Luiz Carlos Santos Junior

Em 18/11/2019, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tst">TST</a>), ao julgar o incidente de assunção de competência (IAC nº 2), fixou a seguinte tese: “É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm">Lei 6.019/74</a>, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".
Inicialmente, impende destacar que o incidente de assunção de competência é um precedente vinculante, de aplicação obrigatória, que busca uniformizar o entendimento de determinado tribunal sobre questões relevantes de direito, com grande repercussão social, sobre a qual não haja a repetição em múltiplos processos, de forma a auxiliar a Corte a manter a sua jurisprudência estável, íntegra e coerente.
Devido à sua eficácia vinculante e a jurisdição do TST, a tese fixada está sendo aplicada em todo o território nacional, independentemente da participação de todos os sujeitos dos processos atingidos pelo precedente. Para que seja conferida legitimidade constitucional<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> a este padrão decisório, é imprescindível que tenha havido a ampliação do contraditório, garantindo-se, assim, a democratização na formação da decisão, que pode se dar, por exemplo, por meio da participação dos amicus curiae.
Resultante do corolário do contraditório, essa ampliação subjetiva da comparticipação de outros atores na formação do precedente é essencial para a validade democrática, e, pois, constitucional deste, porquanto com o advento do Estado democrático de Direito surge a necessidade de assegurar a todos os grupos sociais que podem vir a ser afetados pela eficácia vinculante de um determinado padrão decisório um espaço garantidor de participação com influência na formação daquela decisão judicial.
A esse respeito, nos autos do ARE 1331863, o qual tem como objeto o recurso extraordinário em face do mérito da tese que exclui da trabalhadora temporária o direito à estabilidade provisória da gestante, o procurador-geral da República opinou em parecer pelo conhecimento e provimento do agravo supra, reconhecendo o interesse e legitimidade do terceiro prejudicado para interposição de recurso contra tese fixada em incidente de assunção de competência, consignando:
<blockquote class="jota-article__citation">“Os pressupostos processuais do interesse e da legitimidade são extraídos do conjunto de atos do incidente que visam atingir o contraditório substancial e a pluralidade argumentativa da decisão, em especial porque a parte do processo sobrestado pelo incidente será diretamente afetada pela tese jurídica fixada”.</blockquote>
Em episódio recente, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, em homenagem ao princípio da paridade de armas, devolveu a palavra a uma advogada após o Ministério Público ultrapassar o tempo de sustentação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o que demonstra que, conquanto o TST tenha ampliado o contraditório por meio da participação dos amicus curiae no procedimento de formação da tese fixada em IAC, houve a violação do princípio da paridade de armas no processo<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, porquanto a despeito da existência de grupos sociais vulneráveis e com menor poder socioeconômico que seriam afetados pela norma jurídica, fora deferida a participação de maior número de representantes dos interesses daqueles que detêm superior poderio econômico.
Nesse contexto, ululante que houve um desequilíbrio de forças em prejuízo aos interesses dos grupos mais vulneráveis, os quais defendiam a estabilidade provisória da gestante em contratos temporários, visto que apenas a Contraf e Fetec/CUT-SP atuaram em seu interesse como amicus curiae, enquanto os interesses contrários foram defendidos pela ASSERTTEM, FENASERHTT e Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de obra e Trabalho Temporário no Estado do Paraná.
Logo, advoga-se que a existência de vantagem é inegável, considerando que o TST tinha um dever de estabelecer um equilíbrio entre os que são admitidos a participar do processo, buscando distribuir e contrapesar os participantes selecionados que se manifestariam em favor de cada posicionamento, pois só assim seria possível assegurar a necessária igualdade que precisa se fazer presente no processo. Vale lembrar que a determinação do caráter democrático de uma decisão, segundo Dworkin, exige uma participação igualitária que é essencial na democracia participativa<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Outra questão que merece destaque concerne à legitimidade do TST para estabelecer precedentes vinculantes do texto constitucional, uma vez que a tese fixada restringiu o alcance do art. 10, II, b, da ADCT, em que pese o Legislativo ainda não tenha regulamentado a matéria e à revelia do verdadeiro guardião da Constituição, o <a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>. Uma coisa seria o TST interpretar a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm">Lei 6.019/74</a> e afirmar que o contrato temporário não implica a existência de um contrato de trabalho e, por isso, não incidiria a estabilidade provisória à gestante. Outra coisa é restringir diretamente a aplicabilidade de um dispositivo constitucional, e, principalmente, de forma contrária ao que vem decidindo o STF<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Nesse sentido, impende destacar que a competência para julgar recursos de decisões que afrontam direta e literalmente à Constituição não confere ao TST a legitimidade para estabelecer precedentes vinculantes de dispositivo da Constituição Federal, precedentes estes que serão aplicados em todo o território nacional, pois, assim atuando, usurpa função precípua do STF. Imprescindível realizar esse distinguishing.
Ressalta-se que o presente artigo aborda única e exclusivamente a possível incompetência do TST para fixar precedentes vinculantes do texto constitucional, não restando qualquer oposição quanto à interpretação do texto constitucional em processos subjetivos. Corrobora o exposto o fato de o próprio STJ não realizar a interpretação direta do texto constitucional, considerando que na justiça comum é possível a interposição de recurso extraordinário da decisão de segundo grau diretamente ao STF. Ou seja, não haveria razão da existência da Suprema Corte se todos os Tribunais Superiores puderem estabelecer precedentes de caráter vinculante do texto constitucional.
Para que não reste a menor dúvida sobre a competência do STF, chama-se atenção para o fato de estar pendente de julgamento por esta Corte a aplicabilidade da estabilidade provisória da gestante às trabalhadoras em cargo em comissão contratadas pela Administração Pública, matéria registrada sob o Tema nº 0542<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Desta sorte, irrazoável entender que o STF possui a competência para julgar esse caso, mas não a aplicabilidade da estabilidade provisória à gestante do trabalho temporário.
Por todo o exposto, tem-se que o precedente examinado carece de legitimidade constitucional para viger no ordenamento jurídico, seja porque não observou o princípio da igualdade e da paridade de armas quando do contraditório ampliado, ensejando em desvantagem para a parte evidentemente hipossuficiente que possuiu menor número de representantes defendendo os seus interesses, seja porque estabelecido por instância incompetente, já que cabe ao STF a função precípua de guardião da Constituição.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Câmara, Alexandre de Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. 1ª. ed. - São Paulo: Atlas, 2018.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.migalhas.com.br/quentes/363268/paridade-de-armas-fux-devolve-palavra-a-advogada-apos-mp-passar-tempo">https://www.migalhas.com.br/quentes/363268/paridade-de-armas-fux-devolve-palavra-a-advogada-apos-mp-passar-tempo</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>  Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here? cit., p. 134. DWORKIN, Ronald. The partnership conception of democracy... cit., p. 457.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> RE 634.093-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 06/2/2011; RE 287.905, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator para acórdão Min. Carlos Velloso, Segunda.; RE 597.989-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 28/03/2011;
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> “Direito de gestante, contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória”.

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

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JOTA

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