Marcio de Oliveira Junior

<p align="justify">Uma das respostas do governo para por fim à greve dos caminhoneiros foi o chamado tabelamento dos fretes, por meio da Medida Provisória (MP) 832∕2018<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. A MP prevê preços mínimos para o transporte rodoviário de cargas, com base no custo do óleo diesel e dos pedágios, entre outras variáveis. As tabelas de preços mínimos já foram disponibilizadas pela Resolução 5.820∕2018 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>.</p>
<p align="justify">O tabelamento foi criticado por vários analistas econômicos. Segundo eles, a medida significa a volta do papel do Estado brasileiro como coordenador de cartéis, um retrocesso institucional, pois isso ocorria no Brasil na época da Lei Delegada nº 4∕1962<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>, da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab) e do Conselho Interministerial de Preços (CIP).</p>
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<p align="justify">O CADE também se manifestou sobre o tema. Segundo matéria publicada em O Estado de São Paulo de 29∕5∕2018<a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>, o Superintendente-Geral do órgão afirmou que, do ponto de vista da concorrência, o estabelecimento de preços mínimos para o frete é ruim e anticompetitivo. Ele ressalvou, no entanto, que o governo pode decidir regular o mercado e intervir, o que afastaria a competência do CADE para analisar a questão.</p>
<p align="justify">Concordo que a adoção de tabelas de preços seja negativa do ponto de vista concorrencial. Ainda assim, seria possível argumentar que elas seriam um custo a se pagar para garantir bem-estar e condições dignas de sobrevivência aos caminhoneiros autônomos. Mas será que o tabelamento atende aos interesses desses caminhoneiros?</p>
<p align="justify">Em minha opinião, não. E há uma razão para isso: a tabela elimina a competição via preços, que é somente um dos aspectos da concorrência. Ela continuará a existir com base em outras variáveis, como a qualidade.</p>
<p align="justify">Vejamos um exemplo. Imagine que um caminhoneiro autônomo leve uma carga de Porto Alegre a Belo Horizonte. Após descarregar a carga no destino, suponha que o interesse desse caminhoneiro seja voltar para Porto Alegre. Sem carga, ele teria que suspender o eixo e voltar com o caminhão vazio, arcando com o custo da viagem (estadia, alimentação, combustível, desgaste do caminhão, entre outros). Se ele conseguir um frete que cubra esses custos, valerá a pena aceitá-lo, ainda que o valor seja inferior ao que ele recebeu no trajeto Porto Alegre-Belo Horizonte.</p>
<p align="justify">No entanto, havendo um preço mínimo tabelado, o caminhoneiro do exemplo não poderia aceitar um valor para o frete que apenas cubra o custo do retorno a Porto Alegre. Ele teria que receber, no mínimo, o valor tabelado. Bom para o caminhoneiro autônomo, certo? Não necessariamente, pois não há como garantir que ele será contratado. Isso ocorre porque o dono da carga poderá escolher entre o autônomo e uma empresa de transporte de cargas, sua concorrente.</p>
<p align="justify">Como o tabelamento afasta a concorrência via preços, ela ocorrerá por meio de outras variáveis, como a qualidade. Assim sendo, se as empresas de transporte tiverem vantagens sobre os autônomos nesse quesito – mais motoristas, frota com diferentes tipos de caminhão, mais rotas, ou mais segurança, por exemplo –, os donos das cargas poderão escolhê-las em detrimento dos autônomos. Se isso ocorrer, o caminhoneiro do nosso exemplo voltará para Porto Alegre com o caminhão vazio e arcará com a totalidade dos custos da viagem de volta. Em outras palavras, o tabelamento e a supressão da concorrência via preços podem ser contrários aos interesses dos caminhoneiros autônomos.</p>
<p align="justify">Embora o tabelamento seja indesejável e possa ser contrário ao interesse dos caminhoneiros, creio que seu abandono seja difícil, pois ele foi parte importante do acordo feito para por fim à greve. O compromisso já foi assumido e a situação financeira dos caminhoneiros autônomos não é boa. O aumento da frota de caminhões (crescimento da oferta) e a recessão (queda da demanda) derrubaram os valores dos fretes; ao mesmo tempo, o preço do diesel aumentou e ficou mais volátil devido ao encarecimento do petróleo, à desvalorização do câmbio e à política de preços da Petrobras. Consequentemente, a renda dos caminhoneiros caiu.</p>
<p align="justify">Na impossibilidade de se recuar da decisão de tabelar preços, o que poderia ser feito para preservar a concorrência e os interesses dos caminhoneiros autônomos?</p>
<p align="justify">Para responder essa questão, é útil relembrar os debates sobre o uso de tabelas de preços ocorridos recentemente no CADE. O órgão antitruste debateu bastante o tema, em particular a adoção de tabelas de preços para serviços médicos. A posição majoritária do Tribunal do CADE sempre foi a condenação do uso de tabelas por considerá-las ilícitos concorrenciais per se. Mas uma posição minoritária nesse Tribunal propunha analisar as chamadas tabelas médicas pela regra da razão.</p>
<p align="justify">De acordo com essa posição minoritária, para que a adoção de tabelas de preços se configurasse ilícito antitruste, deveriam ser analisados três fatores: a (i)legitimidade das entidades para negociar preços de forma coletiva, a existência de imposição e a inexistência de negociação. Segundo essa posição, não haveria que se punir a adoção de tabelas de preços se elas fossem resultado de negociação coletiva por entidades com legitimidade para negociar e se não houvesse a imposição dos preços negociados aos interessados, pois, nesse caso, as tabelas seriam apenas uma referência para negociações individuais.</p>
<p align="justify">Em se adotando essa posição, associações de caminhoneiros poderiam negociar os valores dos fretes com as transportadoras (legitimidade e negociação) e estabelecer uma tabela de referência, mas não poderiam impor esses valores a seus associados. Voltando ao nosso exemplo, se o caminhoneiro autônomo quisesse aceitar um frete menor que o constante na tabela de preços para a viagem de volta, ele poderia fazê-lo sem ser punido pela associação que negociou em seu nome. Isso seria vantajoso para o caminhoneiro, pois sua alternativa seria voltar vazio para Porto Alegre.</p>
<p align="justify">Ainda há como o Congresso Nacional alterar a MP 832/2018 e mudar a política de preços mínimos proposta pelo Poder Executivo. Isso viabilizaria uma negociação coletiva entre caminhoneiros e transportadoras para se chegar a um preço de referência que não poderia ser imposto, mas que seria apenas uma base para que os caminhoneiros autônomos negociassem os preços de forma individual, de acordo com seus próprios interesses. Embora o tabelamento seja indesejável, essa solução preservaria a concorrência via preços e beneficiaria os próprios caminhoneiros autônomos. Resta convencê-los!</p>
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<div id="sdfootnote1">
<p><a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Disponível em <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Mpv/mpv832.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Mpv/mpv832.htm</a></p>
</div>
<div id="sdfootnote2">
<p><a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Disponível em <a href="http://www.antt.gov.br/cargas/Tabelas_de_Precos_Minimos_do_Transporte_Rodoviario_de_Cargas.html">http://www.antt.gov.br/cargas/Tabelas_de_Precos_Minimos_do_Transporte_Rodoviario_de_Cargas.html</a></p>
</div>
<div id="sdfootnote3">
<p><a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Disponível em <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Ldl/Ldl04.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Ldl/Ldl04.htm</a></p>
</div>
<div id="sdfootnote4">
<p><a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> Disponível em <a href="https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,cade-condena-o-tabelamento-de-precos-minimos-para-o-frete,70002328666">https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,cade-condena-o-tabelamento-de-precos-minimos-para-o-frete,70002328666</a></p>
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JOTA

Tabela elimina a competição via preços, que é somente um dos aspectos da concorrência

Tabelamento do frete beneficia os caminhoneiros autônomos?

Tabela elimina a competição via preços, que é somente um dos aspectos da concorrência