Patrícia Helena Marta Martins

Sofia Gavião Kilmar

O Marco Civil da Internet – Lei Federal nº 12.965/2014, que "estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil" – judicializou os procedimentos para a prestação de dados sigilosos sobre usuários na internet e para a indisponibilização de conteúdos determinados na web. 
Nesse sentido, consoante o disposto, respectivamente, nos artigos 10, §1º e 19, §1º do Marco Civil, a parte interessada deverá necessariamente submeter ao Poder Judiciário requisição para a obtenção de dados sobre usuários e/ou para a remoção de conteúdos da internet[1].
Referida opção do legislador pátrio foi e é absolutamente justificada.
Tendo em vista o enlace inerente das matérias citadas com direitos fundamentais constitucionalmente garantidos - à intimidade, à privacidade e ao segredo, bem como à livre expressão e manifestação de pensamento, consoante os artigos 5º, IX, X e XII e 220 da Constituição Federal -, bem como a subjetividade do crivo pela flexibilização de tais direitos e a eventual determinação de prestação de dados e/ou a remoção de conteúdos caso a caso, o legislador do Marco Civil da Internet foi sábio ao outorgar tal exame exclusivamente ao Poder Judiciário[2].
Apesar do relativo consenso a respeito do acerto do legislador na imposição de reserva de jurisdição sobre as matérias de prestação de dados sigilosos e de remoção de conteúdos da internet, uma questão interessante que tem se colocado diariamente aos Tribunais como decorrência dessa premissa é a da fixação da verba de sucumbência.
A pergunta posta aos julgadores das ações judiciais decorrentes das disposições dos artigos 10, §1º e 19, §1º do Marco Civil é: sendo tais procedimentos necessariamente operados via Poder Judiciário, e figurando os provedores de aplicação ou de conexão acionados como réus por decorrência de disposições legais, e não de ato ou omissão de sua parte, cumpre condená-los ao ônus da sucumbência quando a providência de prestação de dados ou de remoção de conteúdo é tida ao final da demanda como devida?
Apesar de, no que diz respeito às demandas de internet, tratar-se de questão nova fruto dos citados dispositivos do Marco Civil da Internet, a indagação objeto deste trabalho encontra solução na já conhecida figura dos procedimentos judiciais necessários.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o princípio da causalidade, objeto do artigo 85 do Código de Processo Civil de 1973, refletido no texto do artigo 20 do corrente diploma processual civil, não é suficiente para sanar todas as hipóteses de ônus sucumbencial.
Tratando-se de procedimento judicial necessário, YUSSEF SAID CAHALI ensina que o princípio da causalidade não se aplica, mas sim o princípio do interesse:
“(...) Ainda em função da insuficiência do princípio do sucumbimento, e, mesmo, da causalidade, como instrumento capaz de resolver todos os casos de responsabilidade pelas despesas do processo, a doutrina preconiza um princípio subsidiário diverso, que não aparece expresso em qualquer norma, mas que tem a sua aplicabilidade: o princípio do interesse, aplicado com variações. Pajardi, depois de apontar o princípio da causalidade como sendo aquele que não sofre limitações, divisa-lhe uma única exceção, constituída pelo processo necessário: a derrogação tem em vista o caso especialíssimo em que o processo é inevitável. (...)[3]” 
Na mesma linha, o entendimento da jurisprudência[4].
Cumpre mencionar a repercussão desse entendimento em julgados recentes tratando especificamente da hipótese do Marco Civil da Internet[5]. 
Guardadas as devidas proporções, os feitos judiciais instaurados como decorrência dos artigos 10, §1º e 19, §1º do Marco Civil da Internet se aproximam de procedimentos de jurisdição voluntária em que não há litigiosidade, como, por exemplo, a separação por mútuo consentimento, a retificação de registro imobiliário ou a alienação judicial.
Nos casos acima enumerados não há resistência de uma parte à pretensão da outra. A intervenção do Poder Judiciário nestes casos não é no sentido de decidir uma controvérsia, uma vez que inexiste conflito entre a vontade das partes. A intervenção se faz necessária apenas em razão das matérias ali discutidas, em que há evidente interesse público ou exigência legal.
Como é cediço, nos procedimentos de jurisdição voluntária não há condenação em verbas de sucumbência. Isso porque não há vencedor e vencido, mas o atendimento de alguma pretensão que depende de autorização judicial para se concretizar. Inexistindo lide, não há o que se falar em sucumbência. 
Neste sentido, cumpre mencionar o irretocável entendimento de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: 
“Não seria, por certo, justo imputar o pagamento de honorários à parte que não deu causa ao processo. E é óbvio que, no caso de perda do objeto, a regra de sucumbência não tem aplicação adequada. Deve prevalecer, portanto, o princípio da causalidade (ideia essa contida neste parágrafo). Mas, justamente em função da aplicação desse princípio, já se decidiu que, se a ação perde o objeto por causa não imputável às partes, descabe a condenação em honorários de qualquer delas[6]”.
Assim é que, em razão da inexistência de litigiosidade e por se tratar de procedimento judicial necessário, conforme já vem reconhecendo a jurisprudência pátria, não há de se falar na fixação de verba sucumbencial em ações judiciais ajuizadas por decorrência do disposto nos artigos 10, §1º e 19, §1º do Marco Civil da Internet, visando à prestação de dados sigilosos sobre usuários e/ou a remoção de conteúdos determinados da web.
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[1] Sensível à realidade das pessoas que têm a sua intimidade exposta na internet sem autorização, o artigo 21 do Marco Civil da Internet previu exceção para a regra de necessário acionamento do Poder Judiciário para a indisponibilização de conteúdos na internet – mediante simples notificação ao provedor de aplicações pertinente: "Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único.  A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido".
[2] Coloca-se, aqui, novamente a ressalva quanto ao disposto no artigo 21 do Marco Civil da Internet. 
[3] CAHALI, Yussef Said, Honorários Advocatícios, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 44. 
[4] Cumpre citar como exemplo nesse sentido o acórdão de lavra do TJSP na Apelação Cível nº 273.521, Rel. Desembargador Yussed Cahali, j. em 21/11/1978. 
[5] Nesse sentido, cumpre evocar como exemplos os seguintes acórdãos: STJ, REsp 1068904/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010; TJSP - 1ª Câmara de Direito Privado, Ap. nº 1073440-18.2014.8.26.0100, Rel. Des. Augusto Rezende, j. em 25/8/2015; TJMG – 10ª Câmara Cível, Ap. nº 1.0261.14.010716-8/001, Rel. Des. Anacleto Rodrigues, j. em 29/9/2015. 
[6] NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil Comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 271.

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A sucumbência em procedimentos judiciais necessários

Uma análise do Marco Civil da Internet