Fernanda Gueiros Bernardes

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<p>Na <a href="https://www.jota.info/qual-e-o-prazo-prescricional-para-a-cobranca-de-demurrage-de-conteiner">coluna do mês de junho</a>, escrevi sobre o acirrado debate doutrinário e jurisprudencial, inclusive dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto ao lapso prescricional para cobranças de demurrage de contêineres. Através de acórdão publicado em 04.09.2015, a 2ª Seção do STJ decidiu: quando decorrente do transporte unimodal (marítimo) [1], a prescrição é de 5 anos, quando houver entre as partes disposição contratual sobre informações e critérios para o cálculo de demurrage, nos termos do artigo 206, §5o, I do Código Civil, e de 10 anos, quando inexistir previsão, conforme o artigo 205 do mesmo diploma.</p>
<p>O julgamento é oriundo do REsp no 1.340.041/SP. Partes e advogados envolvidos no processo viram o decisum ser modificado 3 vezes após a prolação da sentença, em 2010. O caso é um bom exemplo da insegurança jurídica que se vive na esfera marítima, não só em causas de demurrage, mas em diversas outras, em virtude da falta de leis e o desconhecimento sobre a área no Brasil.</p>
<p>A autora, uma transportadora marítima internacional, apresentou ação de cobrança, visando receber montante relativo à sobre-­estadia de contêineres na qual incorreu a ré, a empresa consignatária da carga. O juiz de primeiro grau extinguiu o processo, julgando o pleito prescrito, visto que decorrido mais de 1 ano. Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, julgando procedente a cobrança, sob fundamento de que o prazo aplicável não seria de 1, mas de 3 anos, nos termos do art. 206, §3o, V do CC.</p>
<p>No STJ, o recurso especial foi provido monocraticamente, restabelecendo a sentença de mérito que aplicou a prescrição ânua. A transportadora marítima então interpôs agravo. O Ministro Relator reformou a sua decisão, concluindo que a prescrição seria, na verdade, de 5 anos. Ante a interposição de um novo agravo no agravo, a 3a Turma do STJ afetou o julgamento do REsp à 2a Seção.</p>
<p>A decisão, como já era de se esperar, não foi unânime. Venceu o voto do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhado pelos Ministros Marco Buzzi, Moura Ribeiro, Maria Isabel Galloti e Antonio Carlos Ferreira. O relator asseverou as diferenças entre os transporte multimodal e unimodal de cargas e rechaçou a possibilidade de interpretação analógica de prazos prescricionais no ordenamento jurídico brasileiro.</p>
<p>O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino apresentou voto­-vista divergente, no qual defendeu a tese do prazo ânuo. O ministro sustentou que o prazo aplicável aos transportes multimodal e unimodal deve ser o mesmo, por tratarem do mesmo fato, a demurrage. Segundo ele, prazos longos não se coadunam com a dinâmica do comércio marítimo. Acompanharam o seu voto os Ministros João Otávio de Noronha e Raul Araújo.</p>
<p>O acórdão foi assim ementado:</p>
<p>RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE</p>
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<p>COBRANÇA POR SOBRE­ESTADIA DE CONTÊINERES. TRANSPORTE MARÍTIMO. UNIMODAL. "TAXA" DE SOBRE­ESTADIA PREVISTA CONTRATUALMENTE. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 206, §5o, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PRAZO PREVISTO NOS ARTS. 8o DO DECRETO­LEI No 116/1967 E 22 DA LEI No 9.611/1998. IMPOSSIBILIDADE. 1. Ação de cobrança de valores relativos a despesas de sobre­estadia de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal). Acórdão recorrido que afastou tese defensiva de prescrição ânua da pretensão autoral.</p>
<p>2. Recurso especial que reitera pretensão da demandada (afretadora) de que se reconheça prescrita a pretensão da autora (armadora) a partir da aplicação ao caso, por analogia, do prazo prescricional de 1 (um) ano de que tratam os arts. 8o do Decreto­Lei no 116/1967 e 22 da Lei no 9.611/1998.</p>
<p>3. Para as ações ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, o prazo prescricional, apesar da revogação do Código Comercial, permanece sendo de 1 (um) ano, haja vista a existência de expressa previsão legal nesse sentido (art. 22 da Lei no 9.611/1998).</p>
<p>4. A diferença existente entre as atividades desempenhadas pelo transportador marítimo (unimodal) e aquelas legalmente exigidas do Operador de Transporte Multimodal revela a manifesta impossibilidade de se estender à pretensão de cobrança de despesas decorrentes da sobre­estadia de contêineres (pretensão do transportador unimodal contra o contratante do serviço) a regra prevista do art. 22 da Lei no 9.611/1998 (que diz respeito ao prazo prescricional ânuo aplicável às pretensões dos contratantes do serviço contra o Operador de Transporte Multimodal).</p>
<p>5. Além disso, as regras jurídicas sobre a prescrição devem ser interpretadas estritamente, repelindo­se a interpretação extensiva ou analógica. Daí porque afigura­se absolutamente incabível a fixação de prazo prescricional por analogia, medida que não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica, cuja preservação se espera desta Corte Superior.</p>
<p>6. Por isso, em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre­-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o prazo prescricional (art. 206, §5o, inciso I, do Código Civil). Caso contrário, ou seja, nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica­se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos.</p>
<p>7. No caso, revela­se inequívoco o acerto da Corte local ao concluir pela não ocorrência da prescrição, haja vista que (i) a devolução dos contêineres deu­se entre os dias 10/9/2008 e 16/10/2008 e (ii) a ação de cobrança foi ajuizada em 5/5/2010, muito antes, portanto, do decurso do prazo de 5 (cinco) anos.</p>
<p>8. Recurso especial não provido.</p>
<p>Diante da lacuna de lei, o Ministro Relator sugeriu, no fim de seu voto, a remessa do inteiro teor do acórdão ao Poder Legislativo para subsidiar projetos de lei sobre o tão debatido prazo prescricional. Vale lembrar que, sobre o tema, já tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, os Projetos de Lei nº 1.572/11 e nª 487/13. Ambos propõem o lapso de um ano para a cobrança de sobre­estadia de contêiner. Assim, embora por ora assentado, o debate ainda promete.</p>
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<hr />
<p>[1] Para as ações decorrentes do transportes multimodal de cargas (que utiliza, por meio de um só contrato, duas ou mais modalidades de transporte), o artigo 22 da Lei no 9.611/98 estabelece o prazo prescricional de 1 ano.</p>
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Port_Santos

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JOTA

Prescrição depende de disposição prévia sobre o cálculo de demurrage

STJ define prazo prescricional para cobrança de demurrage (sobre-estadia) de contêiner

Prescrição depende de disposição prévia sobre o cálculo de demurrage