Pedro de Abreu Monteiro Campos

Isabella Toscano

As redes sociais afetaram profundamente as relações sociais e jurídicas. Esse fenômeno gera desafios complexos para a regulação da propriedade intelectual. Nesse contexto, a ideia de autoria é cada vez mais fluida, de modo que são comuns o consumo e o compartilhamento de obras online sem conhecimento da autoria ou dos limites impostos pelos direitos do criador.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Equivocadamente, muitos leigos acreditam que a publicação de uma obra nas redes sociais significa a renúncia aos direitos autorais. Porém, causa surpresa que interpretação similar tenha vindo de um Tribunal, em uma decisão que parece trazer mais erros que acertos em relação à leitura da Lei 9.610/98 (LDA – Lei de Direitos Autorais).
Em abril de 2019, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo havia proferido um acórdão no sentido de que obras não notórias apenas fariam jus à proteção legal caso houvesse identificação da autoria por meio de assinatura. Em julgamento ocorrido neste mês, o Superior Tribunal de Justiça houve por bem reverter o acórdão, em sede de Recurso Especial (REsp nº 1835162/SP).
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
No caso concreto, segundo narra o relatório do desembargador relator, um fotógrafo teve uma de suas obras reproduzida sem autorização por uma empresa de cosméticos. Buscando reparação por danos materiais e morais, o autor viu seu pedido negado pelo juízo de primeira instância, bem como pelo Tribunal de Justiça.
No acórdão, o relator justificou o posicionamento com base em três pontos: o primeiro é que a obra fora publicada em redes sociais; o segundo é que a fotografia retratava apenas uma paisagem comum “sem qualquer elemento distintivo”; e o terceiro é que a obra não estava assinada.
Para o colegiado, ao publicar a fotografia na internet, o autor “deu azo à circulação e utilização da imagem”. Trata-se de um argumento equivocado, tendo em vista que o artigo 29 da LDA e a Jurisprudência<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> são claros no sentido de que a utilização da obra depende de autorização prévia e expressa do autor. Logo, não se pode presumir que o autor de obra disponibilizada na rede mundial de computadores autoriza o seu uso, tendo em vista não ter havido manifestação expressa.
<blockquote class="jota-article__eye">Quanto ao segundo argumento – de que a fotografia era apenas de “uma paisagem comum, sem qualquer elemento distintivo” –, a LDA, em seu artigo 7º, VII, prevê expressamente que obras fotográficas são protegidas por direitos autorais. De fato, isso não significa que qualquer fotografia será protegida por direitos autorais – apenas as originais merecerão proteção<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.</blockquote>
É bem verdade que faltam parâmetros claros e precisos para definir se uma obra é suficientemente original a ponto de garantir seu direito de exclusividade. Entretanto, de certo, seria necessária profunda fundamentação para afastar a originalidade da obra.
Alegar genericamente que o objeto capturado era comum ou pouco distintivo parece o resultado de uma compreensão simplista da arte. O mais trivial dos objetos, como um <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/03/14/interna_diversao_arte,580402/voce-sabia-que-um-mictorio-mudou-o-rumo-da-arte.shtml">mictório</a>, ou uma <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/03/14/interna_diversao_arte,580402/voce-sabia-que-um-mictorio-mudou-o-rumo-da-arte.shtml">lata de refrigerante</a>, pode ser retratado de modo a se tornar uma valiosa obra de arte. A originalidade pode estar, por exemplo, nos aspectos técnicos da fotografia, não no objeto retratado. Independentemente dos pormenores do caso concreto, fato é que havia necessidade de melhor fundamentação para afastar a proteção legal.
Enfim, quanto ao terceiro ponto, o TJSP entendeu que a ausência de identificação do autor na obra implicaria na sua inclusão ao domínio público. No Acórdão, fundamenta-se a argumentação em uma interpretação inusitada dos artigos 12 e 13 da LDA.
Tais dispositivos tratam de liberalidades garantidas aos autores. O artigo 12 estabelece que o criador poderá – repita-se, poderá – identificar sua autoria com seu nome civil, completo ou abreviado, com pseudônimo ou com qualquer outro sinal convencional.
O dispositivo não cria uma condição para a proteção da obra, e sua redação é clara quanto à sua finalidade: dar ao autor a possibilidade de assinar sua obra, se quiser, de qualquer forma imaginável. É uma norma pensada para contemplar artistas como <a href="https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/a-incrivel-historia-de-quando-prince-trocou-seu-nome-por-um-simbolo-91m2od8xoo7twk0yokq7igh7b/">Prince</a>, que optava por ser reconhecido por um símbolo no lugar de um nome.
O artigo 13, por sua vez, determina que se considera autor, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo 12, tenha, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização.
O trecho “não havendo prova em contrário” é crucial para a correta interpretação do enunciado legal. Com esse texto, a lei reconhece a possibilidade de outras provas de autoria que não sejam a assinatura da obra, tais como o registro optativo. Ora, por que o legislador traria a previsão de outras provas de autoria, se a assinatura fosse uma condição necessária para garantir sua tutela? Trata-se de interpretação frágil e que carece de sentido.
Além de contraditória com a própria LDA, a interpretação sugerida aos artigos 12 e 13 seria inconstitucional por duas razões. A primeira é que feriria a liberdade artística, prevista no artigo 5º, IX, da CRFB/88, tendo em vista que o autor pode preferir não interferir na estética do trabalho com uma assinatura. A segunda é que fere o princípio da isonomia ao exigir a assinatura apenas de obras não notórias.
<blockquote class="jota-article__eye">E, aqui, cabe um adendo: como aferir notoriedade? A partir de caráter qualitativo ou quantitativo? Com base no público especializado ou geral? Em um contexto local, regional, nacional ou global? Esses breves questionamentos servem para demonstrar que a interpretação sugerida pela C. Turma, além de ferir a isonomia, criaria ainda mais insegurança ao ordenamento jurídico.</blockquote>
Portanto, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acertou ao reverter a decisão proferida e comentada acima. Nas elucidativas palavras da relatora ministra Maria Isabel Galloti, proferidas no <a href="https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=1835162&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO">inteiro teor da decisão</a>, “se a parte seleciona aleatoriamente uma fotografia sem identificação do autor para usá-la em seus materiais publicitários, assume o ônus de remunerar quem se apresenta como autor e prove a condição. No caso, a autoria ficou assentada no acórdão recorrido, que contém menção expressa ao respectivo registro na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro”.
Por fim, o Tribunal Superior ainda esclareceu uma importante distinção. O artigo 45, II, da LDA, determina que as obras de autoria desconhecida são pertencentes ao domínio público. Porém, o conceito de autoria desconhecida se refere à sociedade em geral, não a quem utilizou a obra. Ou seja, conforme explicou a ministra relatora, “o fato de a autoria do retrato ser desconhecida de quem o utilizou, ou de quem quer que o veja, não significa que a fotografia seja objetivamente desconhecida para efeitos daquele artigo”.
Em um mundo digital, garantir segurança e proteção aos autores é essencial para que possam promover seus trabalhos, facilitando o acesso à arte, sem receio de terem suas obras indevidamente utilizadas por terceiros. Assim, o Acórdão proferido pelo STJ no REsp nº 1835162/SP, em 07/08/2020, e aqui comentado, cria um importante precedente ao Direito do Autor brasileiro.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CHALHUB, Daniel, CID, Rodrigo, CAMPOS, Pedro. Propriedade Intelectual na Indústria Criativa. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2019.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AgInt no AgInt no AREsp 775.401/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 11/04/2019).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BARBOSA, Pedro M. N. Originalidade em crise. IBDCivil. Disponível em: &lt;<a href="https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/204">https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/204</a>&gt;.

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JOTA

TJSP entendia que fotografia publicada em rede social sem assinatura não merecia proteção

STJ: obra não assinada também é protegida por direitos autorais

TJSP entendia que fotografia publicada em rede social sem assinatura não merecia proteção