Mattheus Montenegro

Guilherme Gabrielli

No último dia 3, o Conselho Nacional de Política Fazendária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Confaz">Confaz</a>) publicou o Convênio ICMS 150, que autoriza “as unidades federadas que menciona a conceder isenção nas saídas de bens adquiridos por não residentes que estejam temporariamente em território brasileiro”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Trata-se da inédita instituição, no Brasil, de um programa Tax Free Shopping (TFS), em modelo similar ao existente em dezenas de países, na sua maioria dotados de um Imposto sobre o Valor Agregado (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/IVA">IVA</a>).
O estado do Rio de Janeiro, principal hub de turismo do Brasil, foi o responsável por formular a proposta perante o Confaz, tendo se baseado, segundo manifestações de seus representantes oficiais, em estudos que apontam potencial contribuição de mais de R$ 1 bilhão por ano para a economia, especialmente devido ao aumento do influxo de turistas e ao aumento de seus gastos no território do estado, inclusive em itens não contemplados pelo TFS.
Não há dúvida, porém, de que a medida interessa a todo o setor de turismo, hoje responsável por 7,8% do PIB nacional<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, mas com potencial ainda subexplorado, bem como a dezenas de cadeias econômicas a ele relacionadas, com ênfase para o varejo (o foco direto do TFS), os centros comerciais e os operadores de turismo.
A proposta foi aprovada por unanimidade e recebeu a adesão de três estados além do Rio de Janeiro: Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, outros importantes destinos turísticos.
No entanto, a implementação efetiva do TFS ainda dependerá da internalização do Convênio 150/23 por cada estado, o que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>), deverá ocorrer por meio de lei estadual<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Especificamente sobre o modelo aprovado pelo Confaz, percebe-se uma série de semelhanças com os sistemas TFS adotados em todo o mundo. Sua cláusula primeira autoriza a unidade federada aderente “a conceder isenção, mediante restituição”, do ICMS incidente nas operações de venda de mercadorias realizadas exclusivamente de forma presencial por estabelecimentos comerciais varejistas a pessoas físicas não residentes no Brasil.
Embora não esteja expresso no texto, há uma clara equiparação da compra pelo viajante não residente a uma exportação, com a principal diferença de que o próprio viajante é responsável pelo transporte da mercadoria ao deixar o Brasil.
Os principais requisitos para a possibilidade de devolução do ICMS, sob a perspectiva do viajante, são: (i) não residir no Brasil; (ii) registrar a intenção de restituição do ICMS no momento da compra, no estabelecimento comercial credenciado; (iii) realizar a compra com cartão de crédito; e (iv) comprovar a saída definitiva do bem do território nacional, por meio de postos de atendimento situados nas zonas primárias (por exemplo, em portos e aeroportos), em até trinta dias da compra, mediante a apresentação das notas fiscais correspondentes, do bilhete do meio de transporte e de um documento de identificação que ateste a residência no exterior.
No que diz respeito às transações, as mercadorias elegíveis devem estar listadas por cada unidade federada e não podem estar sujeitas ao regime de substituição tributária. Serviços (também muito utilizados pelos turistas) estão excluídos, assim como as mercadorias "neles incluídas", como refeições e bebidas oferecidas em bares, restaurantes e hotéis. Por fim, cada unidade federada deve definir um valor limite para as transações contempladas.
Sob a perspectiva do estabelecimento comercial, o convênio prevê a necessidade de credenciamento perante o fisco estadual para as operações abrangidas pelo TFS, dedicar-se ao comércio varejista, ser identificado por meio de um selo e estar sujeito ao regime normal de apuração do ICMS, excluindo, entre outros, aqueles sujeitos ao Simples Nacional e ao regime do Microempreendedor Individual (MEI).
Por fim, o convênio assegura a possibilidade de os estados disciplinarem a participação de empresas especializadas na operacionalização de programas TFS, as quais, como mostra a experiência internacional, atuam nas frentes de credenciamento de estabelecimento varejistas, desenvolvimento e implementação de sistemas informatizados, processamento de pagamentos, verificação de compras e efetiva restituição dos tributos diretamente aos compradores, entre outras atividades pertinentes.
A medida do Confaz incentiva a possibilidade de o TFS futuramente abranger outros tributos incidentes sobre o consumo, como o IPI e as contribuições sociais PIS e Cofins. Tramita no Congresso Nacional o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2127701">PLP 353/17</a>, que também visa possibilitar a restituição desses tributos em compras realizadas por viajantes estrangeiros.
Além disso, a medida não ignora o estado das discussões a respeito da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a> no Congresso Nacional, voltada à tributação sobre o consumo. Isso porque o TFS, segundo o modelo mundialmente aceito, se adapta perfeitamente às modificações ao Sistema Tributário Nacional almejadas pela <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45/19</a>, já aprovada pela Câmara dos Deputados e atualmente no Senado.
As modificações incluem a extinção de ICMS, ISS e PIS/Cofins e sua substituição por um modelo de IVA dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/IBS">IBS</a>) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CBS">CBS</a>), bem como a extinção do IPI e a criação do Imposto Seletivo (IS).
O IBS e a CBS, se aprovados, não incidirão sobre a exportação, seguirão o princípio da tributação no destino e estarão sujeitos ao princípio da não cumulatividade, que, por sua vez, será “plena”, ou seja, permitirá a compensação do valor integral do tributo cobrado nas aquisições. Além disso, seu cálculo será “por fora”, o que significa menor índice de cumulatividade (resíduos) na cadeia comercial e, por conseguinte, maior eficácia na compensação e maior transparência/compreensão da carga tributária incidente. O IS, assim como o IPI, não incidirá sobre as exportações.
Todas essas características estão em linha com o modelo TFS. Portanto, toda a experiência que as administrações tributárias, empresas especializadas em programas dessa natureza, estabelecimentos comerciais e consumidores adquirirem com relação ao ICMS (e, potencialmente, em relação ao IPI e PIS/Cofins) contribuirá apenas para o sucesso em relação aos novos tributos.
Espera-se, assim, que diante da sensibilidade do tema para o PIB nacional, o Congresso lhe dedique a atenção necessária, especialmente na elaboração das leis complementares que regularão os novos tributos, preferencialmente deixando claro que as compras por viajantes estrangeiros, dentro das condições necessárias, são equiparadas a exportações (viabilizando, assim, as restituições).
Pode-se dizer, assim, que os estados signatários do Convênio ICMS 150/23 deram um primeiro e fundamental passo para a adoção do Tax Free Shopping no Brasil. Ao conferir competitividade aos produtos nacionais (evitando a exportação de tributos), o TFS promove a competitividade do turismo nacional, uma vez que esses programas têm influência marcante na escolha do destino de compras por parte do viajante estrangeiro. Os próximos passos, no âmbito das casas legislativas dos estados e do Congresso Nacional, serão fundamentais para o sucesso desse consagrado modelo no Brasil.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Despacho 54/23, publicado no Diário Oficial da União de 03/20/23.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Segundo o Relatório de Impacto Econômico produzido pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo - WTTC, referenciado pelo Governo Federal em matéria publicada no dia 30/05/23. Disponível em <a href="https://www.gov.br/pt-br/noticias/viagens-e-turismo/2023/05/gastos-de-estrangeiros-no-brasil-crescem-14-7-em-abril">https://www.gov.br/pt-br/noticias/viagens-e-turismo/2023/05/gastos-de-estrangeiros-no-brasil-crescem-14-7-em-abril</a>. Acesso em 03/10/23.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Nesse sentido: STF, Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade 5929, Relator ministro Edson Fachin, julgado em 14/02/2020.

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JOTA

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