César Chinaglia Meneses

Diego Diniz Ribeiro

Em 30 de agosto e 13 de setembro, foram publicados os dois primeiros de uma série de quatro textos que idealizamos a propósito da possibilidade (ou não) de conversão do seguro-garantia em depósito judicial logo após a prolação de sentença de improcedência em ações antiexacionais<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> ou, ainda, em embargos à execução<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> – procedimento que se convencionou chamar de “liquidação antecipada do seguro-garantia”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
No texto de hoje, abordaremos duas questões processuais que conversam diretamente com a matéria e que, na nossa visão, não raro são utilizadas equivocadamente no específico ambiente das execuções fiscais cujos débitos foram garantidos mediante oferecimento de seguro.
A primeira refere-se à Súmula n° 317 do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), segundo a qual “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos”.
Para a Fazenda Pública, a definitividade da execução fiscal permite a continuidade dos atos expropriatórios mesmo quando pendente de julgamento recurso interposto pelo contribuinte, o que abarcaria a transformação do seguro-garantia em depósito judicial.
Nos autos do Agravo de Instrumento nº 0027522-26.2013.4.03.0000, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/trf3">TRF3</a>), a União seguiu essa linha: “ressalte-se que o pedido efetuado na demanda foi julgado improcedente, o que reforça a presunção de certeza e liquidez do título executivo (art. 3º da LEF), a qual poderia permitir a continuidade do feito, com a execução da carta de fiança. Segundo a Súmula 317 do STJ, é definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente a apelação”.
A segunda refere-se ao art. 1.012, § 1º, III, do Código de Processo Civil (CPC). Nos termos desse dispositivo, o recurso de apelação interposto em face de sentença de improcedência de embargos à execução possui efeito meramente devolutivo, de modo que, na visão do Fisco, a produção imediata dos efeitos de decisão desfavorável ao contribuinte permitiria a liquidação antecipada do seguro.
Diante desse cenário, questiona-se: a Súmula nº 317 do STJ e o efeito meramente devolutivo da apelação interposta nos embargos à execução poderiam justificar a liquidação antecipada de que tratamos?
Para responder a essa pergunta, é importante analisar, em primeiro lugar, os precedentes que ensejaram a edição da referida súmula, publicada em 18.10.2005 – metódica, aliás, que está em perfeita sintonia com o que prescreve o art. 489, § 1º, inciso V do CPC.
Pois bem. A Súmula nº 317 decorreu de entendimento firmado em 21 precedentes<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, podendo ser tomados como mais relevantes os derivados do EREsp nº 195.742-SP e do EREsp nº 440.823-RS, seja porque foram os mais próximos à época da edição da súmula, seja porque foram os únicos proferidos pela Corte Especial do STJ.
Ocorre que, no EREsp nº 195.742-SP, a corte analisou ação de execução proposta por instituição financeira contra pessoa física, objetivando o recebimento de quantia representada por nota promissória, ou seja, tratava-se de execução cível, sujeita ao rito geral do CPC. Já no EREsp nº 440.823-RS, o pano de fundo até era uma execução fiscal, mas o acordão recorrido, que foi objeto de análise pelo STJ, havia determinado a “suspensão dos atos alienatórios”, evidenciando que a execução fiscal na origem estava assegurada por penhora de bens e não por garantia fidejussória (sabidamente impossível de ser “alienada”). Ademais, em nenhum dos precedentes indicados o asseguramento se deu por garantia fidejussória.
Portanto, inegável que as rationes decidendi dos precedentes que ensejaram a edição da Súmula nº 317/STJ foram formadas em um cenário fático absolutamente distinto da possibilidade de liquidação antecipada de garantias fidejussórias, equiparadas a dinheiro (tal como a carta de fiança e o seguro), quando oferecidas pelos contribuintes, nos termos da Lei de Execuções Fiscais (“LEF”).
Vale lembrar que o próprio STJ já afastou a Súmula nº 317 nas hipóteses em que a LEF se contrapõe ao seu teor; nessas situações, o Tribunal entendeu que prevalece a Lei n. 6.830/80 – a título de exemplo, citamos o EREsp nº 734.831/MG, no qual a Primeira Seção vedou o levantamento de garantia (conversão em renda) antes do trânsito em julgado da sentença, aplicando o art. 32, § 2º, da LEF em detrimento do teor da Súmula nº 317.
Ponderamos, ademais, que a Súmula nº 317 não considerou as alterações promovidas na LEF pela Lei nº 13.043/2014, que estenderam tratamento especial à fiança e ao seguro-garantia, equiparando-os ao depósito em dinheiro, o que é natural, já que o verbete sumular foi publicado em 18/10/2005, ou seja, quase dez anos antes da citada alteração legislativa.
Todos os pontos mencionados nos levam à conclusão de que a Súmula nº 317/STJ não pode ser utilizada como fundamento para liquidação do seguro-garantia antes do trânsito em julgado dos embargos à execução, haja vista que os precedentes que lhe deram origem foram veiculados com outro contexto fático, distinguindo-os, portanto, da situação aqui analisada.
Da mesma forma, parece-nos que o art. 1.012, § 1º, III, do CPC não serve para esse fim. Isso porque, em que pese o efeito meramente devolutivo da apelação interposta nos embargos à execução, a LEF, que é lei especial, concede tratamento diferenciado ao seguro-garantia, equiparando-o a dinheiro, bem como permitindo a sua liquidação apenas para fins de pagamento da dívida, o que pressupõe o trânsito em julgado da demanda (art. 19, II, da LEF).
Portanto, nos casos em que o contribuinte oferece seguro como garantia do débito executado, a LEF deve se sobrepor ao que prevê o CPC, norma de aplicação apenas subsidiária às execuções fiscais.
Esse foi o procedimento adotado no julgamento do Resp nº 1.272.827/PE, oportunidade em que o STJ asseverou que “em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal”.
Aplicando-se tal raciocínio ao tema ora estudado, se o art. 19, II, da LEF apenas autoriza a intimação do terceiro para pagar a dívida objeto da garantia fidejussória – não dando margem para conversão da garantia em depósito –, como seria possível aplicar o art. 1.012, § 1º, III, do CPC sem ferir o princípio da especialidade?
Inclusive, sobre o art. 1.012, § 1º, III, do CPC, Paulo Cesar Conrado<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> comenta que o prosseguimento da execução fiscal não pode implicar a irreversibilidade do status quo, sobretudo nos casos das execuções garantidas por carta de fiança ou seguro-garantia.
Concluímos, portanto, que a ficta “definitividade” da sentença de 1ª instância de improcedência de embargos à execução fiscal pode e deve conviver com a manutenção do seguro-garantia até o trânsito em julgado do apelo.
Para tanto, é importante que as peculiaridades trazidas neste texto sejam consideradas pelos realizadores do direito, sob pena de se convocar a Súmula nº 317/STJ e o art. 1.012, § 1º, III, do CPC em contexto absolutamente inapropriado.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Quando o seguro garantia é ofertado como contracautela, para fins de concessão de uma tutela provisória.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Aqui o seguro é ofertado em garantia do juízo.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível aqui: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-antecipada-do-seguro-garantia-uma-primeira-analise-critica-30082022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-antecipada-do-seguro-garantia-uma-primeira-analise-critica-30082022</a>; <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-do-seguro-garantia-independentemente-do-transito-em-julgado-13092022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-do-seguro-garantia-independentemente-do-transito-em-julgado-13092022</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_26_capSumula317.pdf">https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_26_capSumula317.pdf</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2021. p. 264-68.

stj salao nobre

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JOTA

Para Fazenda Pública, definitividade da execução fiscal permite continuidade dos atos expropriatórios

Súmula 317 do STJ e liquidação antecipada de seguro-garantia em execução fiscal

Para Fazenda Pública, definitividade da execução fiscal permite continuidade dos atos expropriatórios