Leandro Cara Artioli

Raphael Furtado e Silva

A Lei Complementar (LC) nº. 160, de 07 de agosto de 2017, foi editada com o objetivo principal de acabar com a conhecida guerra fiscal de ICMS entre os Estados, disciplinando a forma como seriam convalidados/ratificados seus benefícios fiscais. Igualmente relevantes, foram incluídos os §§ 4º e 5º no art. 30 da Lei nº. 12.973/2014, que passam a classificar todos os benefícios fiscais (sentido lato) de ICMS como subvenções para investimento, desde que cumpridos determinados requisitos, gerando efeitos fiscais relacionados à incidência de tributos federais, inclusive com efeitos retroativos.
Conceitualmente as subvenções para custeio e para investimento são diferentes porque a primeira é utilizada para fazer frente aos custos e despesas correntes da pessoa jurídica, e a segunda tem como finalidade estimular o desenvolvimento regional, por meio de implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, com contabilização específica.
Atualmente há previsão expressa acerca da não incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as subvenções para investimento, desde que cumpridos determinados requisitos, daí a importância de sua correta classificação.
Em um cenário macro, sempre existiram os conflitos, de um lado, entre os Estados e Municípios para proporcionar o desenvolvimento regional mediante a concessão de benefícios fiscais nas mais variadas formas, e de outro, entre os subvencionados e a União sobre a incidência de tributos federais em virtude do conceito de subvenção para investimento.
Historicamente, vale lembrar que entre 1964 e 1976 não existia o conceito de subvenção para investimento em nosso sistema jurídico. Havia, porém, os conceitos de subvenções social e econômica na Lei nº. 4.320, de 17 de março de 1964, entendida como o auxílio financeiro do poder público à pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos, e subvenção para custeio na Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, cujo mandamento normativo determinava sua inclusão na receita bruta.
Em 15 de dezembro de 1976 foi publicada a Lei nº 6.404 (Lei das S.A.), que trouxe o conceito de subvenção para investimento sem, contudo, defini-lo. Referido enunciado apenas estabeleceu que os valores recebidos deveriam ser contabilizados em conta de reserva de capital, conotando o significado de transferência de capital, e não renda da pessoa jurídica.
A definição jurídica de subvenção para investimento só veio no ano seguinte, com o Decreto-Lei nº. 1.598/1977, como o auxílio recebido pela pessoa jurídica, mediante recursos diretos ou benefícios fiscais, inclusive isenção ou redução de impostos, como estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico.
Não houve definição do que deveria ser considerado empreendimento econômico, nem quais os requisitos necessários para que se considerasse implantado ou expandido, e muito menos o que seria considerado como estímulo.
Desde o Decreto-Lei nº. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, o contencioso administrativo assumiu papel fundamental no conflito entre contribuinte e fisco, que muitas vezes extrapolou os limites semânticos das expressões “estímulo”, “implantação”, “expansão” e “empreendimento econômico”. Considerando a vagueza e ambiguidade dessas palavras, o fisco sempre buscou restringir e dificultar as classificações dos benefícios como subvenções para investimento, exigindo os seguintes requisitos:
<ol type="i">
<li>
Mecanismos de controle: comprovação material, física, do investimento, inclusive com mecanismos de controle pelo Poder Público, fiscalizando a efetiva expansão ou implementação do empreendimento econômico;
</li>
<li>
Sincronia temporal entre recebimento e aplicação: os recursos deveriam ser imediatamente aplicados pelo subvencionado; não poderia haver significativo lapso de tempo entre recebimento e aplicação;
</li>
<li>
Vinculação quantitativa: os recursos recebidos deveriam ser proporcionais ao investimento realizado. Os recursos recebidos que excederiam ao montante aplicado, ainda que contabilizados adequadamente e não realizados, deveriam ser considerados como subvenção para custeio.
</li>
</ol>
Ao lado das disputas semânticas para classificação da subvenção, uma vez definida como de investimento, a não inclusão na apuração do lucro real (com reflexos na apuração da CSLL) decorreria, porém, da contabilização dos valores em reserva de capital, que só poderiam ser utilizados para absorver prejuízos ou incorporados ao capital social, de acordo com o Decreto-Lei nº. 1.598/1977.
Com a vigência da Lei nº. 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que introduziu o artigo 195-A na Lei das S/A, foi extinta a conta de reserva de capital e as subvenções para investimento passaram a ser registradas em conta de reserva de incentivo fiscal – espécie de reserva de lucros. Os valores passaram a transitar pelo resultado contábil, criando certa insegurança jurídica, ao menos na doutrina da época, quanto aos reflexos tributários no âmbito do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Contudo, as alterações dos critérios contábeis instituídos pela Lei n. 11.638/2007 não produziram efeitos nas relações jurídicas tributárias, especialmente nos critérios de apuração das bases de cálculo dos tributos federais em razão da extinção da conta de reserva de capital (art. 177, § 7º, da Lei das S/A).
Com a Lei nº. 11.941, de 27 de maio de 2009, as normas contábeis brasileiras passaram aos padrões contábeis internacionais (IFRS), que foi seguido pela Lei nº. 12.973/2014, atualmente em vigor e que regulamenta inteiramente a matéria. No âmbito tributário, o regime geral de apuração do IRPJ e da CSLL foi mantido – não tributação dos valores recebidos a título de subvenção de investimento, desde que, no encerramento do exercício, fossem transferidos para a Reserva de Incentivos Fiscais, espécie de reserva de lucros tratada no artigo 195-A da Lei das S/A. 
Em resumo, caso o contribuinte apure prejuízo contábil, ou lucro inferior ao valor recebido como subvenção, a lei determina que a composição da reserva de incentivos fiscais deve ocorrer à medida que forem auferidos lucros em períodos subsequentes. Caso o valor correspondente à subvenção de investimento seja distribuído aos sócios, via pagamento de dividendos ou redução de capital, deverá ocorrer a tributação sobre os valores distribuídos. 
No entanto, esse novo tratamento legislativo não encerrou as discussões sobre a classificação dos benefícios fiscais como subvenção para investimento ou subvenção para custeio.
A resiliência das autoridades administrativas na restrição do conceito de subvenção para investimento levou a Receita Federal do Brasil a registrar expressamente, por meio da Instrução Normativa nº. 1.556, de 31 de março de 2015, que não serão excluídos da apuração do lucro real quando não houver obrigatoriedade, na lei concessiva do benefício fiscal, “de aplicação da totalidade dos recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação ou expansão de empreendimento econômico, inexistindo sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos”. Atualmente essa previsão encontra-se na Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.700, de 14 de março de 2017.
A questão que se coloca atualmente é o efeito da LC 160/2017 nesse conflito, principalmente na dinâmica entre o conceito de subvenção para investimento e os elementos necessários para sua classificação.
O §4º incluído no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 estabelece que “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo”. Já o §5º prescreve que o “disposto no §4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados."
De forma bem abrangente, os benefícios fiscais de ICMS que foram aprovados pelo Confaz passaram a ser considerados como subvenções para investimento, e as autoridades fiscais e julgadoras ficaram proibidas de exigir, por meio de autuação ou decisões, outros requisitos ou condições não previstos no art. 30 da Lei nº 12.973/14.
Com relação especificamente aos benefícios fiscais de ICMS não aprovados pelo CONFAZ, a LC 160/2017 estabelece que só serão considerados como subvenção para investimento após o registro e depósito na Secretaria Executiva daquele órgão, pelos Estados, da documentação comprobatória correspondente aos atos concessivos das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais, conforme estabelece seu art. 10.
Essa classificação dos benefícios fiscais como subvenções para investimento é aplicável “inclusive” aos processos administrativos e judiciais ainda em curso. Dessa forma, a LC 160/17 trouxe argumentos para sustentar que tal classificação fiscal tem efeitos retroativos, ainda que o contribuinte não esteja discutindo a questão judicial ou administrativamente, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
Mas muitos benefícios fiscais não exigem expressamente que o subvencionado realize nenhuma contraprestação em termos de investimentos, tais como infraestrutura, contratação de empregados locais e aumento da receita em determinado período de tempo, o que causa uma aparente contradição entre o conceito de subvenção para custeio e a parte inicial do §4º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014.
A interpretação correta do §4º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 parece ser que os benefícios de ICMS “são considerados subvenções para investimento”, equiparando os conceitos de subvenção para custeio ao de investimento. Nessa linha, estaria encerrada a discussão a respeito da efetiva expansão ou implantação do empreendimento econômico, que permeia o contencioso tributário.
Isso é corroborado com a mensagem de veto nº 276, de 7 de agosto de 2017, em que a Presidência da República reconhece a equiparação das “subvenções meramente para custeio às para investimento, desfigurando seu intento inicial, de elevar o investimento econômico, além de representar significativo impacto na arrecadação tributária federal”. 
Essa interpretação faz sentido lógico-jurídico na medida em que a própria Constituição Federal, quando cria os objetivos e fundamentos do Estado, e delimita as competências, volta-se inteiramente ao desenvolvimento nacional e regional, inclusive em termos científicos, tecnológicos, com estímulos à pesquisa e inovação. Não se poderia imaginar qualquer benefício fiscal de ICMS concedido por Estado com o objetivo de retroceder, suprimir, reduzir ou atenuar o desenvolvimento socioeconômico de seu território. Todos os benefícios fiscais são voltados a estimular o desenvolvimento regional, que contempla não apenas a expansão ou implementação do empreendimento, mas também sua manutenção, ou seja, tudo para evitar que empreendimentos econômicos sejam extintos ou saiam daquela determinada região devido, entre outros casos, à crise econômica.
A questão é que os valores recebidos a título de subvenção para investimento devem ficar na pessoa jurídica, sem distribuição livre aos sócios ou acionistas. A intenção da lei é incentivar a pessoa jurídica no desenvolvimento regional e, para isso, tais valores devem integrar o universo de bens da própria pessoa jurídica.
Tanto é que o art. 30, inciso I da Lei nº 12.973/2014 determina que os recursos só poderão ser utilizados para absorver prejuízos e, desde que já tenham sido utilizadas as demais reservas de lucros, com exceção da reserva legal, e para aumentar o capital social. 
No contexto de diferentes posicionamentos entre Fazenda e contribuintes a respeito da classificação da espécie de subvenção, o §4º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 tornou explícita a ilegalidade da exigência de controle do investimento na lei concessiva do benefício fiscal e das disposições da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.700/2017 que, até agora, exigem a sincronia e vinculação do benefício fiscal.
Até aqui foi falado dos reflexos da LC 160/17 no conceito de subvenção para investimento relativamente ao ICMS (embora exista campo para discussão quanto às outras espécies tributárias). Quanto aos aspectos societários e contábeis, especialmente na obrigação de constituir reserva de incentivos fiscais, vale pontuar algumas importantes observações para benefícios ficais recebidos antes e depois da referida alteração legislativa.
Para a restituição do IRPJ e da CSLL pagos a maior nos anos-calendários 2017 e anteriores, a legislação deixou a lacuna se os contribuintes devem constituir, agora, reservas societárias de lucros no montante dos benefícios fiscais auferidos.
Em relação ao ano-calendário 2018 e seguintes, assumindo-se que ocorra o registro e depósito do benefício fiscal no Confaz, a norma permite que os contribuintes defendam a não-incidência de IRPJ e CSLL, mediante a constituição da Reserva de Incentivos Fiscais ao final do exercício.
Sobre o PIS e COFINS, o art. 1º, §3º, inciso X, da Lei nº 10.637/2002 e o art. 1º, §3º, inciso IX, da Lei nº 10.833/2003 expressamente retiram de suas bases de cálculo as subvenções para investimento. Para a restituição dos valores já recolhidos nos anos-calendários anteriores à LC 160/17 (assumindo que ocorra o registro e depósito do benefício fiscal no Confaz, quando aplicável) resta saber se as autoridades administrativas vão exigir a constituição da reserva de incentivos fiscais (e sua não distribuição aos sócios), embora não haja tal obrigação nos referidos dispositivos.
Assim, na vigência da LC 160/17 os contribuintes poderão ser beneficiados por essa importante equivalência dos conceitos de subvenção para investimento e de custeio, com efeitos retroativos inclusive nos processos administrativos e judiciais em curso, e deverão fazer seus planejamentos orçamentários considerando os aspectos societários e contábeis adequados para cada situação.

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JOTA

Contribuintes poderão ser beneficiados por equivalência dos conceitos de subvenção para investimento e de custeio

Subvenção para investimento – uma nova perspectiva?

Contribuintes poderão ser beneficiados por equivalência dos conceitos de subvenção para investimento e de custeio