Bruce Bastos Martins

Recentemente a 2ª Turma do STJ decidiu, no Resp nº 1.759.081, que os autos fossem remetidos ao tribunal de origem para que se avalie questões atinentes ao direito tributário internacional quanto à retenção do imposto de renda (IRRF) nas remessas para o pagamento de serviços técnicos e de assistência técnica destinadas a país com o qual Brasil possui acordo de bitributação.
Em um dos pontos centrais do voto, o ministro Mauro Campbell, relator do processo, disse que “os tratados podem vir acompanhados de protocolos que estabelecem a ampliação do conceito de ‘royalties’ a qualquer espécie de pagamento recebido em razão da prestação de assistência técnica e de serviços técnicos”, logo “haver ou não transferência de tecnologia é desinfluente para a aferição da norma tributária aplicável”.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>A respeito destes protocolos, é preciso lembrar que há uma chave hermenêutica nos acordos de bitributação sem a qual não se compreende o seu sentido ordinário (ordinary meaning). Esta chave é o significado de “contexto”.
O signo “contexto” consta no art. 3 dos acordos e participa da definição dos demais termos jurídicos, quando estes não estão definidos no acordo de bitributação. Como estes acordos dos quais participa o Brasil seguem a estrutura dos acordos da Convenção Modelo da OCDE (CM-OCDE), vejamos o que dispõe o art. 3(2) da CM-OCDE:
“2. No que diz respeito à aplicação da Convenção a qualquer momento por um Estado Contratante, qualquer termo não definido na mesma, salvo se o contexto impor de outra forma ou as autoridades competentes concordarem com um significado diferente, em conformidade com as disposições do artigo 25, terá o significado que tenha, naquele tempo, sob a lei desse Estado para os fins dos impostos aos quais a Convenção se aplica, qualquer significado sob as leis fiscais aplicáveis desse Estado prevalecendo o significado dado ao termo sob outras leis desse Estado.” (grifei)
Ou seja, o primeiro signo jurídico para o qual o intérprete deverá dirigir suas atenções, de sorte a conhecer o significado com o qual definirá semanticamente os demais signos do acordo, é o signo “contexto”. Mas o que significa “contexto”?
O signo “contexto” do art. 3(2) da CM-OCDE possui um significado mais amplo do que o signo “contexto” do art. 31(2) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, este identificado como contexto intrínseco (internal context). O seu significado alcança também os critérios de interpretação dos arts. 31(3), 32 e 33 da CVDT, que constituem o significado de contexto extrínseco (external context).
Assim, nas palavras de Luís Flávio Neto, o “contexto” referido no art. 3(2) da CM-OCDE significa uma “‘coleção’ de evidências (formulação constitutiva) capazes de servir de argumento quanto ao sentido contextualizado dos termos dos acordos de dupla tributação, de modo a promover o efeito útil e a interpretação harmônica deste, com a observância das normas de fundamental importância de ambos os Estados contratantes (formulação funcional), que não se confunde com os elementos indicados pela formulação diferencial aduzida no parágrafo anterior.”
Por sua vez, o signo “royalties” do art. 12(2) da CM-OCDE possui um significado exemplificativo, que não se confunde com o significado do signo “royalties” da legislação brasileira<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. É uma relação de “contrapartida pelo uso ou direito de uso de qualquer direito autoral de obras literárias, artísticas ou científicas, incluindo filmes cinematográficos, bem como qualquer patente, marca comercial, projeto ou modelo, plano, fórmula ou processo secreto ou para obter informações sobre experiências industriais, comerciais ou científicas”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Como é preciso levar em conta o sentido comum (ordinary meaning) ou sentido contextualizado, os Comentários da CM-OCDE trazem evidências legais que participam do significado de “royalties” pela chave de interpretação do art. 3(2) da CM-OCDE. Nestes comentários identifica-se o termo “know-how” como constitutivo da definição do termo “royalties”, no que diz respeito ao tratamento a ser dado para os contratos de prestação de serviço<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O sentido contextualizado impõe ao significado de “royalties” uma relação de contrapartida pela transferência de “know-how” ou capital tecnológico, necessariamente, nos contratos de prestação de serviço, incluindo nos de serviço técnico e de assistência técnica. Esta é definição imposta pelo contexto.
Mas e os protocolos citados pelo ministro Mauro Campbell?
De acordo com o ADI RFB nº 5/2014, a remessa para pagamento dos serviços técnicos e de assistência técnica prestados por empresa residente em país com o qual o brasil possui acordo de bitributação classifica-se como lucro (art. 7 da CM-OCDE), devendo o IR ser recolhido para o Estado de residência do contribuinte.
<blockquote class="jota-article__eye">Mas, havendo protocolo no acordo conferindo a esta remessa igual tratamento ao despendido para royalties, então assim será classificado, devendo o IR ser recolhido para o Estado de fonte da renda, ou seja, no Brasil.</blockquote>
Acontece que o significado de contexto, como vimos, ainda assim impõe a transferência de “know-how” como nota conceitual do termo “royalties”, nos termos do art. 3(2) da CM-OCDE. Não se isolam os protocolos, portanto, do alcance interpretativo imposto pelo sentido contextualizado do signo “royalties” constante do art. 12(2) dos acordos de bitributação.
Por esta razão a norma do IRRF só deverá incidir sobre a remessa para pagamento de serviços técnicos e de assistência técnica destinada a país com o qual o Brasil possui acordo de bitributação na constância de contratos que também transfiram o “know-how”, independente do tratamento dado pelos protocolos.
Em última análise, quando na definição dos termos constantes dos acordos de bitributação, deve o STJ levar em conta o significado de “contexto” do art. 3(2) da CM-OCDE, enquanto conjunto de evidências legais capazes de estruturar argumentos dirigidos para promover o efeito útil dos acordos de bitributação, bem como a sua interpretação contextualizada, sem violação das normas internas fundamentais.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Decreto nº 7.030/2009.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 370)
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> NETO, Luís Flávio. Direito Tributário Internacional: “Contextos” para Interpretação e Aplicação de Acordos de Bitributação – Série Doutrina Tributária Vol. XXI. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 209
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Constante da 10ª edição da versão condensada de 2017.

Corte Especial

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JOTA

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