Renata Oliveira

Leandro Felix

Luciana Souza

Em decisão recente, a 3ª Turma do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ) manteve o bloqueio judicial dos ativos de um fundo de investimento em participação (FIP) em prol de um credor, por conta de dívida contraída por um dos cotistas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
No caso, a empresa credora ajuizou ação de execução visando receber valor devido por uma sociedade limitada detentora de cotas de um FIP, cujo principal ativo consistia na participação acionária de uma companhia holding. Tanto o juiz de primeira instância quanto o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo</a> entenderam que a credora logrou demonstrar o abuso de direito por parte da sociedade limitada (e cotista do FIP), determinando, assim, a desconsideração inversa da sua personalidade jurídica, para incluir o FIP no polo passivo da execução e, com isso, bloquear o seu patrimônio.
Para além das discussões propriamente de cunho jurídico, a decisão recente — e até então inédita — do STJ precisa ser analisada com cuidado, para fim de não causar maiores alvoroços quanto ao seu alcance ou interpretações equivocadas sobre o racional em que a decisão se baseou. Afinal de contas, a decisão do STJ deveria ser motivo de pânico ou preocupação para os investidores que detêm cotas de fundo de investimentos? Deveriam eles tomar alguma medida de precaução ou até mesmo providenciar o saque dos valores investidos nos fundos, a fim de evitar perdas patrimoniais decorrentes de dívidas de terceiros?
A primeira constatação que deve ser feita ao leitor-investidor é que a decisão do STJ não tem aplicação geral e irrestrita, mas se limita àquele caso específico. Além disso, ela foi proferida considerando peculiaridades bastante próprias do caso analisado e, portanto, tem aplicação prática limitada, não podendo servir como parâmetro para quaisquer ações judiciais envolvendo dívidas contraídas por cotistas de todo e qualquer fundo de investimento. A decisão do STJ não dá, portanto, uma carta-branca para que credores passem a requerer o bloqueio do patrimônio detido por fundos de investimento a fim de satisfazer débitos de terceiros.
A lei determina que um fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. Grosso modo, um fundo de investimento opera da seguinte forma: investidores aportam capital no fundo, que é convertido em contas distribuídas aos investidores proporcionalmente ao montante por eles investido. O capital aportado é aplicado pelo administrador do fundo em títulos e valores mobiliários, com o intuito de obter lucro aos investidores. Uma vez que um investidor aplica um determinado montante no fundo, ele passa a deter direito tão somente sobre as cotas por ele detidas — e não sobre o patrimônio do fundo como um todo.
A questão que surge da recente decisão do STJ é a seguinte: se cada investidor tem direito apenas ao capital por ele investido, e não sobre o patrimônio total do fundo, como, no caso em questão, o STJ determinou que o patrimônio do FIP poderia ter sido bloqueado para responder por dívida de um de seus cotistas que extrapola a sua quota-parte?
O STJ entendeu que o fato de os fundos serem constituídos sob a forma de condomínio e serem entes despersonalizados não impediria, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, caso comprovado abuso de direito. No caso analisado, o bloqueio judicial do patrimônio do fundo ocorreu porque o STJ entendeu ter havido “comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico”.
No caso analisado, embora inicialmente o FIP detivesse apenas um cotista, constatou-se que parte das cotas foi transferida à empresa integrante do mesmo grupo econômico por valores ínfimos, para fins de blindagem patrimonial, o que resultou em confusão patrimonial e desvio de finalidade. Além do mais, no momento da constrição, o FIP tinha como cotistas apenas duas empresas, integrantes do mesmo grupo econômico, de tal forma que a constrição sequer violaria bens e direitos de terceiros.
A situação, como se vê, era bastante específica. Trata-se de fundo fechado, constituído, segundo a decisão, para fins fraudulentos, e cujos únicos dois cotistas eram empresas do mesmo grupo econômico, que realizaram transferências de cotas entre si por valores irrisórios, para blindar patrimônio do alcance dos credores.
A decisão do STJ não inviabiliza a escolha de fundos de investimentos quando o investidor estiver montando a sua carteira, nem aumenta os riscos desses investimentos, não trazendo qualquer preocupação adicional em termos de segurança que possa levar investidores a evitarem aportes futuros ou realizarem saques precipitados dos valores já investidos. De modo geral, aportes em fundos de investimento por investidores privados continuam a estar, via de regra, protegidos de bloqueios por dívida de outros cotistas, e a decisão do STJ não altera esse cenário. Os fundos de investimento — uma opção que tem atraído um número cada vez maior de investidores, sobretudo após a expansão das plataformas de investimento — continua uma opção viável e que pode ser considerada por aqueles que pretendem diversificar a sua carteira.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;num_registro=202102191479">REsp n. 1.965.982/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 8/4/2022.</a>

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JOTA

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