Marco Vanin Gasparetti

Em julgamento no último dia 23 de maio, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/TJSP">TJSP</a>) analisou um caso muito interessante, no qual a parte, vencida em processo arbitral, ajuizou Ação Anulatória da sentença arbitral porque um dos árbitros se absteve de votar na fase de liquidação (apuração do valor da indenização), porque havia sido vencido na fase de conhecimento, na qual votou pela inexistência do dever de indenizar.
Como se extrai do acórdão<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, relatado pelo desembargador Cesar Ciampolini, a Câmara entendeu que a abstenção de voto, no caso, caracterizou violação ao “princípio do acesso à justiça” (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), afrontando a vedação ao non liquet. Em extensa fundamentação, o relator concluiu que a sentença arbitral é nula, determinando a reabertura de votação para que os três árbitros se pronunciem na votação, inclusive o que se absteve de votar, e persistindo a recusa que outro seja chamado a votar em seu lugar.
Mais do que a discussão do caso concreto, que já está gerando debates da comunidade arbitral e processual civil, o acórdão chama a atenção pelo fato de, para decidir a causa, ter sido necessário ao TJSP recorrer à analogia, suprindo “lacuna da Lei de Arbitragem na disciplina do non liquet”, para aplicar ao caso as hipóteses dos artigos 140 e 939 do CPC, que tratam, respectivamente, da vedação ao non liquet (“o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”) e da necessidade do julgador, mesmo que vencido em preliminar, votar no julgamento do mérito do recurso (“se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela compatível, seguir-se-ão a discussão e o julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar os juízes vencidos na preliminar”).
Em processos arbitrais, as partes dispõem de ampla liberdade para definir as regras dos procedimentos, e de fato o fazem, incluindo, nos Termos de Arbitragem (negócio jurídico que estipula as regras da arbitragem, complementando – e inclusive alterando, se for o caso – o Regulamento da Câmara de Arbitragem que administra o procedimento) inúmeras regras sobre manifestação das partes, calendário procedimental, forma e conteúdo das provas a serem produzidos pelas partes e prazo para as decisões do Tribunal Arbitral.
A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-arbitragem">Lei de Arbitragem</a>, em seu art. 10, prevê as matérias que obrigatoriamente devem constar no Termo de Arbitragem (o “compromisso arbitral”, na terminologia adotada na lei), que são a qualificação das partes e dos árbitros, os pedidos das partes e o lugar em que será proferida a sentença arbitral. No art. 11, são relacionadas as matérias que poderão constar no Termo de Arbitragem (sede, autorização de julgamento por equidade, prazo para sentença, lei de regência, regras de responsabilidade pelos custos da arbitragem e honorários dos árbitros), em rol não taxativo. O limite à liberdade (e criatividade) das partes na estipulação das regras da arbitragem são a “ordem pública” e os “bons costumes”, conforme art. 2º, § 1º, da Lei de Arbitragem: “Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”.
O ponto é que, como indica o acórdão do TJSP, a Lei de Arbitragem não dispõe sobre a forma de deliberação dos árbitros e sobre métodos de superação de divergências (quantitativas e qualitativas) entre os árbitros. A única regra sobre o tema é a do art. 24 que prevê a prevalência do voto do Presidente na hipótese de não haver acordo majoritário entre os árbitros (“quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral”). Assim, deveria haver natural preocupação das partes em regular, no Termo de Arbitragem, formas de superação de divergências entre os árbitros, diante da extrema relevância do tema. Não é isso, contudo, o que se observa na prática.
Nenhum julgador gosta que lhe imponham como ele deve decidir. Talvez por isso, as partes fiquem em alguma medida intimidadas, na elaboração do Termo de Arbitragem, em regular os métodos de solução de divergências entre os árbitros, o que, de certa forma, estimula decisão unânimes (como via de regra as decisões em arbitragem são tomadas em reuniões privadas entre os árbitros, as partes não acompanham os debates e, ao receber a sentença, não sabem se houve dissenso em algum ponto que tenha sido acomodado entre os árbitros no curso das discussões).
A possibilidade de divergências é inerente à colegialidade das decisões. No processo civil, muito se discute sobre a aplicação de técnicas de deliberação colegiada e de superação de divergências (qualitativas e quantitativas) no âmbito de órgãos colegiados, em especial nos tribunais superiores, quando há a formação do colegiado não por três, mas por cinco, nove ou onze julgadores.
Apesar de não ser adequado transportar, sem critério, regras do processo civil para os processos arbitrais, é conveniente no mínimo refletir sobre a incorporação de algumas técnicas processuais ao Termo de Arbitragem, evitando-se a incômoda situação de o Poder Judiciário, em uma Ação Anulatória, ter que recorrer à analogia para anular uma Sentença Arbitral.
Alternativamente à anacrônica regra do “voto de qualidade” do Presidente do Tribunal Arbitral, é perfeitamente possível (e até desejável) prever no Termo de Arbitragem como superar uma divergência entre os árbitros. Essa divergência pode ser qualitativa (quando os árbitros divergem, por exemplo, quanto ao dever de indenizar) ou quantitativa (quando, no mesmo exemplo, os árbitros divergem sobre o valor da indenização).
Na hipótese de divergência qualitativa, há três métodos conhecidos de superação: (i) supervotação; (ii) opção coata; e (iii) exclusão. A “supervotação” consiste em ampliar o colegiado, até que se consolide uma das teses jurídicas (o que seria de difícil aplicação a arbitragens). Na “opção coata”, repete-se a votação e, não sendo superado o impasse, o julgador da corrente minoritária deve aderir a uma das posições majoritárias (técnica moldada para colegiados de mais de três julgadores, também de difícil aplicação a um Tribunal Arbitral, normalmente composto por três árbitros – mas que nada impede que seja formado por mais árbitros, se assim desejarem as partes). sistema de exclusão, esse sim bastante interessante para arbitragens, quando na divergência há três posições diferentes (e não se pode identificar a posição da “maioria”), põe-se em votação, dentre as opções divergentes, apenas duas, para, dentre essas duas, excluir uma; na sequência, confronta-se essa posição com a terceira, e assim sucessivamente, até se chegar a apenas duas opiniões discrepantes e, assim, restringir a divergência, resolvendo-a por maioria.
Já para superar a divergência quantitativa, os Regimentos Internos dos Tribunais trazem duas soluções: (i) o sistema da média aritmética; e (ii) o sistema da continência. No sistema da média aritmética<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> os valores fixados devem ser somados e divididos por três (no caso de um Tribunal Arbitral com três árbitros). Imagine-se um caso em que, na fixação de indenização, um árbitro entenda que a indenização deve ser de R$ 100 mil, outro que o valor deve ser fixado em R$ 500 mil e outro em R$ 1 milhão. Nesse método, a indenização deveria ficar em R$ 533 mil (R$ 1,6 milhões dividido por três).
No sistema de continência, verifica-se qual dos votos obtém a maioria primeiro, em ordem decrescente. O voto que fixou a indenização em R$ 1 milhão é um voto isolado, ao passo que o voto que fixou a indenização em R$ 500 mil está contido no voto do presidente, ficando formada, assim, maioria para decidir pela indenização de R$ 1 milhão<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Os dois métodos estão sujeitos a críticas (no sistema da média aritmética, pode haver distorção por um voto muito “fora da curva”, e no sistema de continência o voto de menor valor é sempre descartado, o que pode levar a elevação artificial do valor da indenização), mas, convenhamos, são regras que fazem muito mais sentido do que o do “voto de qualidade” do árbitro presidente.
Assim, além de tratar da necessidade de o árbitro, vencido na discussão da fase de conhecimento, ter que julgar também na fase de liquidação (como se viu no caso concreto julgado pelo TJSP), dispondo expressamente sobre o tema para evitar ter que se recorrer à analogia, parece interessante prever nos Termos de Arbitragem também as formas de superação de divergências, qualitativas e quantitativas, entre os integrantes do Tribunal Arbitral.
Isso sem falar na possibilidade de dispor, também, sobre a forma de deliberação dos árbitros, se ela deve ocorrer em reuniões privadas ou em sessões de debates que possam ser acompanhadas pelas partes, se cada árbitro deve proferir e fundamentar seu voto ou se deve manifestar o voto apenas na hipótese de divergência, ou ainda se seria possível aplicar, na arbitragem, a técnica de julgamento estendido prevista no art. 942 do CPC, convocando-se novos árbitros para ampliar o colegiado quanto ao tema objeto da divergência.
Mas isso é tema para outro artigo, sendo suficiente, por ora, o convite à comunidade arbitral para pensar sobre o tema, sofisticando a redação dos Termos de Arbitragem, e também para que as Câmaras de Arbitragem para que avaliem a possibilidade de incorporar regras sobre superação de divergências em seus Regulamentos, contribuindo, assim, para a previsibilidade de situações que podem surgir nas arbitragens, sem deixar o Judiciário na incômoda posição de ter que decidir aplicando a analogia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Apesar de o processo ter tramitado em segredo de justiça, o TJSP, no julgamento da Apelação, revogou o sigilo e determinou a publicação do acórdão (proc. nº 1094661-81.2019.8.26.0100, <a href="https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?origemDocumento=M&amp;nuProcesso=1094661-81.2019.8.26.0100&amp;cdProcesso=RI006OEI90000&amp;cdForo=990&amp;tpOrigem=2&amp;flOrigem=S&amp;nmAlias=SG5TJ&amp;instanciaProcesso=SG&amp;cdServico=190201&amp;ticket=%2B%2BV%2Fbz%2BqySDs8nRBVzIjvYrMHyeTp53dH3y5AiFyBRINrSXJvpk16dTa3WS64xI35v9rxNVXqRdYHaEnSs2XcmeajKUpAor3L0cCehwjB2Hxj0vkLM5%2Fiwsr94sTKGet4HqdsJFbvF6c%2Fz840IKN1e2mpLXNRq85KXUmsaUMkcxC6zCIZBDRnR7B4yTISqAlmB%2B8yHprZ0PFyHyT1rONEuESMeMmcWIvvPqY9F8NOv4CAEkVcfFsiL2%2BDuAVmRk1jbKe8zdlq7jLyNrqKfsLq4GbLT3rlaqc8lNa5WhMy1JBvACmYkAQTuOjekbslOithU582D9Vr0oWlN9e5Vuc9KNk6bqx6iLwCF5dUe%2B%2BtXApOAPE6rM%2FCQTsoFgXYFjla%2F28cXA%2Bv8tQOFd%2FUtJssGg9IfLpCyTo5orEEIBXGfqHNl1c4tv8OaKb7Kqb7GYE">inteiro teor</a> acessado em 01.06.2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A solução pelo sistema da média aritmética foi adotada pelo Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo (art. 139, § 1º): “Tratando-se de determinação do valor ou quantidade, o resultado do julgamento será expresso pelo quociente da divisão dos diversos valores ou quantidades homogêneas, pelo número de juízes votantes”. É a solução adotada pela maioria dos Tribunais Estaduais.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Essa é a solução preconizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em seu Regimento Interno: “Art.83. Se, em relação a uma única parte do pedido, não se puder formar a maioria, em virtude de divergência quantitativa, o Presidente disporá os diversos votos, com as quantidades que cada qual indicar, em ordem decrescente de grandeza, prevalecendo a quantidade que, com as que lhe forem superiores ou iguais, reunir votos em número suficiente para constituir a maioria.” Seguem a mesma linha os Regimentos Internos dos Tribunais do Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Para quem se interessar e quiser ler um pouco mais sobre o tema, tivemos a oportunidade de publicar o artigo “Técnicas de Deliberação Colegiada e Arbitragem: um diálogo necessário” na Revista de Processo nº 322, de outubro de 2022.

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JOTA

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Superando divergências em arbitragem

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