Monica Bity

A implementação das leis de substância econômica – ou ES laws – integram o esforço da OCDE para mitigar os efeitos de regimes fiscais existentes em jurisdições que não tributam a renda - ou tributam a taxas nominais, que permitem que estruturas societárias sem atividade econômica efetiva aufiram lucros não compatíveis com a sua capacitação administrativa, gerencial e  operacional.
Estes regimes permitem que os lucros auferidos sejam desviados (shifted) das jurisdições onde são efetivamente gerados, e submetidos ao regime preferencial fiscal de países sem qualquer participação na cadeia produtiva.
Os efeitos nocivos tornaram-se evidentes após a crise 2009. Porém, o grande impulso para implementação das regras de substância econômica teve início em 2017 quando o Conselho da União Europeia estabeleceu um grupo de trabalho - Code of Conduct Group for business taxation – para investigação das políticas tributárias adotadas por um número relevante de países, com base em critérios de transparência fiscal.
A comparação entre a jurisdição de sede da sociedade -  e de contabilização dos lucros – e a jurisdição ou jurisdições onde, efetivamente, são desenvolvidas as atividades econômicas reais que geraram estes lucros, permitiu a verificação da existência de sociedades ou grupos com insuficiência – ou mesmo ausência -   de estrutura compatível com o valor ou a complexidade do patrimônio sob gestão.
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Como resposta, a partir de 2018 várias jurisdições incorporaram ES Laws em seu ordenamento interno determinando, como regra geral, a prestação de informações e declarações pelas sociedades às autoridades fiscais para comprovação dos requisitos de substância econômica, tais como, presença física, capacidade operacional compatível com patrimônio e ativos sob gestão, país onde se localiza o board ou órgão com poderes para tomada de decisões, etc.
Restabelecer o equilíbrio tributário e a recomposição das bases fiscais tornou-se fundamental para os países assolados pela crise orçamentária, e, portanto, um desafio para a OCDE, e foi com este propósito que foi criado o renomado Projeto Beps - Erosão de Base Tributária e Desvio de Lucros.
Neste contexto, o Brasil, como membro do G-20 participou das discussões e implementou algumas das medidas propostas, como os acordos firmados pelo Brasil para troca de informações (FATCA e CRS) e obrigatoriedade da declaração do beneficiário final à Receita Federal, embora, no que se refere aos investimentos internacionais, as regras de CFC pecam por não distinguir o lucro operacional ativo do lucro especulativo acumulado em paraísos fiscais.
<blockquote class="jota-article__eye">Com relação aos requisitos de substância econômica, as medidas do Brasil foram tímidas, iniciando-se em 2016, com as Instruções Normativas nºs 1.045 e 1.658 editadas pela Receita Federal, que incluíram, para identificação de países com regimes fiscais privilegiados, a ausência de atividade econômica substantiva.</blockquote>
Este ano, a novidade partiu do Banco Central ao introduzir mudanças relevantes na declaração sobre bens e ativos detidos no exterior – a denominada DCBE. Dentre as recentes mudanças, o declarante,  pessoa jurídica, deverá informar o número de empregados e se, de fato, exerce atividades operacionais no Brasil ou se transaciona quase exclusivamente com contrapartes residentes no exterior, seja por integrar grupo multinacional  desempenhando funções específicas para o conglomerado, seja por dedicar-se à gestão do patrimônio e investimentos dos seus sócios, quando os recursos para sua aquisição tiverem origem no exterior, como investimento estrangeiro no país.
Quando o declarante informa a titularidade de participações em sociedades no exterior, a DCBE passou a incluir, com relação às investidas, além dos dados contábeis e financeiros, anteriormente solicitados, novas informações a respeito das características operacionais da controlada, a saber: (i) número efetivo de empregados da sociedade no exterior em que o declarante possui participação no capital social; (ii) atividade econômica exercida de fato pela sociedade e suas controladas, e não mais apenas da sociedade no exterior em que o declarante detém a participação direta no capital social; e (iii) se as transações da sociedade são quase exclusivamente com pessoas ou empresas não residentes.
Podemos inferir que estas mudanças tiveram por finalidade permitir ao Banco Central a compilação de informações sobre as sociedades no exterior, controladas por residentes no país, exigindo do contribuinte identificar aquelas que (i) de fato, exercem  atividades operacionais  – como a produção, comercialização de produtos e/ou a prestação de serviços - na sede de seu domicílio, com contrapartes residentes na mesma jurisdição, e (ii) as que têm como função, quase exclusiva, canalizar recursos entre jurisdições distintas daquela de seu domicílio.
Estas informações - a exemplo das ES Laws instituídas pelas jurisdições de tributação favorecida - permitirão ao Banco Central identificar e quantificar o montante do investimento realizado por residentes em sociedades no exterior que não exercem, de fato, uma atividade operacional compatível no país de seu domicilio, significando mais um passo adotado pelo Brasil para alinhamento às regras e padrões da OCDE.
Resta saber quais serão os efeitos, na esfera fiscal, que a prestação destas novas informações pelo contribuinte ao Banco Central poderão resultar, ainda que a DCBE se justifique como uma pesquisa para coleta de dados estatísticos.
Pergunta-se:
Poderiam estas informações contribuir para a identificação das sociedades constituídas em países que não tributam a renda, sem atividade real no país de seu domicílio, caracterizada pela ausência dos requisitos de substância econômica, permitindo que uma outra jurisdição – ou mesmo o Brasil - possa pretender  reclamar o direito de tributar os lucros auferidos pela controlada no exterior? 
Poderá a apresentação da DCBE ser requisitada no âmbito de eventual auditoria fiscal a qual o declarante, pessoa natural ou jurídica, seja submetido?  
Servirão estas informações para a tributação dos lucros das sociedades offshore de titularidade de pessoas naturais, à medida em que forem auferidos, quando estas regras vierem a ser introduzidas no Brasil? 
De todo modo, os estudos e esforços se concentram em encontrar uma fórmula fiscal mais equilibrada, que busque alocar e proporcionalizar os lucros geograficamente, em função da função e da atividade econômica (vendas, ativos, funcionários) desenvolvida nas jurisdições em que atua a sociedade e dos riscos empresariais assumidos, eliminando os efeitos gerados pela existência de regimes especiais, que permitem o seu diferimento ou não tributação.
<blockquote class="jota-article__eye">Embora desafiador, muitas mudanças nas práticas internacionais antes consideradas utópicas, foram implementadas globalmente nos últimos anos e com sucesso, como exemplo, a identificação de beneficiários finais e a troca automática de informações fiscais.</blockquote>
Devem os contribuintes estar preparados para novas mudanças e iniciativas significativas para coibir situações artificiais onde não há substância alguma, e para o incremento da capacitação das autoridades fiscais de monitoramento e quebra de sigilo, e para os efeitos dos mecanismos de troca de informações fiscais, para evitar a desconsideração de estruturas ou entidades investidas no exterior.
A implementação de requisitos de substância econômica, em conformidade com os padrões internacionais, deve ser analisada à luz dos padrões de transparência fiscal atuais e da acelerada evolução destes critérios, em especial neste cenário de crise econômica e de queda da arrecadação.

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JOTA

Embora desafiador, mudanças nas práticas internacionais antes consideradas utópicas foram implementadas globalmente com sucesso

Substância econômica das sociedades no exterior e mudanças na Declaração CBE ao BC

Embora desafiador, mudanças nas práticas internacionais antes consideradas utópicas foram implementadas globalmente com sucesso