Anna Dolores Barros de Oliveira Sá Malta
Conselheira Titular da 3ª seção de julgamentos do Carf. Professora de direito tributário e aduaneiro. Doutoranda pela UFPE. Master of Laws em Direito Aduaneiro pela Erasmus University Roterdã (Holanda)
A taxa de capatazia, conhecida por THC (Terminal Handling Charge) ou Taxa de Manuseio do Terminal, conceituada na Lei dos Portos (Lei 12.185/2013), se refere às atividades de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário. Como se trata de uma atividade realizada por quem atua no porto, não pode ser feita por agentes externos, e, portanto, gera uma taxa que deve ser paga por quem adquiriu a carga.
Não obstante fazer parte da Lei dos Portos, a taxa de capatazia também está incluída nas importações aéreas de cargas. Além disso, os valores variam conforme cada porto e aeroporto, devendo ser paga no momento do desembaraço aduaneiro e carregamento da carga, variando ainda segundo a operação.
Durante muito tempo a problemática foi uma só: a capatazia deve ou não fazer parte do valor tributável de uma mercadoria?
Os importadores questionavam a legalidade da inclusão das despesas com a capatazia na base de cálculo do imposto de importação. As ações na justiça tiveram diversas decisões favoráveis, mas, em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que os serviços de capatazia deviam ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Importação.
A controvérsia foi cadastrada no sistema dos repetitivo como Tema 1014[1]. Segundo o ministro Francisco Falcão – cujo voto prevaleceu no julgamento –, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Em razão da tese firmada, acórdão publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 3/6/2019, houve determinação de suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada e tramitem no território nacional.
Mas a gente sabe que, no Brasil, o contribuinte não morre de tédio.
Na mesma linha de raciocínio do ministro Francisco Falcão, em função dos normativos do GATT, mas em resultados diametralmente opostos, foi publicado Decreto Presidencial que os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro, excluídos os gastos incorridos no território nacional e destacados do custo de transporte.
Seria o referido decreto uma reação legislativa aos entendimentos dos tribunais?
Segundo dados divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em termos econômicos, o Brasil se iguala aos demais países no ponto de vista de competitividade na importação, podendo representar a redução de 1,5% dos custos totais, agora atende ao arcabouço jurídico multilateral de temas comerciais, ao se adequar às obrigações assumidas pelo Brasil com os parceiros do Mercosul e ao disposto no Acordo de Valoração Aduaneira da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No meu sentir, o decreto representa uma virada de chave na competitividade dos negócios comerciais brasileiros, além de reforçar o papel do Brasil em ser um país que tem compromisso com Acordos de Comércio do âmbito multilateral, reduz os efeitos sobre todos os demais tributos incidentes sobre a importação, tendo em vista que o valor aduaneiro é a base para o cálculo do PIS, Cofins, ICMS e o famigerado IPI.
[1] Tema Repetitivo 1014 STJ. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1014&cod_tema_final=1014