Priscila Seifert

Sem imagens, sem debates em tempo real, sem transmissão ao vivo pela TV Justiça, o plenário virtual foi responsável pelo record de produtividade do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2020: de um total de 5.654 processos julgados pelo Plenário, 5.530 foram julgados em sessões virtuais, pelo plenário virtual, método de julgamento não-presencial, opaco e assíncrono.
De acordo com o VIII Relatório Supremo em Números<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, Direito- Rio, entre 1988 a 2018, apenas 1% dos processos submetidos ao Supremo foram julgados de forma presencial e com o debate real entre os julgadores. O restante foi julgado em plenário virtual ou por meio de inclusão de listas de processos, que pouco merecem a atenção da mídia. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Esses dados evidenciam a predominância do plenário virtual como método de julgamento da Corte antes mesmo de sua ampliação irrestrita em 2020<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Diante desse contexto, o objetivo de nosso singelo artigo é refletir sobre os efeitos colaterais da utilização dessa metodologia em relação a publicidade das decisões judiciais.
Pode-se afirmar que a publicidade está entre as mais importantes garantias da democracia, pois tem se mostrado um instrumento eficaz no controle da exação dos juízes no cumprimento de seus deveres e em respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos das partes. Da publicidade, em síntese, dependem a credibilidade e a confiança que a sociedade deve depositar na justiça.
Para Simone Schreiber (2008:411)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, a publicidade tem dupla natureza. É garantia do réu, uma vez que inerente ao devido processo legal e ao princípio do acusatório, e, ao mesmo tempo, elemento do processo judicial, relacionada com a exigência de transparência e com o controle democrático de atuação do Poder Judiciário.
Nessa direção, é importante mencionar que a Constituição da República estabelece que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem” (art.5º, LX) e que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Nos parece nítido que a Constituição consagra a publicidade dos atos processuais e das audiências judiciais. Para Schreiber (idem), o fim propugnado pelo constituinte é a possibilidade de pleno acesso da população aos locais em que se realizam as audiências e as sessões de julgamento pelos diversos órgãos do Poder Judiciário e ainda às informações contidas nos autos processuais (nos quais ficam documentados os procedimentos, atos das partes, provas produzidas e decisões judiciais). A realização desse fim depende não apenas de abstenção estatal (não impedir indevidamente o acesso), mas também de prestações positivas (viabilizar materialmente o acesso da forma mais ampla possível). Sob essa perspectiva, a publicidade das decisões judiciais está intimamente ligada ao acesso à justiça.
Nesse contexto, indagamos se o plenário virtual atende à demanda constitucional por transparência no funcionamento do judiciário? Pensamos que a publicidade dos processos judiciais constitui uma virtude democrática, pois amplia o âmbito restrito dos processos judiciais ao domínio público. Nessa direção, a opacidade dos trâmites processuais, salvo em situações excepcionais nas quais o sigilo é necessário, é quase sempre antidemocrática, ao passo que a publicidade, se não é sempre democrática, é evidente que não é necessariamente antidemocrática<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
<blockquote class="jota-article__quote jota-article__eye">Seja como for, algumas questões intrigantes, de acordo com a nossa visão, estão diretamente associadas à publicidade dos julgamentos do Supremo. Em que medida o plenário virtual pode ser uma alternativa à disposição do Supremo para escapar dos holofotes da TV Justiça?</blockquote>
A submissão ao plenário físico, ou a sessão presencial, passaria a ser uma forma de pautar à mídia e de dialogar com os demais poderes e com a sociedade? É legítimo valer-se estrategicamente das sessões virtuais e das sessões presenciais para controlar o resultado dos julgamentos da Corte?
A ausência do debate ou de divulgação prévia da pauta de julgamento tem como consequência direta a ausência da publicidade. Fora do plenário físico e longe dos holofotes da mídia, não temos nenhuma garantia acerca da publicidade do julgamento, dos votos, dos debates suscitados por advogados, ou por terceiros intervenientes, enfim, do processo decisório do Supremo. Sob esse aspecto, o plenário virtual representa um grande retrocesso.
E não é só: perde-se também em qualidade. Teoricamente, o julgamento proferido em uma sessão virtual é colegiado. No entanto, o que se passa, em realidade, é que o resultado do julgamento, embora colegiado, se dá pelo somatório dos votos, ou seja, daqueles que acompanharam e não acompanharam o relator. Dessa forma, também não há nenhuma garantia acerca da qualidade dos fundamentos da decisão. Pode ocorrer, por exemplo, que tenhamos um resultado unânime, sem unanimidade de fundamentos.
A ausência de debate, marcou, por exemplo, o julgamento da ADPF nº 779, por meio da qual o Supremo declarou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra, ainda utilizada a favor dos réus, normalmente homens, nos Tribunais do Júri. Embora o tema seja de grande relevância social por envolver o feminicídio, a violência institucional de gênero e o machismo, pouco se divulgou sobre o teor do julgamento.
Chegamos ao fim de nosso singelo artigo com muitas perguntas e ainda poucas respostas, mas conscientes de que é fundamental, em termos democráticos, problematizar a legitimidade das decisões proferidas no âmbito do plenário virtual, afinal de contas, elas podem interferir fortemente na política do país e na vida dos brasileiros, podendo, inclusive, não refletir a vontade da maioria.
<div id="teste3-99b6e4ed7825b47581be" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm();</script> 
<script type="text/javascript">
setTimeout(function(){
 const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n")
 const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c")
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 check.addEventListener("click", function() {
 if (check.checked){
 btn.disabled = false;
 btn.style.opacity = 1;
 } else {
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 }
 });
}, 3000);
</script> 
-----------------------
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>&lt;<a href="http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/29679">http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/29679</a>&gt; Acesso em 07.06.2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> &lt;<a href="https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Emenda53.pdf">https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Emenda53.pdf</a> &gt; Acesso em 07.06.2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>SCHREIBER, Simone. A publicidade opressiva de julgamentos criminais. Uma investigação sobre as consequências e formas de superação da colisão entre a liberdade de expressão e informação e o direito ao julgamento criminal justo, sob a perspectiva da Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro / RJ: Renovar, 2008, p. 412.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> GAVALDÀ, Josep; BERNARDO, José María; e PELLISSER, Nello (Org.). Justicia y Representación Mediática. Madrid / Espanha: Biblioteca Nueva, 2001.

brasil-sessao-stf-20190529-001-copy

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Algumas reflexões sobre o Supremo, o plenário virtual e a publicidade das decisões judiciais

O STF é pop, mas o plenário virtual não

Algumas reflexões sobre o Supremo, o plenário virtual e a publicidade das decisões judiciais