Julia Mello Neiva

Gabriel Mantelli

Rafael Giovanelli

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira (5) uma ação (ADPF 623) que questiona decreto presidencial que modificou a composição e o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, responsável por estabelecer normas para o controle da qualidade ambiental, em todo o país.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação, argumenta que, ao limitar excessivamente a participação da sociedade civil no Conselho, o decreto nº 9.806/2019 viola o direito à participação popular direta na formulação de políticas públicas e o princípio de proibição de retrocessos institucionais e socioambientais, colocando em risco o direito das gerações presentes e futuras ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Violando o espírito democrático que inspirou o texto constitucional, o decreto reduziu de 93 para 23 o número de assentos no colegiado. A medida extinguiu vagas reservadas a povos indígenas, comunidades tradicionais e instituições científicas, bem como reduziu, proporcionalmente, o número de representantes ambientalistas. Ao mesmo tempo, fortaleceu a presença do governo federal, que passou a deter 43% dos votos - maior proporção já vista na história do Conama.
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Indiscutível que as mudanças na organização do Conama resultaram em graves consequências no panorama de votações. Além disso, possibilitou o alijamento das entidades não-empresariais de etapas importantes do processo deliberativo, por possibilitar, ao menos em tese, sua exclusão de instâncias auxiliares do plenário, como as câmaras técnicas, que são os principais espaços de qualificação do processo deliberativo do colegiado. Por fim, o decreto fulminou a natureza democrática do Conama por acabar com a eleição para a escolha dos representantes das entidades ambientalistas.
<blockquote class="jota-article__eye">A drástica alteração na composição do Conselho se traduz em grave prejuízo à ordem democrática. A Constituição Federal, em seu artigo 193, parágrafo único, incumbe ao Poder Público, expressamente, o dever de assegurar a efetiva participação social na formulação de políticas públicas.</blockquote>
Por se tratar de dispositivo inserido nas disposições gerais do Título da Ordem Social, a regra se aplica, obviamente, ao Capítulo do Meio Ambiente, trazendo um parâmetro expresso para o controle de constitucionalidade do Decreto 9806.
O artigo 225, da Constituição, por sua vez, ao impor à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, criou um direito correlato de participação na formulação de políticas ambientais, afinal, o dever constitucional da coletividade de defender o meio ambiente só pode ser cumprido se for conferida, à sociedade civil, a possibilidade de participar das tomadas públicas de decisão. Por fim, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que, no Brasil, tem status supralegal, serviu de fundamento para a Corte Interamericana afirmar que o Poder Público tem o dever de assegurar a participação social na formulação de políticas ambientais (Opinião Consultiva 23/2017).
O acúmulo de poder nas mãos do Executivo Federal abre caminho para um controle absoluto sobre as votações do colegiado. Em um contexto de reiteradas e sistemáticas violações a direitos humanos e ambientais, esse controle absoluto é visto com grande preocupação.
Aliás, essas alterações desarrazoadas na composição do Conama já estão trazendo prejuízos concretos à sociedade brasileira. Vejam, por exemplo, a revogação das Resoluções 284/01, 302/02 e 303/02. Uma dessas resoluções tratava do licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação, que são um dos principais vetores de consumo de água no país. Subitamente, deixamos de ter regras para gerir os impactos desses empreendimentos, o que aumenta a pressão sobre nossos escassos recursos hídricos.
Outra resolução tratava da proteção das restingas, que são ecossistemas fundamentais para proteger o litoral brasileiro do avanço de processos erosivos e de inundações, sobretudo num contexto de mudanças climáticas.
A terceira resolução buscava proteger os reservatórios artificiais de água, tanto os que fornecem água para abastecimento, como os que permitem a produção hidrelétrica. Esse caso foi tratado na ADPF 747. Não sem razão, por unanimidade, o plenário do STF anulou as revogações, destacando a natureza “discricionária e voluntarista” do processo deliberativo do atual Conama.
Esse desequilíbrio representativo - aliado ao desrespeito a direitos fundamentais que perpetuam o equilíbrio ecológico - frisa a inconstitucionalidade do decreto, que desvanece a figura das entidades como representantes da sociedade civil e de seus interesses. Tendo como relatora a ministra Rosa Weber, a ADPF 623, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, conta com um extenso rol de amici curiae, que inclui organizações da sociedade civil como o WWF, a  Conectas, o Instituto Socioambiental (ISA), o Observatório do Clima, a Transparência Internacional-Brasil e a Rede de ONGs da Mata Atlântica, assim como a OAB e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA).
Em seu voto-relator, a ministra decidiu pela anulação do decreto editado em maio de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, incorporando muitos dos argumentos apresentados pelas organizações da sociedade civil do movimento ambientalista e de direitos humanos. O desfecho da ação, em consonância com decisão em caso similar sobre o CONANDA (ADPF 622), deve priorizar a participação popular e a garantia do Estado Democrático de Direito, em que direitos humanos e socioambientais são indissociáveis.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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Amazônia

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JOTA

Supremo começou a julgar legalidade do decreto que modificou a composição e o funcionamento do Conama

STF pode fortalecer a democracia ambiental

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