Otávio Vilela

O recente precedente do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) sobre os limites da intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas avança, também, sobre a litigância de revisão de atos administrativos. Ele reafirma a jurisprudência e a prática de também se respeitar a discricionaridade da Administração Pública, fixando limites para não ingressar no mérito do ato, mas revisar ilegalidades.  
O STF encerrou o julgamento do Tema 698 de Repercussão Geral[1], que versava sobre os limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado no que se refere à área da saúde. Ao divergir do relator, o ministro Luís Roberto Barroso proferiu o voto vencedor e delimitou que: “a questão que se coloca é perquirir se essa intromissão do Poder Judiciário, com a amplitude realizada pelo acórdão recorrido, é legítima e constitucionalmente adequada”, revelando atenção às críticas do ativismo (ou anarquismo) judicial.  
Para fundamentar a decisão, o ministro cita julgados da Corte que admitem a intervenção do Judiciário – os quais conforme o Tema admitido e decidido, tratam da implementação de políticas públicas. No entanto, ao discorrer em seu voto sobre a amplitude da intervenção do Judiciário e, justamente, ao fixar os parâmetros dessa intervenção e limitar a amplitude, a Corte encontrou, em certa medida, a ratio decidendi da revisão dos atos administrativos.  
Segundo o STF, “é importante a construção de parâmetros para permitir uma atuação efetiva e organizada do Poder Judiciário, com vistas à concretização de direitos fundamentais, respeitado o espaço de discricionariedade do administrador para a definição e implementação de políticas públicas”.  
Especificamente em relação às agências reguladoras, há pelo menos duas décadas a jurisprudência do STF é no sentido de que o Poder Judiciário deve respeitar a sua autonomia e independência, como decidido na ADI 4874 (2018): “não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese conferida por uma Agência ao seu próprio estatuto legal, simplesmente substituí-la pela sua própria interpretação da lei (...)”.  
O objetivo é que a revisão dos atos administrativos não configure violação à separação dos poderes, de forma que o Judiciário não ingresse no mérito (discricionário) das agências. Ainda na ADI 4874, haverá a deferência “desde que a solução a que chegou a agência seja devidamente fundamentada e tenha lastro em uma interpretação da lei razoável e compatível com a Constituição”.  
Ambos os julgados revelam que o Judiciário deve respeitar a discricionaridade da Administração Pública, mas sendo o caso de ela incorrer em ilegalidade, o Judiciário poderá intervir. Seria o caso, por exemplo, de descumprir as obrigações constitucionais de respeitar a duração razoável do processo, o dever de fundamentar as decisões ou de garantir o acesso à saúde.  
Para a revisão dos atos administrativos, não havia uma regra específica de qual comportamento o Judiciário deveria adotar ao rever o ato, se não fosse o caso de deferência. Agora, para a implementação das políticas públicas, o STF solucionou o problema. O Judiciário deverá, ele próprio, identificar na ordem constitucional o resultado pretendido pela intervenção, determinando que a Administração Pública apresente e implementa o modo pelo qual o atingirá.  
A partir do voto do ministro Luís Roberto Barroso, a Corte optou por aderir a “um modelo ‘fraco’ de intervenção judicial em políticas públicas, no qual, apesar de indicar o resultado a ser produzido, o Judiciário não fixa analiticamente todos os atos que devem ser praticados pelo poder público, preservando, assim, o espaço de discricionariedade do mérito administrativo”.  
Esse “modelo ‘fraco’”, ao que tudo indica, já está presente na revisão dos atos administrativos. Pesquisas empíricas revelam que a taxa de revisão é muito pequena, na ordem de 11,30% no STF[2] e de 9,77% no TJRJ[3]. Os dados sugerem ainda que essa revisão está, em maior parte, atrelada a vícios formais e procedimentos do ato revisado, não ingressando no mérito do ato.  
A deferência à independência do poder decisório da Administração Pública, quando não se tratar de ato viciado, ao menos em números absolutos já é a prática do Poder Judiciário. Como de praxe, cabe aos patrocinadores das causas destacarem sua demanda, seu ato impugnado, do restante da massa.  
Mas até o momento, em que não há precedente relacionado ao tema da revisão, nos parece certo que o limite da intervenção do Judiciário já está em prática. No entanto, quanto ao comportamento subsequente ao da autorização da intervenção, também caberá ao Judiciário determinar nova ação da Administração Pública com base no resultado a ser atingido, ou poderá o julgador revisar o ato de imediato, sanando a ilegalidade? 
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1 Disponível em: <a class="Hyperlink SCXW122837424 BCX0" href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4237089" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4237089</a>. Acesso em 17 de julho de 2023. 
2 JORDÃO, Eduardo Ferreira; REIS, Vinícius Cardoso; CABRAL JR., Renato Toledo. O controle das agências reguladoras federais no STF como instância recursal: um estudo empírico. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, vol. 11, n. 1, p. 122-155, jan./abr. 2020. 
3 JORDÃO, Eduardo; CABRAL JR., Renato Toledo. A teoria da deferência e a prática judicial: um estudo empírico sobre o controle do TJRJ à Agenersa. REI – Revista Estudos Institucionais, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 2, p. 537-573, dez. 2018.

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