Ettore Zamidi

É fundamental para a segurança pública e jurídica que haja uma forma eficaz de rastreamento de ilícitos perpetrados pela internet a fim de que responsáveis possam responder por seus atos.
Contudo, avanços tecnológicos e pequenas alterações na arquitetura da internet, mais especificamente o uso de IP compartilhado através do CG – NAT44, o qual permite que até milhares de usuários acessem à internet através de um único IP, cada usuário acessando a rede através de uma <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/direito-digital-portas-logicas-de-origem-dificuldade-de-identificacao-e-o-caos-juridico-26102016" target="_blank" rel="noopener">porta lógica distinta</a>, têm sido utilizados como escusas por alguns provedores que tentam se eximir de sua responsabilidade como agentes, de acordo com suas atividades, nos termos da Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI).
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Muito embora muitos tribunais já venham reconhecendo a obrigatoriedade de ambos os provedores de conexão e provedores de aplicação de armazenarem e, quando ordenados pelo poder judiciário, <a href="https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI282150,81042-Da+porta+logica+de+origem+e+o+posicionamento+do+Poder+Judiciario" target="_blank" rel="noopener">fornecer tais dados</a>, ainda há alguns magistrados e órgãos colegiados que divergiam deste entendimento.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, tribunal guardião das leis federais no país, em julgamento do Recurso Especial de número 1.784.156/SP, assentou, em votação unânime, o entendimento de que ambos os provedores de conexão e provedores de aplicação devem armazenar e fornecer os dados da porta lógica de origem, por força do MCI.
Os votos dos Ilustres Ministros Marco Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas Cueva são didáticos e lecionam matéria do Direito Digital com tamanho brilhantismo que é difícil selecionar e limitar qual trecho dos votos aqui transcrever.
Em seu voto, o Ínclito Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator do Recurso Especial julgado explicou em detalhes a arquitetura da internet:
“Essa obrigação de guarda de dados do acesso foi ainda repartida entre os provedores de conexão e os provedores de aplicações. Evidenciando a preocupação constante com o respeito à privacidade no ambiente virtual, vedou-se a guarda dos dados de acessos a aplicações aos provedores de conexão. Noutros termos, aos provedores de conexão somente cabe a guarda dos dados de conexão (IP, data e horário), tornando impossível, apenas com esses dados, se conhecer a atividade completa do internauta, enquanto efetivamente conectado à rede mundial (art. 14 da Lei n. 12.965/2014). Do mesmo modo, cada provedor de aplicação somente poderá – e deverá – manter registros de acesso e de cadastro (quando houver) daquele que esteve conectado a sua aplicação, sendo igualmente vedado manter os dados da navegação, salvo consentimento do titular dos dados (art. 16 da Lei n. 12.965/2014).
Nesse cenário, tem-se, na prática, uma repartição das informações de navegação: i) o provedor de conexão, ao habilitar um terminal para envio e recebimento de dados, atribui a ele um IP e registra o momento em que iniciada, interrrompida e encerrada a conexão, e ii) cada provedor de aplicação registra o acesso dos IPs, momento de início e final, à sua própria aplicação. Desse modo, a totalidade da navegação da cada internauta dependerá da remontagem de cada uma das aplicações acessadas ao longo de uma única conexão.
O IP, portanto, embora inicialmente atribuído pelo provedor de conexão, segue sendo sucessivamente registrado por cada um dos provedores de aplicação por onde transita o internauta ao longo de sua conexão com a rede mundial de computadores, o que, a princípio, permitia a correta identificação de quem fosse o responsável pela disponibilização de conteúdo ofensivo em ambiente virtual.” 
E mais adiante o Ilustre Relator complementa:
“Noutros termos, ainda que o legislador, ao estabelecer a obrigação de guarda dos dados de acesso à aplicação tenha se referido apenas aos respectivos registros de acesso (art. 15 da Lei n. 12.965/2014), os quais, por sua vez, conforme a definição do art. 5º, VIII, se restringe à data e hora de uso “a partir de um determinado endereço IP”, enquanto não se restabelecer a relação de individualidade dos IPs é preciso que se entenda incluída no endereço IP a correspondente porta lógica de origem, em razão da indissociabilidade entre as duas tecnologias para o efetivo acesso individualizado à internet e às aplicações. Do contrário, a adoção da tecnologia paliativa resultaria no esvaziamento da lei, tornando inviável a identificação e responsabilização desses sujeitos.”
Em igualmente ilustrativo voto, a ínclita Ministra Nancy Andrighi afirmou que “pelo cotejamento dos diversos dispositivos do Marco Civil da Internet mencionados acima, em especial o art. 10, caput e § 1º, percebe-se que é inegável a existência do dever de guarda e fornecimento das informações relacionadas à porta lógica de origem.”
Importante consignar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à obrigatoriedade de se armazenar dados suficientes para a identificação de usuário, especialmente pelo prazo prescricional de eventual ação de reparação civil, conforme voto da Ministra Nancy Andrighi:
“...é de amplo conhecimento que esta Corte Superior firmou entendimento de que as prestadoras de serviço de internet, como as demais empresas, estariam sujeitas a um dever legal de escrituração e registro de suas atividades durante o prazo prescricional de eventual ação de reparação civil, dever que tem origem no art. 10 do Código Comercial de 1850, e atualmente encontra-se previsto no art. 1.194 do Código Civil, abaixo transcrito:
Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.
Conjugando esse dever de escrituração e registro com a vedação constitucional ao anonimato, nos termos do art. 5º, IV, da CF/88, os provedores de acesso à internet devem armazenar dados suficientes para a identificação do usuário...”
E mais adiante a Douta Ministra acrescenta que “[a]firmar que que não há obrigação de guarda ou fornecimento da porta de origem consiste em fechar os olhos deliberadamente para os mecanismos essenciais que fazer a internet funcionar.”
Do mesmo modo, o ilustre Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva lecionou sobre a adequada interpretação da lei:
“...tenho por impossível não perfilhar a orientação de que a interpretação teleológica de todo o conjunto de disposições do Marco Civil da Internet leva à conclusão de que, independentemente da referência expressa, no inciso VIII do art. 5º da referida lei, apenas à expressão "endereço de IP", é inegável a existência do dever de guarda e fornecimento - tanto pelos provedores de aplicação quanto pelos de conexão - das informações relacionadas às respectivas portas de origem a ele atreladas em virtude da utilização do sistema NAT como solução alternativa e paliativa à não conclusão da implementação do sistema IPv6 no país.”
Espera-se que, com o entendimento assentado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça os tribunais estaduais passem a adotar o mesmo entendimento a fim de se evitar a interposição de recursos para o Superior Tribunal de Justiça, o que é muito bem-vindo, haja vista a essencialidade do fornecimento da porta lógica para a identificação de terminais e usuários quando o IPV4 é compartilhado.

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JOTA

Provedores de aplicação devem armazenar e fornecer os dados da porta lógica segundo a Corte Superior

STJ assenta entendimento sobre a porta lógica

Provedores de aplicação devem armazenar e fornecer os dados da porta lógica segundo a Corte Superior