Giancarlo Matarazzo

Rafael Marcondes

Após longo período de discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a validade da utilização de uma pessoa jurídica para a exploração de atividades intelectuais, tais como jornalistas, atletas e artistas. Esse posicionamento do STF é muito importante, pois deverá evitar novos questionamentos por parte da Receita Federal e também resolver favoravelmente aos contribuintes casos que já se encontram em andamento nas esferas judicial ou administrativa.
Não é de hoje que a Receita Federal vem se opondo à exploração de atividades intelectuais por meio de pessoas jurídicas. Em grande parte, profissionais liberais se utilizam da estrutura de uma empresa, para desempenhar suas atividades.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Esse movimento, em que pese ter sempre se pautado em um dos princípios basilares do Direito – o da livre iniciativa – tem sido duramente combatido pelo Fisco, na medida em que, em regra, a carga tributária aplicada a esse tipo de empresa é menor do que a que recai sobre a pessoa física.
Assim, ao longo dos anos, a Receita Federal vem tentando desconsiderar uma prática perfeitamente legal, pelo simples fato de resultar em perda de arrecadação. O Fisco brasileiro tem relutado em aceitar que havendo duas alternativas lícitas para as pessoas desempenharem suas atividades profissionais, que elas possam optar pela forma que melhor lhes convier, a que lhes parecer mais interessante e, por que não, menos onerosa.
A resistência da Receita Federal tem se materializado em um número crescente de Autos de Infração contra profissionais que optam pela exploração de suas atividades por meio de uma pessoa jurídica. Nem mesmo a edição do artigo 129 da Lei 11.196/2005<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> – que expressamente reconheceu a possibilidade de utilização de pessoas jurídicas para a exploração de atividades personalíssimas – foi capaz de aplacar essa onda de autuações.
Artistas, atletas e jornalistas são os que, pela exposição que têm, com mais frequência, têm sido alvo da sede arrecadatória do Fisco brasileiro. Mas esse privilégio não é exclusivo deles. Infelizmente essa onda de questionamentos também alcançou uma variedade de profissionais liberais. Já existe, inclusive, uma divisão da Receita Federal especializada nesse assunto para combater esse tipo de prática.
No entanto, esse movimento da Receita Federal, sofreu uma duríssima derrota no Judiciário. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 66 (ADC 66), a validade do artigo 129 da Lei 11.196/2005 – que vinha sendo simplesmente ignorado pelo Fisco – e, por consequência, a legalidade e constitucionalidade de um profissional optar por desempenhar atividades personalíssimas, por meio de uma empresa.
Em decisão publicada em 19.3.2021, a Suprema Corte rechaçou a prática da Receita Federal de desconsiderar as pessoas jurídicas e atribuir seus rendimentos à pessoa (física) dos seus sócios.  A Ministra Cármen Lúcia foi contundente ao afirmar que as “pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais, incluídos aqueles de natureza científica, artística ou cultural, sujeitam-se apenas ao regime fiscal e previdenciário próprio das pessoas jurídicas”.
Reforçando a necessidade de prevalência da livre iniciativa sobre a ingerência estatal nas atividades dos particulares, o Ministro Luís Roberto Barroso esclareceu que tal princípio, junto com o da livre concorrência, “asseguram às empresas a liberdade para o desenvolvimento de atividades econômicas e das suas estratégias de produção em busca dos melhores resultados, maior eficiência e maior competitividade”.
<blockquote class="jota-article__eye">Em outras palavras, compete exclusivamente ao particular escolher como quer estruturar o seu negócio – se vai desempenhá-lo por meio da pessoa física ou jurídica – e não ao Estado (por meio do Fisco) impor a adoção de uma forma de negócio, por vias oblíquas, mediante a lavratura de Autos de Infração com a imposição de elevadas multas.</blockquote>
O julgamento da ADC 66 pelo Supremo Tribunal Federal traz ainda outro elemento importante, a fim de apaziguar a tensão existente entre contribuintes e Receita Federal, e com isso, por um fim às diversas discussões já em curso: reconheceu-se que o artigo 129 da Lei 11.196/2005 é norma de caráter interpretativo.
O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, bem ponderou que a referida norma tem a função de “servir de vetor interpretativo visando a solução de controvérsias levadas à apreciação do Judiciário”. O entendimento é coerente com o disposto na exposição de motivos da Lei 11.196/2005, na qual o legislador deixou claro que a utilização de empresa para prestar serviços de natureza personalíssima sempre esteve assegurada na ordem nacional pelos princípios da livre iniciativa e da valorização do trabalho, sendo a função da norma estabilizar as relações sociais, em decorrência dos constantes conflitos verificados.
Em termos práticos, reconhecer a natureza interpretativa do artigo 129 da Lei 11.196/2005, resulta na sua aplicação não apenas para os fatos posteriores à edição da norma, mas também para os fatos que lhes são anteriores, nos termos do artigo 106, I, do Código Tributário Nacional.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Assim, personalidades, como o ex-tenista Gustavo Kuerten, autuados pela exploração da imagem por meio de empresa em período anterior a 2005 (quando foi editada a norma), deveriam ter seus casos revertidos positivamente na esfera judicial, nos exatos termos assegurados pela decisão do STF.
Deve sempre ser ressalvado que situações específicas (tais como aquelas em que há vínculo empregatício) deverão ser analisadas individualmente. O que o STF reconheceu é que atividades intelectuais exploradas por meio de pessoas jurídicas é algo lícito e deve ter seus efeitos jurídicos respeitados.
O recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal favorável à exploração de atividades intelectuais por meio de pessoas jurídicas representa um importante avanço da jurisprudência sobre o tema. Espera-se que esse julgamento evite novos questionamentos e ainda encerre favoravelmente aos contribuintes as disputas atualmente existentes. O que sempre foi permitido pela lei, agora foi validado pelo Supremo Tribunal Federal. Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal prestigia a lei e o princípio da liberdade empresarial, assegurando a aplicação do princípio da segurança jurídica para todos os contribuintes.
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O episódio 55 do podcast Sem Precedentes discute o silêncio do STF diante da crise militar do governo Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=WAU2xWiR5DQ&list=PLfhZjWODW9JVuLFe6U_ulxCduBHTeECHC&index=1
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>     Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm#art50">art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. </a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

ideia

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JOTA

A Suprema Corte publica acórdão proferido na ADC 66 que julgou constitucional o artigo 129 da Lei 11.196/2005

STF valida a exploração de atividades intelectuais por pessoas jurídicas

A Suprema Corte publica acórdão proferido na ADC 66 que julgou constitucional o artigo 129 da Lei 11.196/2005