Camila Abrunhosa Tapias

Não é de hoje que temos nos deparado com o ajuizamento de ações rescisórias que, na intenção de desconstituir situação de direito decorrente de coisa julgada, revelam, em sua intimidade, o desejo de rediscutir o mérito de questão já suplantada sob o pretexto da superveniência de orientação jurisprudencial diversa.
Sem avançar sobre a discussão da eficácia prospectiva do precedente, é nosso intento analisar, aqui e mesmo que sumariamente, a (in)viabilidade do emprego da ação rescisória à luz da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal (STF), enunciado especialmente relevante para o trato de situações pretéritas.
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A ação rescisória, sobretudo no contexto da súmula indicada, constitui remédio processual sabidamente excepcional, servindo para atacar os efeitos já verificados em decorrência de coisa julgada tida por viciada. Seu cabimento demanda o aperfeiçoamento de uma das hipóteses taxativas do artigo 966 do Código de Processo Civil (CPC) <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> – daí sua excepcionalidade.
Particularmente em relação ao inciso V do referido dispositivo, o STF concedeu elevada força restritiva, fazendo-o por meio da súmula a que nos referimos, a 343, segundo a qual “[n]ão cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.” <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
À luz dos fundamentos desse enunciado, é descabido o ajuizamento de ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei (ou ofensa manifesta à norma jurídica, na linguagem do atual CPC), se o acórdão rescindendo acolheu uma das variantes interpretativas ofertadas pelo texto legal.
Na seara tributária, o tema é tormentoso, especialmente porque a Súmula 343 retiraria a possibilidade de ajuizamento de rescisória sempre que o texto legal não fosse objeto de pacífica interpretação dos tribunais.
São incontáveis, a par disso, os casos tributários em que o dispositivo legal possui interpretação controvertida nos tribunais, órgãos que, no exercício de seu dever judicante, incorporam as variantes interpretativas ofertadas pelo texto de lei focalizado.
De tal constatação, uma outra aparece fortemente na prática forense: diversos são os casos em que ação rescisória é ajuizada, no ambiente tributário, apenas pelo mero inconformismo com o resultado do acórdão rescindendo, tendo a parte derrotada a clara pretensão de ver reanalisado o mérito de sua causa, numa espécie de convolação da demanda em sucedâneo recursal, o que é, sabemos, vedado.
Há que se reconhecer que existem, sim, situações extremas em que a segurança jurídica, premissa coeva à coisa julgada, deve ser superada em apreço a outros valores. O inconformismo, entretanto, não representa um desses casos, sendo descabido o renascimento de uma controvérsia definitivamente resolvida pelo Tribunal competente sob esse pretexto.
O tema já foi objeto de análise recente pelo Plenário do STF, em sede de Repercussão Geral (Tema 136), com efeito vinculante, no qual se assentou que “[n]ão cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente".
O Tema 136 derivou do Recurso Extraordinário (RE) 590.809, cujo mérito versava sobre o direito ao crédito de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de mercadorias e insumos desonerados. Nos termos de tal julgado, embora o STF tenha alterado seu posicionamento e entendido pela impossibilidade de creditamento do IPI, o acórdão rescindendo não poderia ser alterado sob pena de violação da coisa julgada e consequente ruptura do princípio da segurança jurídica.
O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, manifestou-se, na oportunidade, de forma bem clara – "a jurisprudência deve ser estável"; "[q]uando houver mudança, é preciso haver modulação, para não criar um estado de surpresa no cidadão".
Essa orientação é, não duvidamos, de inegável relevância, exteriorizando, na prática, os ideais de estabilidade e previsibilidade, linhas mestras de nosso sistema jurídico e reconhecidamente enaltecidos no novo CPC.
Preocupa-nos, entretanto, o fato de o STF ter atrelado o descabimento da rescisória, na espécie, ao “entendimento firmado pelo Plenário”, o que pode manter aberta toda a gama de discussões em torno do cabimento da ação (rescisória) nos casos em que o entendimento já pacificado dele (do Plenário do STF) não advenha – derivando, por exemplo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Apenas para ilustrar, a discussão da não-incidência do IPI na revenda de produto importado já estava pacificada pelo STJ em favor do contribuinte <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, quando, em 14/10/2015, a 1ª Seção do STJ alterou seu entendimento e definiu, em sede de recurso repetitivo (EREsp 1.403.532/SC), que era legítima a incidência no desembaraço aduaneiro de produtos importados e, novamente, na saída da mercadoria do estabelecimento, quando revendidos.
Diversos contribuintes que já possuíam decisão favorável transitada em julgado, firmado esse cenário, foram surpreendidos com o ajuizamento de ações rescisórias tendentes a desconstituir a coisa julgada material antes formada.
Nesse caso, o entendimento proferido à época da formalização do acórdão rescindendo (e posteriormente superado pelo precedente) foi firmado pela primeira Seção do STJ, não pelo Plenário do STF, cabendo a indagação, portanto: seria invocável o Tema 136 do STF para afastar o manejo da rescisória em situação desse naipe – fora, reitere-se, do ambiente do Plenário do STF?
Há quem diga que não, a considerar que o órgão julgador não corresponde ao Plenário do STF.
A nosso ver, no entanto, por demasiadamente restritivo e bastante incongruente com os fundamentos de segurança e previsibilidade, assim não deve ser, até porque o sistema de vinculação dos precedentes fundamenta a obrigatoriedade de atendimento da interpretação de Tribunal Superior, sob pena de não se considerar fundamentada a decisão (artigo 489, §1º, do CPC). E, convenhamos, o Tema 136 foi proferido pela maior instância de julgamento do nosso sistema jurídico brasileiro!
Para mitigar o prolongamento desnecessário desse conflito, recomendável seria a modificação do texto do CPC, de modo a incluir um possível §7º a seu artigo 966, que reproduzisse o comando trazido pelo Tema 136, no seguinte sentido:
"7º – Não cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelos Tribunais Superiores à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente".
Enquanto isso não se concretiza resta-nos saber como serão recepcionadas as futuras ações rescisórias e como serão tratadas as situações de mero inconformismo das partes, em que não se discute a infringência de violação literal da disposição de lei, tampouco de norma jurídica, e sim a existência de controvérsia de julgados, o que escapa ao âmbito da rescisória, por força do comando enunciado na Súmula 343 do STF e do recém-julgado Tema 136 do STF.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo 966: A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: 
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; 
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; 
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; 
IV - ofender a coisa julgada; 
V - violar manifestamente norma jurídica; 
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; 
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; 
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. (...) (Destaques nossos)
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Note que a Súmula 343 do STF foi editada com base no antigo CPC, que usava a expressão “violar literal disposição de lei”. O atual CPC fala em “violar manifestamente norma jurídica”, expressão que, a nosso ver, abarca tanto as leis como os precedentes jurisprudenciais.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> A pacificação favorável ao tema pelas 1ª e 2ª Turmas da 1ª Seção do STJ veio por meio do EREsp n°1.398.721/SC, julgado em 18/12/2014.

PEC dos precatórios

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JOTA

Ação é remédio processual excepcional que ataca efeitos já verificados em decorrência de coisa julgada tida por viciada

Ação rescisória: um olhar sobre a Súmula 343 do STF

Súmula 343 do STF: as ações rescisórias constituem remédio processual excepcional e atacam os efeitos já verificados de coisa julgada