Kleber Cabral

Em julgamento iniciado na última quinta-feira (4), o relator do RE 612.043, Ministro Marco Aurélio Melo, decidiu pela limitação da representação das associações civis aos associados à data da propositura. O Recurso Extraordinário foi proposto pela Assejuspar, associação de servidores da Justiça do Paraná. Em razão da repercussão geral reconhecida pelo STF, a ação atraiu interesse do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN na condição de amici curiae, certamente em lados opostos. Para a Advocacia Geral da União e para a FEBRABAN interessa obviamente restringir ao máximo a quantidade de beneficiários das ações coletivas propostas pelas associações, de forma a minimizar prejuízos decorrentes de derrotas na Justiça.
A legitimidade das associações civis para atuarem como substitutas processuais em ações coletivas já consta dos livros de Direito há décadas a partir de célebres processualistas como Candido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, dentre outros. A jurisprudência reconhecendo tal legitimidade estava pacificada no STJ há mais de 10 anos, inclusive dando idêntico tratamento a sindicatos e associações. Até que a decisão do STF no RE 573232, adotando a divergência aberta pelo Ministro Marco Aurélio Mello, deu azo a uma inédita interpretação sobre o inciso XXI do art. 5º da CF/88: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.
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Naquele caso concreto, o recurso havia sido interposto por um particular que pretendia executar título obtido por uma associação da qual não era associado. Tratava-se de um caso muito peculiar, em que a Associação do Ministério Público de SC (ACMP) havia ajuizado a ação judicial com procurações individuais. Foi considerado que aquele não associado estaria “pegando carona” em título judicial alheio. Embora a associação não fosse sequer parte no RE 573.232, acabou-se discutindo a legitimidade processual da associação. Naquela decisão, o Ministro Marco Aurélio já esboçara sua visão sobre o tema, com efeitos extremamente restritivos quanto ao alcance e à efetividade das ações coletivas.
O caso agora discutido no RE 612.043 é distinto, mas o relator, também o Ministro Marco Aurélio, fez em seu voto diversas referências ao caso do RE 573.232, e repisou o entendimento de que o verbo “representar” contido no inciso XXI do art 5º da CF delimita a legitimidade das associações civis, que não poderiam, na sua visão, atuar como substitutos processuais, mas apenas por representação processual.
Na prática, estaria extinta a figura da ação coletiva para as associações civis, ressalvados apenas os sindicatos, cuja legitimidade extraordinária o Ministro Marco Aurélio reconheceu.
Sempre se compreendeu que a Constituição Federal é uma carta política, e que o verbo “representar” (art. 5º, inciso XXI) deve ser interpretado em sentido amplo, assim como se diz que o Congresso Nacional deve representar a vontade do povo. O preâmbulo da CF diz: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte ...”. E logo depois: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ...”.
Obviamente não estava ali o constituinte fazendo distinção entre os institutos jurídicos da representação processual e da substituição processual, no intuito de restringir a atuação das associações. A única exigência é de que exista uma autorização expressa dos associados, como por exemplo por meio de uma assembleia geral. Segundo o relator, deve constar na peça inicial dos processos a listagem com nome e endereço dos filiados, o que era rotineiramente dispensado pelas demais instâncias quando se tratava de ação coletiva. E, por conseguinte, só podem se beneficiar da sentença favorável os que eram associados à data da propositura.
Caso prevaleça esse entendimento, o Judiciário será entulhado de novas ações, individuais ou de pequenos grupos, tratando sobre o mesmo tema, na contramão da tendência de modernização e ampliação dos instrumentos de prestação jurisdicional do Estado, dos quais a ação coletiva sempre se destacou como peça fundamental.
Além disso, haverá um dano irreparável em relação aos que confiaram na Justiça, muitas vezes sem condições de apresentar agora uma nova ação individual, lembrando que, no Brasil, os processos levam em média 15 anos para percorrer as 4 instâncias.
O argumento repetido pelo Ministro Marco Aurélio de que existem “paraquedistas” que entram nas associações depois das ações ganhas, fazendo eco aos argumentos da AGU, não se sustenta. Bastaria para evitar tal expediente limitar os efeitos da coisa julgada àqueles que se associaram até o transito em julgado, apenas aos que se associaram durante a tramitação da ação de conhecimento.
Essa ginástica interpretativa tem como objetivo final limitar a quantidade de beneficiários das ações judiciais promovidas pelas associações civis em geral que tratem de assuntos de consumidores, tributários, trabalhadores, proteção aos idosos, saúde, patrimônio histórico ou cultural, enfim, toda sorte de direitos coletivos aptos a serem defendidos por associações civis.
Ganham com essa tese os maiores devedores do Brasil, ao que se sabe, os bancos e a própria União, campeã de litígios no Judiciário. Perde a sociedade civil organizada, que deixará de ter nas associações civis um fundamental braço de interlocução com o Poder Público e de proteção aos direitos dos cidadãos. Esperemos que o STF reaja e não tenhamos de voltar aos bancos das escolas de Direito!

STF_Campanha_Internacional_Maio_Amarelo

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JOTA

Ginástica interpretativa tem como objetivo final limitar a quantidade de beneficiários 

STF pode dar guinada contra ação coletiva de associações

Ginástica interpretativa tem como objetivo final limitar a quantidade de beneficiários