Jardes Costa de Oliveira

Rodrigo Veiga Freire e Freire

Como bem noticiado em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-uso-de-precatorios-para-amortizacao-de-creditos-tributarios-16062023">artigo publicado</a> recentemente por um dos autores, a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-agu-n-456-de-13-de-junho-de-2023-489767164">AGU veio a disponibilizar</a>, em seu site oficial, <a href="https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/novas-regras-para-uso-de-precatorios-sao-colocadas-sob-consulta-publica">consulta pública</a> acerca da proposta de nova regulamentação para o uso de precatórios nas hipóteses previstas no §11 do art. 100 da CRFB/88, tais como a aquisição de imóveis da União, o pagamento de outorgas pela exploração de serviços públicos ou a amortização de débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, o que incluem os créditos tributários. O prazo para envio de contribuições é até esta sexta-feira (30/6).
Sabemos que as consultas públicas desempenham um papel fundamental na produção de normas eficazes pelos entes ao se permitir a participação ativa da sociedade. Tal diálogo, inclusive, fora incentivado pelo atual ministro da AGU, Jorge Messias, em audiência na Fiesp realizada no último dia 19, ao convidar toda a sociedade e, em especial, o setor econômico, a participar desse processo colaborativo de construção da norma que legitima a democracia das decisões governamentais ao contribuir para a transparência, eficiência e eficácia do processo regulatório em benefício de todos.
Diante dessa importante oportunidade, realizamos uma análise da minuta da Portaria Ministerial que, ao nosso sentir, carece de importantes ajustes para que se otimize o uso dos precatórios e não seja desidratada uma importante política pública que tem assento constitucional. Devido a limitação do espaço, apresentaremos apenas quatro propostas de aperfeiçoamento.
A primeira contribuição tem relação com a previsão de obrigatoriedade de apresentação de garantias contida na minuta da Portaria. A segunda questiona a própria arquitetura da norma ao exigir que os ofertantes dos precatórios sejam titulares do ativo no momento da oferta.
A terceira proposta tem o objetivo de aperfeiçoar uma lacuna importante da Portaria ao deixar de ter sido mencionada a possibilidade de se ofertar precatórios para a compensação de débitos parcelados sem a exigência de que tais débitos estejam inscritos em dívida ativa. Finalmente, a quarta e última visa que os processos de encontro de contas que foram protocolizados sob a égide da Portaria revogada sejam tratados à luz das condicionantes então vigentes.
Tais considerações, portanto, serão compartilhadas a seguir, com as fundamentações que as justifiquem. Vejamos:
Iniciando pelo inciso III do art. 1º<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>; inciso XII do art. 6º<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e art. 20 da Portaria <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, a minuta da Portaria prevê uma obrigatoriedade na apresentação de garantia para continuidade do procedimento, exigência que nos parece incoerente com a natureza dos direitos ofertados pelo particular. Em nossa concepção, o precatório é um direito “per si” sobre o qual deveriam recair os atributos jurídicos da certeza. Ao definir a obrigatoriedade das garantias nos processos de encontro de contas onde são ofertados precatórios, nos parece que a AGU atribuiu aos precatórios os predicados da dúvida ou incerteza do seu pagamento, qualificados incoerentes com a sua natureza.
É importante lembrar que antes da expedição do precatório houve um exaurimento em toda a tramitação processual que tomou início na extensa fase do processo de conhecimento e após o trânsito em julgado com a confirmação da sua certeza, veio a ser confirmada sua liquidez na fase de cumprimento de sentença. Em todas essas fases processuais, há um rígido controle e acompanhamento do feito pelos órgãos de representação judicial da AGU, garantindo, portanto, a validade e certeza do título.
Ora, ao se exigir garantia ex ante como arquitetura da norma da Portaria estaria por distorcer a certeza judicial do título que passou por um escrutínio processual bem rigoroso, de modo que sugerimos um aperfeiçoamento normativo para que a garantia seja exigida tão somente se constatados riscos concretos de inexecução do título pelos órgãos de representação judicial que irão opinar no processo administrativo desse encontro de contas. Esses riscos deverão ser verificados, por exemplo, quando existirem ações rescisórias e/ou recursos judiciais contrários à expedição do precatório.
Ainda no que toca às garantias, a AGU dispensou a obrigatoriedade de apresentação para a dívida ativa tributária. Todavia, tal dispensa não foi estendida paras demais hipóteses do art. 100, §11, inciso I, da Constituição Federal. Destacamos, ainda, que as hipóteses do encontro de contas de débitos parcelados, débitos inscritos em dívida ativa tributária ou dívida ativa em geral, têm a mesma matriz constitucional, de modo que não visualizamos motivos razoáveis para a discriminação eleita na minuta da norma (inciso II do §3º do art. 20<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>).
Seguindo para os incisos IV e IX do art. 4º<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e inciso II do art. 9º<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, temos que o design proposto pela nova Portaria, ao exigir a cessão definitiva antes do pedido de utilização do precatório não só torna ineficaz o instituto como também viola a segurança jurídica, especialmente, em desfavor dos contribuintes que já utilizaram o instrumento no formato anterior.
Relembremos a estrutura das Portarias AGU 73/2022 e PGFN 10.826/2022: lá permitia-se uma conexão direta entre o credor primitivo e o terceiro adquirente que promoveria o encontro de contas, fomentando a desintermediação das cessões, o que levava o mercado secundário de precatórios a preços mais equilibrados e justos aos cedentes e aos cessionários.
Assim, ao se permitir essa nova estrutura de exigência de garantia, estaremos diante de um retrocesso desnecessário para o entendimento das Portarias em questão e que fomentaria um mercado de intermediação dos precatórios com a concentração de grandes ativos com poucos credores. Além disso, o custo da garantia impactará diretamente no preço das cessões e exigirá que os cedentes sejam ainda mais penalizados com um maior deságio sobre o crédito negociado.
Há um outro fator ainda mais sensível: as empresas interessadas certamente não assumirão o risco de adquirir definitivamente os precatórios, requerer a transferência da titularidade ao Judiciário e finalmente submeter ao crivo posterior da AGU, mesmo após rigoroso processo de due diligence sob o risco de se ter um alto investimento com um grande grau de incerteza sobre o desfecho do processo encontro de contas.
E mais: o design proposto gera uma externalidade negativa ao assoberbar o Judiciário desnecessariamente com possíveis desfazimentos de cessões em caso de superveniente recusa da AGU em relação aos precatórios ofertados por terceiros adquirentes de boa-fé, situação que não ocorrerá se o design das antigas Portarias for mantido.
Diante disso, é razoável propor aperfeiçoamentos para: (i) autorizar que o requerente possa iniciar o processo de encontro de contas e apresentar perante a AGU a CVLD em seu nome ou em nome do terceiro caso tenha celebrado uma promessa de cessão por instrumento público; e (ii) em caso de aceite do precatório de titularidade de terceiro, seja assinalado prazo razoável para a apresentação da CVLD em nome do requerente.
Quanto a Seção III, em especial, o art. 7º<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, sugerimos uma extensão da regulamentação para os débitos parcelados e não somente aos débitos inscritos em dívida ativa da União (DAU), visto que a Constituição autoriza o encontro de contas de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa – vide §11 do artigo 100 da CFRB/88.
A omissão da regulamentação dessa hipótese equivale a ceifar tal direito aos contribuintes que tenham débitos parcelados ainda não inscritos em dívida ativa, direito constitucional que não se tornará exequível por falta de densidade normativa, justificativa comumente apresentada pelos órgãos da Administração Pública quando provocados nos processos de encontro de contas de débitos parcelados.
Inclusive, identificamos, no art. 30<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> da minuta, uma violação a segurança jurídica e a uma norma legal expressa prevista no <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm">art. 23 da LINDB</a> que assim dispõe: a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Nada mais razoável que seja prevista uma norma de transição, de caráter proporcional, que não imponha novas condicionantes aos processos analisados sob a égide da norma revogada. Ao passo em que, por ser um direito (embora “em análise’') que tem assento na Constituição, não poderia uma Portaria exigir novas condutas como a previa aquisição do ativo, a oferta de garantias, dentre as inovações contidas no novo ato normativo em respeito à hierarquia das normas.
Em desfecho, as sugestões aqui postas foram encaminhadas formalmente ao órgão e aguardamos, de forma esperançosa, que sejam acolhidas, sem a pretensão, é claro, de se esgotar o debate sobre novos pontos ainda não capturados pelos autores.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 1º Esta Portaria Interministerial dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelos órgãos da Advocacia-Geral da União e pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional na oferta e na utilização de créditos líquidos e certos decorrentes de decisões transitadas em julgado, de que trata o § 11 do art. 100 da Constituição, incluindo: (...)
III - a apresentação de garantias necessárias à proteção contra os possíveis riscos decorrentes de medida judicial propensa à desconstituição do título judicial ou do precatório;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 6º O requerimento para utilização de créditos ofertados deverá ser apresentado, preferencialmente por meio eletrônico, ao órgão ou à entidade detentora do ativo e deve conter: (...)
XII - indicar qual garantia será apresentada, na forma do art. 20.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 20. O órgão ou entidade detentor do ativo exigirá a oferta de garantia para resguardar dos riscos de inexecução dos precatórios.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 20(..) 
<ul>
<li>
 3º Fica dispensada a apresentação de garantia na hipótese de precatórios:
</li>
</ul>
I - decorrente de acordo judicial celebrado pelo credor e órgão de representação judicial da Advocacia-Geral da União; e
II - pagamento de dívida ativa tributária.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Art. 4º Para os fins desta Portaria Interministerial, considera-se: (...)
VI - requerente: pessoa, física ou jurídica, detentora de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou formalmente adquiridos de terceiros, reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, contra a União, suas autarquias ou fundações públicas com certidão de valor líquido disponível expedida pelo respectivo Tribunal; (...)
IX - aquisição formal de terceiros: procedimento no qual terceiros adquirem por instrumento particular, devidamente registrado em cartório e validado por decisão judicial, a titularidade de precatório ou do eventual direito objeto de discussão judicial.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Art. 9º Não havendo impedimento, o órgão competente da Advocacia-Geral da União formalizará, mediante decisão, a aceitação do precatório para liquidação ou amortização do crédito inscrito em dívida ativa e: (...)
II - notificará o requerente para:
<ol>
<li>
a) ciência da íntegra da decisão;
</li>
<li>
b) ciência de que a compensação opera efeitos no momento em que admitida a utilização do crédito, ficando sob condição resolutória de ulterior disponibilização financeira do recurso pelo Tribunal respectivo; e
</li>
<li>
c) regularizar eventual parcela remanescente, acaso existente;
</li>
</ol>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Seção III - Da análise da oferta de créditos para liquidação ou amortização de débitos inscritos em dívida ativa da União e de suas autarquias e fundações públicas. 
 Art. 7º A partir do requerimento de utilização de oferta de créditos pelo requerente, o órgão da Advocacia-Geral da União responsável pela inscrição em dívida ativa formalizará processo administrativo próprio e, por intermédio da equipe competente no âmbito da gestão e cobrança da dívida ativa da União ou de suas autarquias ou fundações públicas, verificará: (...)
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 30. Os processos pendentes de análise na data de publicação desta Portaria Interministerial deverão ser reanalisados com base nas suas disposições.

tributário

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JOTA

Um diálogo entre a sociedade e a AGU através da Consulta Pública disponibilizada pela Portaria 456/2023

Sugestão sobre as novas formas de uso de precatórios

Um diálogo entre a sociedade e a AGU através da Consulta Pública disponibilizada pela Portaria 456/2023 sobre precatórios