Eduardo Bruzzi

Aylton Gonçalves

Após anúncio realizado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Bruxelas, no dia 26 de fevereiro de 2022, alguns dos maiores bancos russos deixaram de fazer parte do sistema Swift (sigla para Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A medida publicizada, uma resposta à recente invasão da Rússia ao território ucraniano, tem como objetivo reduzir consideravelmente o poder de exportação e importação de Moscou, tornando muito mais difícil a realização de operações bancárias internacionais, pressionando, assim, o presidente russo, Vladimir Putin. Nesse contexto, algumas questões que se apresentam ao grande público concernem: (i) ao conceito e propósito do sistema Swift e (ii) aos efeitos danosos da exclusão do referido sistema.
<h3>Sistema Swift</h3>
Criado em 1973 pela sociedade empresária belga de mesmo nome, o sistema Swift teve como missão facilitar a comunicação financeira<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, por meio da introdução de padrões de mensagens criptografadas legíveis por máquina, permitindo, assim, que os bancos enviassem fundos diretamente às contrapartes em maior velocidade, em maiores volumes, com custo reduzido e com melhor segurança<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Como a primeira inovação de rede desse tipo em serviços financeiros, o Swift exigiu o desenvolvimento de padrões de mensagens para reduzir a complexidade operacional e permitir avanços nos protocolos de segurança de rede. Hoje o Swift opera uma rede IP altamente confiável e segura (SIPN) que oferece uma única janela de acesso ao mundo financeiro e permite interoperabilidade e grande automação de ponta a ponta (também conhecida como Straight-Through-Processing) através de uma vasta gama de padrões, aplicações tecnológicas e soluções de conectividade<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Os benefícios do uso do sistema Swift podem ser definidos em aspectos intangíveis e tangíveis. Os potenciais benefícios intangíveis estão relacionados: (i) à redução do risco operacional e fraude, devido à menor intervenção manual e ambiente de transações mais seguro; (ii) ao aumento da satisfação do cliente, (iii) à segurança, (iv) à resiliência; (v) à maior e mais fácil conformidade regulatória e (vi) à maior visibilidade e controle — permitindo melhor gestão de caixa.
Dentre os aspectos tangíveis do sistema Swift, a redução de custos é o mais relevante, ainda que a implementação possa ser um investimento dispendioso. O Swift substitui links diretos para bancos contrapartes por uma solução centralizada baseada em nuvem que permite que o membro entre em contato com qualquer pessoa na rede<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. O quadro abaixo,  extraído do artigo “The long-term effect of digital innovation on bank performance: An empirical study of SWIFT adoption in financial services”, demonstra a fluidez do Swift em comparação com o modelo de comunicação financeira anterior, que ocorria via Telex e FAX.
<img class="aligncenter wp-image-361586 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/03/captura-de-tela-2022-03-29-as-15-17-10.png" alt="" width="1399" height="604" />
Tendo esses benefícios em vista, o Swift, já em sua fundação em 1973, contava com a adesão de 239 bancos, em aproximadamente 15 países. Hoje, o sistema conta com a vinculação de mais de 11 mil membros, espalhados por mais de 200 países e territórios.
A aderência ao Swift carrega consigo, ainda, alguns importantes serviços para a fruição dos negócios de seus membros, tais quais: (i) “business intelligence”, que fornece painéis e relatórios os quais permitem aos clientes do sistema visão dinâmica e em tempo real do monitoramento das mensagens, atividade e fluxo comercial, possibilitando filtragem com base na região, país, tipos de mensagens e parâmetros; e (ii) “compliance services”, que consistem em fornecimento de relatórios de “know your client” (KYC) e de prevenção à lavagem de dinheiro<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Com essa visão geral, temos algumas pistas dos efeitos deletérios causados à Rússia, quando da decisão de exclusão de alguns de seus bancos do Swift.
<h3>Efeitos danosos da exclusão da Swift</h3>
Em primeiro lugar, é importante destacar que a medida tomada em desfavor dos bancos russos não guarda tons de ineditismo. No ano de 2012, a Swift, sob certa pressão dos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/eua">Estados Unidos</a> e da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/uniao-europeia">União Europeia</a>, concordou que o Irã violou sanções americanas e europeias e, como resultado, os bancos iranianos sancionados foram desconectados do sistema<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Apenas como exemplo, o Irã, após a exclusão de seus bancos do Swift, experimentou um fortíssimo decréscimo de sua operação com petróleo. Antes da retirada, em 2011, o país exportava aproximadamente 2,5 milhões de barris de petróleo por dia. Após a decisão tomada pela empresa de mensagens financeiras, esse número foi reduzido para menos da metade, aproximadamente 1 milhão de barris de petróleo por dia<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. De modo geral, a exportação iraniana caiu 30%, durante o período em que seus bancos não fizeram parte do Swift<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
É justamente quanto à exportação de petróleo e gás que os efeitos danosos da exclusão dos bancos russos poderão ser sentidos. Hoje, essas exportações representam algo próximo a 40% de toda a receita do país do Kremlin<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Aqui é relevante apontar: a exclusão do sistema Swift será experimentada diferentemente nos prismas doméstico e internacional. Do lado doméstico, os russos não enfrentarão grandes dificuldades; do internacional, no entanto, serão severamente prejudicados.
Em abril de 2014, com a invasão russa da Crimeia, vários bancos russos foram colocados na lista negra pelos EUA. Tanto a Visa quanto a MasterCard suspenderam os serviços dos bancos alvo ​​e os impediram de usar seus sistemas de pagamento. Àquela época, já se ameaçava a retirada do sistema Swift.
Na sequência, o governo de Putin aprovou uma nova lei, introduzindo o Sistema Nacional de Cartões de Pagamento, também conhecido como Mir (mundo, em russo). Totalmente de propriedade do Banco Central russo, o sistema de cartões funciona como um centro de compensação para o processamento de transações com cartões na Rússia.
No entanto, fazer pagamentos fora da Rússia ainda está longe de ser fácil com um cartão Mir. Os serviços completos estão disponíveis apenas na Armênia e nas regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abkhazia, apoiadas pela Rússia. Algumas operações são possíveis na Turquia, no Quirguistão, Uzbequistão e Cazaquistão.<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>
Percebe-se, assim, que a exclusão dos russos do sistema Swift possivelmente terá consequências relevantes em microeconomia e macroeconomia, em exportações e importações, elevando custos e diminuindo a confiabilidade de capilaridade de transações bancárias oriundas dos bancos sancionados. Ainda que soluções se apresentem — como a intermediação da China para operacionalização de transações —, as consequências político-econômicas da medida serão percebidas pelo povo russo.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>Acessível em: <a href="https://www.reuters.com/world/europe/eu-announces-new-russia-sanctions-with-us-others-including-swift-2022-02-26/">https://www.reuters.com/world/europe/eu-announces-new-russia-sanctions-with-us-others-including-swift-2022-02-26/</a> . Acesso em 27 fev. 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>No caso do SWIFT, são mensagens financeiras como instruções para pagamentos, confirmações, mensagens de liquidação, cartas de crédito, transações de títulos e outros tipos de processos padronizados. O SWIFT não é intermediária dos fundos transacionados por meio de seu sistema de mensagens.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Winder, R., 1985. “Too SWIFT for Comfort”. Euromoney January. p. 55–56.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>Acessível em: <a href="https://www.swift.com/our-solutions/interfaces-and-integration/alliance-connect/network-partners">https://www.swift.com/our-solutions/interfaces-and-integration/alliance-connect/network-partners</a>. Acesso em 27 fev. 2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Scott, S., Van Reenen, J., and Zachariadis, M. 2017. “The long-term effect of digital innovation on bank performance: An empirical study of SWIFT adoption in financial services”. Research Policy 46(5). p. 984–1004.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Acessível em <a href="https://www.swift.com/our-solutions/a-to-z">https://www.swift.com/our-solutions/a-to-z</a> . Acesso em 28 fev. 2022.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a>Por seu relevo, reprisamos, em tradução livre, o comunicado emitido pela SWIFT, quando da exclusão dos bancos iranianos: “A nova decisão do Conselho Europeu, confirmada pelo Tesouro belga, proíbe empresas como a SWIFT de continuar a fornecer serviços financeiros especializados serviços de mensagens para bancos iranianos sancionados pela UE. A SWIFT é incorporada sob lei belga e tem de cumprir esta decisão conforme confirmado pelo seu país de origem governo. Esta decisão da UE obriga a SWIFT a agir. A desconexão dos bancos é um passo extraordinário e sem precedentes para a SWIFT. É um resultado direto de internacional e multilateral para intensificar as sanções financeiras contra o Irã. A SWIFT esteve e permanece em total conformidade com todas as sanções aplicáveis regulamentos das várias jurisdições em que opera e recebeu confirmação disso por parte das autoridades reguladoras competentes. Como fornecedor global de serviços de mensagens seguras, a SWIFT não está envolvida ou controla as transações financeiras subjacentes que estão contidas nas mensagens de seu membro bancos”. Acessível em: <a href="https://www.swift.com/insights/press-releases/swift-instructed-to-disconnect-sanctioned-iranian-banks-following-eu-council-decision">https://www.swift.com/insights/press-releases/swift-instructed-to-disconnect-sanctioned-iranian-banks-following-eu-council-decision</a> . Acesso em 28 fev. 2022.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a>Acessível em: <a href="https://www.aljazeera.com/economy/2018/11/5/what-swift-is-and-why-it-matters-in-the-us-iran-spat">https://www.aljazeera.com/economy/2018/11/5/what-swift-is-and-why-it-matters-in-the-us-iran-spat</a> . Acesso em 28 fev. 2022.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a>No ano de 2016, os bancos iranianos foram reintroduzidos ao sistema SWIFT.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a>Acessível em:  <a href="https://www.usatoday.com/story/money/2022/02/24/swift-russia-banking-system-sanctions/6930931001/">https://www.usatoday.com/story/money/2022/02/24/swift-russia-banking-system-sanctions/6930931001/</a>. Acesso em 28 fev. 2022.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Acessível em: <a href="https://carnegiemoscow.org/commentary/84634">https://carnegiemoscow.org/commentary/84634</a> . Acesso em 28 fev. 2022.

alpridephoto-9uxRcupG36I-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Exclusão dos russos do sistema Swift deve ter impactos relevantes em micro e macroeconomia

Swift e invasão da Ucrânia: onde a geopolítica encontra os meios de pagamento

Exclusão de bancos russos do sistema Swift de pagamentos internacionais deve ter impactos relevantes em micro e macroeconomia