Thiago Luís Sombra

Eduardo Costa Guerra

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá o desafio de rever competências do Tribunal de Contas da União (TCU). Em decisão proferida recentemente pelo TCU  - <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/PROC%253A00552020193/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão nº 309/2021</a>-, foi desconsiderada a personalidade jurídica para estender a sanção de inidoneidade para participar de licitação a empresas do mesmo grupo econômico daquela originariamente sancionada, as quais compartilham nomenclatura, localização, domínio de e-mail e sócios.
No caso concreto, o TCU constatou que as empresas estariam se utilizando de artifícios, como a transferência de parte significativa de seu acervo técnico (esvaziamento operacional) à título gratuito para que a outra substituísse a sancionada, declarada inidônea, em licitações e contratações da administração pública, de modo a mitigar ou anular os efeitos da declaração de inidoneidade.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
O TCU entendeu, a partir das provas produzidas e com amparo na jurisprudência<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, que haveria, no caso, abuso de forma e evidente intuito de fraudar licitações, o que ensejaria a desconsideração da personalidade jurídica para extensão dos efeitos da declaração de inidoneidade à segunda empresa.
A empresa, a quem a inidoneidade foi estendida, alegou a incompetência do TCU, como órgão administrativo, para determinar a desconsideração de personalidade jurídica. Para tanto, mencionou a inexistência de previsão de tais poderes no art. 71 da Constituição ou na Lei Orgânica do TCU (Lei n° 8.443/92) e apontou decisão cautelar proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.
A referida medida cautelar foi concedida pelo Ministro Marco Aurélio nos autos do <a href="https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22MS%2035506%22&amp;base=decisoes&amp;pesquisa_inteiro_teor=false&amp;sinonimo=true&amp;plural=true&amp;radicais=false&amp;buscaExata=true&amp;page=1&amp;pageSize=10&amp;sort=_score&amp;sortBy=desc&amp;isAdvanced=true" target="_blank" rel="noopener noreferrer">MS nº 35.506/DF</a> para suspender os efeitos do Acórdão 2014/2017-TCU-Plenário, em que o TCU, além de decretar a indisponibilidade dos bens, desconsiderou a personalidade jurídica da impetrante com o fim de atingir o patrimônio de terceiros.
Naqueles autos, o Ministro Marco Aurélio entendeu que não caberia ao TCU, enquanto órgão despido de função jurisdicional, o implemento de medida com efeitos práticos tão gravosos a particulares, como a indisponibilidade de bens e a desconsideração da personalidade jurídica, mediante sanções patrimoniais antecipadas.
Para o Ministro, não se estaria a afirmar a ausência do poder geral de cautela do TCU, mas, sim, que essa atribuição possui limites e que, não havendo respaldo normativo expresso, seria inviável ao TCU determinar, cautelarmente, a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade privada, por ocasião do princípio da legalidade estrita – norteador da atuação da Administração Pública.
A despeito do posicionamento do Ministro Marco Aurélio, existem julgados em sentido oposto de outros Ministros, segundo os quais, além dos poderes explícitos conferidos pelo art. 71 da Constituição da República, haveria reconhecimento do STF da competência implícita da Corte de Contas para determinar o afastamento da personalidade jurídica<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> para assegurar a eficácia de suas decisões<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, para coibir os efeitos de fraude ou simulação destinadas a evitar os efeitos sancionatórios.
A teoria dos poderes implícitos (inherent powers – McClloch v. Maryland) defende que as Constituições, ao atribuírem certa competência a determinado órgão de Estado, conferem de forma correlata, os meios necessários ao seu cumprimento, ainda que de modo não expresso. Nesse sentido, destacou o Ministro Celso de Mello<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> que a aplicação do instituto da desconsideração (disregard doctrine) pelo TCU encontraria suporte legitimador não só na teoria dos poderes implícitos, mas, também, no princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF), com o fim de inibir o emprego de fraudes e  neutralizar a prática do abuso de direito.
A decisão de mérito deve trazer a segurança jurídica necessária, mas, para além disso, é urgente que se contenha o evidente movimento de expansão inconstitucional dos poderes do TCU, órgão que vem se imiscuindo na função de constituinte e expandindo suas próprias competências e jurisdição.
<blockquote class="jota-article__eye">É inegável que a personalidade jurídica deve ser suspensa quando utilizada de modo ilegal ou abusivo. No entanto, o Estado de Direito e a separação dos poderes pressupõem que haja definição clara quanto aos órgãos competentes para a adoção de medidas desta natureza, observado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório para eventual extensão de sanções a outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.</blockquote>
Tão importante quanto a interpretação dada pelo TCU na ampliação das suas próprias competências será a uniformização do posicionamento do Supremo Tribunal Federal em torno da teoria dos poderes implícitos e se o tema da desconsideração da personalidade jurídica em âmbito administrativo faz parte da reserva de jurisdição.
Frisa-se que a recém-publicada Lei de Licitações (Lei n° 14.133/2021) traz em seu art. 160 a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando esta for utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na lei ou para provocar confusão patrimonial. Contudo, não indica de quem é essa competência.
Embora tal previsão esteja contida no capítulo das sanções administrativas da nova Lei de Licitações, não parece razoável que qualquer órgão ou entidade da Administração possa, discricionariamente, desconsiderar a personalidade da empresa sancionada e estender seus efeitos a terceiros, sem a observância da ampla defesa e contraditório, sob pena de abalar significativamente a segurança jurídica que se pretende com o instituto da personalidade jurídica. Espera-se que o STF estabeleça diretrizes sobre a capacidade de o TCU ampliar sua competência legal e constitucional para o tema da desconsideração da personalidade jurídica.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> RMS 15.166/BA, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 7/8.2003
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MC-MS 34.446/DF, rel. Min. Rosa Weber, julg. 23/11/2016.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MS 24.510, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, julg. 19/11/2003; MS 24.510/DF, rel, Min. Ellen Gracie, MS 26.094/DF, rel. Min. Dias Toffoli e o MS 26.547-MC/DF, rel. Min. Celso de Mello.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MS-MC 32.494/DF, rel. Min. Celso de Mello, decisão de 11/11/2013.

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JOTA

Enquanto o STF não julga o mérito da questão, o TCU estende sanções a empresas do mesmo grupo econômico em licitações

O TCU tem competência para desconsiderar a personalidade jurídica?

Enquanto o STF não julga o mérito da questão, o TCU estende sanções a empresas do mesmo grupo econômico em licitações