Fernando Peregrino

Rodrigo de Oliveira Leite

Este último governo foi marcado por diversas falhas e omissões na política de Ciência Tecnologia e Inovação (CTI), se é que seja possível afirmar que houve realmente uma política efetiva nessa área. De Negri et al. (2022) demonstraram que houve uma queda de quase 30% nos investimentos em CTI (de cerca de R$ 23 bi para cerca de R$ 16 bi) no período entre 2018 e 2021. Porém, dado que os aspectos fiscais e orçamentários são extremamente complexos de serem resolvidos nos curto e médio prazos, este artigo se foca numa proposta de redução de gargalos normativos, cuja possibilidade de implementação no curto prazo é maior, e trarão maior eficiência do sistema.
Antes, porém, algumas falhas e omissões desta atual política são importantes de serem ressaltadas. A primeira, e mais grave, é considerar a inovação viável sem o desenvolvimento concomitantemente da indústria nacional. Estudos alertam que a queda da complexidade da economia brasileira é assustadora, ou seja, o baixo emprego de tecnologia no sistema de produção. Segundo levantamento da Universidade de Harvard (disponível em <a href="https://atlas.cid.harvard.edu/">https://atlas.cid.harvard.edu/</a>), a complexidade da economia brasileira entre 1995 e 2019 caiu pela metade, enquanto a de países como Coreia do Sul subiu 6 vezes, a dos EUA ficou no mesmo nível. Já a da China subiu 3 vezes e a do Japão estabilizou-se no ponto máximo. Isso pode significar baixa demanda por tecnologia.
Nesse mesmo período, a participação da indústria brasileira de transformação caiu de 25%, nos anos 80, para 11% em 2020 no PIB. Externalidades como a queda de investimentos em Ciência e Tecnologia (C&amp;T) e a redução dos orçamentos das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) contribuem de forma decisiva para esse quadro, já que 95% da ciência brasileira provem das universidades, segundo estudo realizado pela Academia Brasileira de Ciências (Moura, 2019).
Um segundo aspecto muito importante é a questão da gestão exclusivamente estatal das iniciativas do Marco Legal. Todos reconhecem que as dificuldades naturais da Administração Pública, que tende a ser hierárquica, rígida e burocrática e que sofre, segundo o Ministro Bruno Dantas do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>, do “apagão das canetas” ou infantilização do gestor (Dantas, 2018). Ou seja, uma paralisia do gestor que se torna um agente passivo e dependente de consultas prévias aos órgãos de controle por medo de cometer alguma falha. A atividade de gerir projetos de inovação é empreendedora e de risco, não comporta hesitação nem padrões rígidos e omissão, mas tal risco dificilmente é admitido pela Administração Pública. Portanto, o uso do terceiro setor deve ser estimulado, como as Fundações de Apoio e as Organizações Sociais (OS), ambas complementares à Administração Pública, mas omitidas em muitas vezes dos relatórios dos órgãos de controle.
O primeiro ponto de extrema importância para uma nova Política de CTI é que esta deve ser estruturada com o objetivo de se reduzir a hipertrofia da burocratização que toma tempo da pesquisa realizada no Brasil para o preenchimento de diversos relatórios e documentos por parte dos pesquisadores. De acordo com estudo do CONFIES divulgado pela USP em 2021 (Escobar, 2021), 54% dos pesquisadores consultados avaliam que a burocracia na área de CTI aumentou nos últimos anos, mesmo com a edição do Marco Legal. Além disso, mais de 70% dos pesquisadores dizem gastar mais de 20% do tempo de trabalho com burocracia, ao invés de pesquisa. Isso cria um gargalo na produção acadêmica brasileira, pois se o tempo gasto pelos pesquisadores em burocracia caísse pela metade poder-se-ia aumentar o output de pesquisa em mais de 10%, isso sem o gasto de nenhum centavo dos contribuintes!
Uma das principais ações do novo governo, portanto, seria determinar que a prestação de contas de projetos relacionados a CTI deva ser simplificada, ou seja, que o relatório técnico preceda as formalidades, a não ser em caso de conflito de interesse. Esta norma está no Marco Legal e não vem sendo cumprida, até mesmo pelas sociedades de economia mista que aplicam recursos em P&amp;D.
Alguns outros gargalos normativos também merecem atenção. Por exemplo, a aprovação e publicação do Decreto 7423/2010, que está pronto na Casa Civil desde junho de 2022 deve ser uma das prioridades do novo governo. O decreto proposto pelo MEC e MCTI com apoio do CONFIES, simplifica e atualiza procedimentos importantes na área de CTI. Além disso, um outro ponto importante é revisar o Decreto 8241/2014 incluindo inovações e limites trazidos pela Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitação): contratação direta de R$ 40 mil para R$ 50 mil, assim como criar uma faixa para o cartão coordenador (pequenas compras) hoje de apenas R$ 20 mil para até R$ 200 mil de acordo com o valor do projeto, pois esses limites estão muito abaixo da realidade de diversos projetos, levando à dificuldade de implementação dos planos de pesquisa.
Finalmente, antes de elencarmos as 17 propostas que julgamos mais importantes para uma Nova Política de CTI, é de se ressaltar que a autonomia universitária foi repetidamente atacada pelo atual governo. Além da escolha de Reitores que não foram os primeiros colocados da lista tríplice, a Advocacia Geral da União acabou por emitir vários pareceres vinculantes que acabavam por diminuir a autonomia das Procuradorias das universidades nos mais variados temas. Portanto, é nossa sugestão que a AGU deve se abster de emitir parecer vinculante para as universidades em assuntos de inovação, uma vez que cada uma das IFES tem sua própria política e idiossincrasias individuais.
Assim sendo, ao se finalizar esta discussão elencamos as 17 propostas que julgamos mais importantes para o próximo governo; propostas esses que já foram entregues ao GT de Ciência e Tecnologia do Gabinete de Transição.
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<li>Fazer cumprir um conceito mais moderno de Prestação de Contas de uma pesquisa (inclusive para as sociedades de economia mista), ou seja, pacificar o artigo 58 do Decreto 9283/2018 que determina que a prestação de contas será simplificada e privilegiará os resultados obtidos.</li>
<li>Fundos Endowments: aprovação do PLC 158 atualmente no Senado para permitir o uso dos atuais incentivos fiscais aos doadores.</li>
<li>Tramitar o PLS 226/2016, recuperando as perdas dos vetos realizados ao Marco Legal.</li>
<li>Fazer com que as receitas próprias das IFES sejam excluídas do Teto de Gastos.</li>
<li>Expansão do Parágrafo 3º-A da Lei 8958/1994, ou seja, aplicação para todas as IFES e Fundações de Apoio e não apenas à FIOCRUZ.</li>
<li>Pacificar que as bolsas dos docentes não computam para as 416 horas da Dedicação Exclusiva.</li>
<li>Desfazer a MP 1112/2022, mais conhecida como MP da Sucata.</li>
<li>Fazer com que 1% da receita obtida pela União com concessões e privatizações seja direcionada aos Fundos Endowments das Universidades Federais.</li>
<li>Regulamentar que a Rentabilidade Financeira dos recursos dos convênios acima da Poupança se reverta para os Fundos Endowments (receita extra de cerca de R$ 400 milhões/ano para esses fundos).</li>
<li>Regulamentar que AGU se abstenha de emitir pareceres vinculantes sobre assuntos de inovação referente as IFES.</li>
<li>Instituir o direito a voz das IFES e Fundações de Apoio na Câmara de Ciência e Tecnologia da AGU.</li>
<li>CGU – atualizar o Convênio de 2017 sobre interpretações da legislação.</li>
<li>TCU – considerar o modelo híbrido das Fundações de Apoio e Núcleos de Inovação Tecnológica como forma de romper as barreiras burocráticas para esses últimos.</li>
<li>Adequar Plataforma + BRASIL para projetos de P&amp;D.</li>
<li>Realizar uma campanha de marketing sobre a importância de desburocratizar a atividade de pesquisa no Brasil.</li>
<li>Promover eventos com órgãos de controle para sensibilizá-los sobre a realidade e a particularidade da pesquisa no Brasil;</li>
<li>Fazer pesquisa de opinião entre os pesquisadores para medir o grau de burocratização das atividades de CTI no Brasil.</li>
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Referências
Dantas, B. (2018) O risco de ‘infantilizar’ a gestão pública. Jornal O Globo, 6 de janeiro de 2018.
De Negri et al. (2022) Política de CT&amp;I – orçamento e investimentos. Sindicato Nacional dos Servidores do IPEA (AFIPEA), 2022.
Escobar, H. (2021) Marco Legal de Ciência e Tecnologia completa 5 anos sem reduzir burocracia. Jornal da USP, 12 de janeiro de 2021.
Moura, M. (2019) Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil. Universidade Federal de São Paulo.
Universidade de Harvard (2022) The Atlas of Economic Complexity. Disponível em <a href="https://atlas.cid.harvard.edu/">https://atlas.cid.harvard.edu/</a>.

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Uma lista de 17 propostas