STJ em números - parte IV

Ações de improbidade no STJ: o que se condena?

Corte aumenta significativamente a taxa de condenação por improbidade

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Fachada do Superior Tribunal de Justiça. Crédito: Carlos Felippe/STJ

Hoje damos sequência à publicação da série STJ em Números: Improbidade Administrativa, realizada pelo Grupo de Pesquisa do IDP[1] a partir de mais de 700 decisões colegiadas do Superior Tribunal de Justiça entre os anos de 2005 e 2018. 

Essa parte da pesquisa foi direcionada ao conteúdo das ações de improbidade administrativa e ao seu percurso decisório até o julgamento final pelo STJ. Quais são as principais acusações apresentadas pelo Ministério Público nas ações de improbidade: enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou ofensa a princípios? E quais são as causas mais frequentes de condenação pelo Judiciário? O STJ, como última instância, tende a diminuir ou aumentar as condenações dos tribunais de segunda instância? Essas e outras indagações serão respondidas a seguir.

De início, cabe lembrar que os atos de improbidade administrativa foram divididos pela Lei 8.429/92 em três grupos: enriquecimento ilícito do agente público (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) e ofensa aos princípios da administração pública (art. 11).

A hipótese de enriquecimento ilícito consiste na utilização da função pública para obter vantagem patrimonial indevida. São os casos, por exemplo, de recebimento de propina e utilização de bens ou serviços públicos em benefício pessoal.

A lesão ao erário configura-se quando o agente público, embora não obtenha vantagem patrimonial indevida para si, cause prejuízo aos cofres públicos com possível enriquecimento indevido de terceiros. São exemplos o superfaturamento de obras e a venda de bem público por preço inferior ao de mercado.

O último tipo de improbidade está caracterizado quando o agente público atenta contra os princípios da administração, tais como publicidade, impessoalidade e moralidade. A título exemplificativo, são as situações de negar publicidade a atos oficiais e frustrar a licitude de concurso público.

A pesquisa identificou que 52,93% das ações de improbidade apresentam a acusação de ofensa aos princípios da administração, enquanto 37,56% alegam prejuízo ao erário e 9,51% sustentam enriquecimento ilícito do agente público. Importante esclarecer que nas hipóteses em que se imputou mais de um tipo de improbidade, a pesquisa considerou sempre o mais grave. Portanto, as acusações de enriquecimento ilícito em conjunto com lesão ao erário, por exemplo, foram contabilizadas como enriquecimento ilícito. Da mesma forma, as imputações de lesão ao erário cumuladas com ofensa a princípios foram consideradas no grupo de lesão ao erário. A imagem abaixo detalha o resultado:

Assim, menos de 10% das ações de improbidade tratam de enriquecimento ilícito, enquanto mais de 50% das acusações são de ofensa a princípios.

O gráfico a seguir mostra as acusações por improbidade no decorrer do tempo. É possível perceber que nos últimos anos houve um gradativo aumento da utilização das demandas baseadas em ofensa a princípios, e uma redução das demandas por enriquecimento ilícito e lesão ao erário.

A pesquisa investigou também o comportamento decisório dos tribunais de segunda instância e constatou que 62,92% das demandas por improbidade geram absolvição pelos Tribunais de Justiça (TJs) e Tribunais Regionais Federais (TRFs), enquanto 37,08% resultam em condenação. As causas de condenação são: 15,48% por enriquecimento ilícito, 47,22% por lesão ao erário e 37,30% por violação a princípios da administração.

A taxa de condenação, contudo, aumenta consideravelmente no âmbito do STJ. Enquanto 37% das demandas chegam à corte com condenação, 49% deixam o tribunal condenados. Portanto, após a apreciação do STJ o quadro final é de uma condenação a cada duas ações de improbidade.

A título de comparação, uma pesquisa realizada pelo CNJ[2] identificou que 48% dos processos de competência do tribunal do júri, i.e, restritos aos crimes dolosos contra a vida, resultam em condenação. Considerando que as ações de improbidade envolvem os mais variados assuntos da administração pública (contratação de pessoal, prestação de serviços, publicidade de atos administrativos, celebração de parcerias), a taxa de condenação de cerca de 50% pode ser tida como bastante elevada.

Foi possível identificar ainda que a 2ª Turma do STJ apresenta taxa de condenação de 52,50%, frente a 45,06% da 1ª Turma.

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A pesquisa verificou que, após o crivo do STJ, 14,4% das condenações foram por enriquecimento ilícito (ante 15,48% em segunda instancia), 51,2% foram por lesão ao erário (ante 47,22%) e 34,4% por violação a princípios da administração pública (ante 37,30%).

Foi então possível comparar os tipos de improbidade que constavam nas petições iniciais com aqueles que resultaram em condenação definitiva. A improbidade por enriquecimento ilícito corresponde a 9,51% das acusações e 14,40% das condenações. Os casos de lesão ao erário sobem de 37,56% das imputações para 51,2% das condenações, ao passo que a ofensa a princípios cai de 47,22% das imputações para 34,4% das condenações.

O gráfico seguinte retrata essa mesma conclusão sob outra perspectiva. Das condenações de segunda instância que sofreram reforma pelo STJ para absolver, 35,9% envolviam enriquecimento ilícito, 30,85% violação a princípios da administração e 26,05% lesão ao erário. Logo, os condenados por enriquecimento ilícito tendem a ter mais chances no STJ do que os condenados por lesão ao erário.

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Analisamos também se existe diferença das causas de condenação entre a justiça estadual e a justiça federal. Foi possível constatar que os TJs condenam mais por violação a princípios do que os TRFs (38,53% x 29,41%) e menos por lesão ao erário (45,87% x 55,88%). Os casos de enriquecimento ilícito não mostram diferença significativa.

A pesquisa analisou ainda quais tribunais estaduais tiveram, proporcionalmente, mais condenações afastadas pelo STJ. Foram considerados apenas os tribunais com no mínimo seis condenações apreciadas pela corte superior. O TJ de São Paulo foi a corte estadual que teve mais condenações transformadas em absolvição (40% das condenações). Em seguida aparecem os tribunais do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná, todos com taxa de reforma para absolver de mais de 30%.

Resumo das constatações

  • Menos de 10% das ações de improbidade trazem acusação de enriquecimento ilícito, enquanto mais de 50% das demandas são apenas por ofensa a princípios;
  • Nos últimos anos houve um aumento do uso de ações por ofensa a princípios;
  • A cada duas ações de improbidade uma resulta em condenação;
  • O STJ aumenta significativamente a taxa de condenação por improbidade: 37% das demandas chegam à corte com condenação e quase 50% saem com condenação;
  • A 2ª Turma condena mais do que a 1ª Turma (52% ante 45%);
  • Os condenados por enriquecimento ilícito tendem a ter mais chances de absolvição no STJ do que os apenados por lesão ao erário;
  • Os tribunais de justiça condenam mais por violação a princípios do que os tribunais regionais federais;
  • O Tribunal de Justiça de São Paulo foi a corte estadual que teve mais condenações transformadas em absolvição pelo STJ (40%).

[1] A pesquisa contou com a participação dos seguintes pesquisadores: Pedro Paulo Alves Corrêa dos Passos, Liana Claudia Hentges Cajal, Túlio da Luz Lins Parca, Dijeison Tiago Rios Nascimento, Rafael Bonassa Faria, Matheus Soares Salgado Nunes de Matos, Isis Negraes Mendes de Barros e Renan Carvalho Teodoro. Comentários, críticas ou questionamentos podem ser encaminhados para gt.improbidade@gmail.com.

[2] https://www.cnj.jus.br/pesquisa-revela-que-tribunal-do-juri-condena-48-dos-reus/logo-jota

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