Direitos Humanos

Sustentabilidade no Judiciário avança na redução das desigualdades

Institucionalização da Agenda 2030 permitiu explorar iniciativas de atendimento à população de rua

Agenda 2030 desigualdade
Crédito: Unsplash

A linha de extrema pobreza definida pelo Banco Mundial limita a renda em valor de US$ 1,90 por dia e deve atingir “entre 9,1% e 9,4% da população mundial em 2020”, segundo o relatório bienal "Pobreza e Prosperidade Compartilhada”. Os dados atuais são um agravamento de um quadro de desigualdade que vem avançando ao longo do tempo.

A pobreza e desigualdade social agregam consigo a necessidade de intervenção do Estado, no sentido de que políticas públicas de proteção social auxiliem em pontos fundamentais quanto ao acesso de bens e serviços em níveis mínimos que permitam uma vida digna.

Diante de um panorama assustador quanto à fome e à miséria, agravado pelas desigualdades sociais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, há 22 anos, a Declaração do Milênio, um compromisso global para que dirigentes mundiais, em trabalho conjunto com líderes de organizações da sociedade civil, fundações e setor privado, participassem de um plano de ações composto por oito objetivos contra a pobreza, num prazo de até 15 anos, ou seja, até 2015.

O Brasil alcançou resultados expressivos com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), em especial com a redução em 55% da mortalidade materna, de 141 para 64 óbitos/mil nascidos vivos considerando o período de duas décadas. O sucesso destas ações deveu-se à municipalização das metas do milênio, num trabalho coordenado entre diversos atores sociais e com programas sociais como Bolsa Família, Brasil Sem Miséria, Saúde Mais Perto de Você (Rede Cegonha), dentre outras políticas sociais voltadas à atenção básica.

Findo o prazo de cumprimento dos ODMs, apesar dos exemplos de progressos alcançados no Brasil, um novo esforço global surgiu ao trazer à reflexão das lideranças mundiais discussões antes restritas à academia ou grupos específicos de estudo. Assim, nasceu a Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que configuram um plano de ação para as pessoas, para a paz, para a prosperidade e para o planeta, implementado por meio de parcerias.

No Brasil, desde os ODMs, a pauta vinha sendo tratada, no âmbito do Poder Executivo, pela Secretaria de Governo da Presidência da República, órgão responsável pela interlocução e coordenação de ações entre a esfera federal, estadual e municipal. No Poder Judiciário, no entanto, não houve movimento institucionalizado para a incorporação dos ODMs. Apenas a partir de 2018 que a Agenda 2030 e os ODS passaram a ser institucionalizados, por ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou comitê específico interinstitucional destinado a proceder estudos e apresentar proposta de integração das Metas Nacionais do Poder Judiciário com as metas e os indicadores dos ODS.

A percepção de que as políticas de inclusão econômica implementadas pelo governo federal durante o período da pandemia não vinham alcançando os moradores de rua, devido ao fato destes não terem sequer a documentação exigida nos cadastros de dados pessoais, nem sequer condições de acesso aos sistemas informatizados públicos para este fim, deu o tom das ações do Judiciário naquele momento. A partir do avanço da pandemia, foram articuladas uma série de parcerias institucionais entre órgãos públicos, extrapolando a esfera do Judiciário, tendo à frente o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

A institucionalização da Agenda 2030 no Poder Judiciário permitiu explorar outras iniciativas de atendimento à população de rua considerando a implementação de parcerias entre órgãos de governo, em estados e municípios, de diversos Poderes e com o envolvimento de demais segmentos da sociedade civil no sentido de promover maior acesso à serviços por parte deste grupo vulnerável.

Essas experiências inspiraram o CNJ a instituir grupo de estudos e de trabalho para propor a resolução de Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades. A Resolução 425, de 8 de outubro de 2021, foi publicada após consulta pública que contou com a escuta das pessoas em situação de vulnerabilidade, com movimentos sociais, membros do Judiciário, e órgãos de defesa dos direitos humanos.

O pleno exercício da cidadania requer documento de identificação pessoal, como Registro Civil (RG), em especial no acesso aos programas sociais criados pelas políticas públicas do Poder Executivo. Pelas más condições de vida e vulnerabilidade social, os moradores de rua muitas vezes perdem seus documentos, não têm condições de guardá-los consigo, e não conseguem informar onde foram registrados.

Ademais, foi percebido o risco de aumento nas demandas de judicialização para obtenção de documentação para inscrição no CadÚnico, e o Judiciário encontrou nesta problemática uma oportunidade de ação preventiva quanto a esta questão.

De 2020 a 2021, alguns tribunais do Brasil saíram à frente e implementaram projetos que foram relatados no Relatório Pop Rua do Judiciário. Os mutirões de atendimento às pessoas em situação de rua, denominados PopRuaJud, realizaram nos últimos dois anos atendimento e orientação jurídica, emissão de documentos, certidões, Acordos de Benefício de Prestação Continuada e auxílios por incapacidade temporária, além de consultas médicas e vacinação.

A coordenação dos trabalhos foi feita pela Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários, conforme disposto, à época, na Portaria CNJ 70/2021. Coube à comissão propor estudos que visem à democratização do acesso à Justiça, realizar ações voltadas a ampliar a conscientização sobre direitos, deveres e valores do cidadão, bem como propor parcerias com os demais Poderes, setores e instituições para aperfeiçoamento dos serviços judiciais, instada pela sociedade civil.

O Relatório PopRuaJud do CNJ demonstrou que a articulação interinstitucional, a partir da união de esforços de diversos órgãos públicos, em espaços como mutirões de atendimento básico, podem sim trazer resultados efetivos, sem a necessidade da burocracia estatal, e acima de tudo, com o reconhecimento que a empatia e a escuta ativa sobre as necessidades das parcelas mais carentes da população podem ser mais efetivos do que programas de grande vulto orçamentário, mas que não alcançam a totalidade da população.

A pandemia da Covid-19 trouxe perdas irreparáveis de vidas humanas, ainda que tenha alavancado tecnologias inclusivas previstas para serem implementadas décadas adiante. O desafio da humanidade é não tornar a vida humana “obsoleta” diante dos avanços da inclusão tecnológica. As diferenças sociais gritantes e as metas de redução da pobreza, previstas no ODS 1 - Erradicação da Pobreza e no ODS 10 - Redução das Desigualdades, devem ser o foco das políticas públicas voltadas aos direitos humanos, sob risco de a exclusão social ter um custo mais alto do que os investimentos tecnológicos.

Cabe aos gestores públicos, para além do Poder Judiciário, avançar na implementação das políticas públicas, por meio de planos de governança e gestão em prazo mais que urgente, em desdobramento dos objetivos e metas da Agenda 2030 e da Estratégia Federal de Desenvolvimento do Governo Federal.logo-jota

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