pressuposto de que as supostas vantagens obtidas pelas companhias com os eventuais atos ilícitos teriam sido muito superiores às prestações pecuniárias pagas no âmbito dos TCC’s.
Na Representação, o Ministério Público junto ao TCU (MPTCU) alega que, ao firmar acordos que encerram as investigações contra as empresas, o Cade estaria incorrendo em subpunição das companhias, uma vez que este órgão se abstém do cálculo da “vantagem auferida” resultante da conduta anticompetitiva.
O MPTCU afirma ainda que a autarquia recorre extensivamente ao uso de TCC’s para concluir suas investigações – crítica também levantada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seu último <a href="http://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-ENG-web.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">relatório peer review</a> sobre o enforcement antitruste no Brasil.
A Representação despertou questões relevantes: seria o TCU competente para exercer controle externo face às decisões do Cade? Qual a posição majoritária do Cade sobre a aplicabilidade do cálculo de vantagem auferida? A subtração do cálculo da vantagem auferida deveria ser motivada nos termos das previsões da Lei nº 12.529/11?
<h3>TCU e controle externo</h3>
Segundo Pedro Dutra e Thiago Reis, na obra “O Soberano da Regulação – o TCU e a Infraestrutura”, o TCU não é órgão de controle externo, mas sim órgão de fiscalização da execução do orçamento federal, atuando em auxílio ao Congresso, que por sua vez é o verdadeiro órgão de controle externo da Administração Pública.
Para os autores, a Constituição, em seu art.  71, define a competência do TCU no sentido de auxílio ao Congresso Nacional. Assim, tais autores entendem que seria incorreto afirmar que a regra contida no art. 1º da Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que disciplina a atuação do TCU e o nomeia “órgão de controle externo”) se sobreponha e altere a regra constitucional.
<blockquote class="jota-article__eye">Ainda segundo os juristas, nenhuma norma constitucional ou lei ordinária atribui ao TCU a competência para rever o mérito de atos administrativos expedidos por agências reguladoras.</blockquote>
Portanto, a dita Representação do TCU configuraria um exemplo de expansão da competência do órgão para além do delimitado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, considerando que a Representação já foi instaurada e se encontra em pleno andamento, fato é que o TCU está exercendo o presunçoso papel de controlador externo frente à autoridade concorrencial.
<h3>Cálculo da vantagem auferida</h3>
Para o MPTCU, o Cade subverte a legislação ao estabelecer contribuições pecuniárias em valores aquém da vantagem indevida auferida com ilícitos concorrenciais.
A Lei de Defesa da Concorrência prevê, em seu art.  37, I, que a prática de infração à ordem econômica sujeita os responsáveis a penas pecuniárias de até 20% do faturamento da empresa e que nunca pode ser inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
Discussões sobre a necessidade de calcular a vantagem auferida em punições de condutas anticompetitivas, principalmente em práticas de cartel, vem e vão no Tribunal do Cade. Em geral, a opinião majoritária é no sentido de que esse cálculo não é necessário, em razão das controvérsias sobre métodos e falta de informações disponíveis.
Segundo levantamento próprio, observando o conjunto de 132 decisões do Cade envolvendo processos administrativos com decisão condenatória e TCC’s em casos de condutas coordenadas julgadas a partir da entrada em vigor da Lei 12.529/2011, é possível identificar 13 processos em que o Cade tentou calcular a vantagem auferida.
Porém, a autoridade efetivamente aplicou a estimativa de vantagem auferida em apenas 2 destes casos (<a href="https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnYyHjyrl4h2Cm17jTrDBY7HJeuRySe0tuIRXhXguCus4" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PA nº 08012.009611/2008-51</a> e <a href="https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_JxmVzyP3CNuFJFiANQXIZrIfDuvtckc6reu0DanH6m6Ow" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PA nº 08012.001029/2007-66</a>).
<blockquote class="jota-article__eye">Verifica-se que os conselheiros do Cade que tentaram realizar esse cálculo quase sempre tiveram seus votos como vencidos.</blockquote>
O Cade, ainda, não costuma justificar os motivos que o levam a não efetuar o cálculo da vantagem auferida. Desde a entrada em vigor da atual Lei de Defesa da Concorrência, em apenas 11 processos dos 132 analisados, o Cade se justificou expressamente, apontando desde a dificuldade de mensuração até críticas à metodologia adotada para a estimação da vantagem auferida.
Em termos de transparência e desenvolvimento institucional da autarquia, o ideal seria que o Cade, em cumprimento aos ditames da Lei, motivasse o não cabimento de cálculo da estimativa da vantagem auferida com base em critérios fáticos e objetivos do caso concreto, já que, em última instância, a Lei determina que o valor da sanção nunca pode ser inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
<h3>Considerações</h3>
Ainda que o Cade entenda em seus precedentes que não é necessário calcular ou estimar a vantagem auferida, é importante que a autarquia motive suas decisões de forma expressa, conferindo maior transparência às suas decisões, segurança jurídica para o mercado e aprimoramento institucional da política de sanções administrativas do Cade, notadamente em relação aos cartéis.
Vale notar que o Cade já vem aprimorando essa política, pois recentemente, colocou em Consulta Pública o <a href="http://www.cade.gov.br/noticias/cade-lanca-versao-preliminar-de-guia-de-dosimetria-de-multas-de-cartel" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Guia de Dosimetria de Multas em Cartel</a>, iniciativa relevante para o norteamento e aperfeiçoamento de sua prática decisória e, por conseguinte, de sua jurisprudência.
Por sua vez, embora o TCU tenha um questionamento legítimo sobre os critérios e métodos de cálculo da multas e prestações pecuniárias impostas pelo Cade, sua competência aparentemente não deve ultrapassar os limites constitucionais, não havendo razão para invadir e intervir na seara de outros entes estatais, já que seu papel principal é de órgão de fiscalização da execução do orçamento federal e não de controle externo.
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Cade

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JOTA

Qual a posição majoritária do Cade sobre a aplicabilidade do cálculo de vantagem auferida?

TCU e Cade divergem sobre critérios para cálculo de multas

Qual a posição majoritária do Cade sobre a aplicabilidade do cálculo de vantagem auferida?