Thomas Bustamante

Evanilda de Godoi Bustamante

<p>Nas próximas horas, o STF apreciará a <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/rosa-weber-do-stf-suspende-emendas-de-relator-no-congresso.shtml">cautelar</a> deferida pela ministra Rosa Weber suspendendo a prática de distribuição de recursos públicos por emendas de relator destinadas ao “orçamento secreto”. O tema fornece ao tribunal oportunidade única para salvaguardar a democracia contra o persistente esforço de desinstitucionalização promovido pelo governo federal.</p>
<p>Múltiplos são os fatores que vêm levando, desde junho de 2013, à erosão constitucional em nosso país. No entanto, respeitáveis magistrados sustentam que o Judiciário não tem qualquer responsabilidade pela desestabilização da nossa democracia. O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, escreveu em 28 de dezembro de 2018 que o Brasil atravessava uma <a href="https://www.conjur.com.br/2018-dez-28/luis-roberto-barroso-atravessando-tempestade">tempestade política, econômica e ética</a> na qual o STF, com frequência, vinha sendo “chamado para arbitrar crises que são gestadas nos outros vértices da Praça dos Três Poderes”.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a></p>
<p>Essa crença na superioridade moral do Judiciário precisa ser infirmada. Ela produziu, no passado recente, uma aceitação acrítica da Operação Lava Jato, que não apenas colocou em risco o Estado de Direito e as garantias liberais no processo penal, mas também desestruturou os sistemas político e econômico. Mas essa não foi a única maneira em que a corte vem atuando para a desestabilização da democracia.</p>
<p>O STF incorporou um vocabulário político que tem dificultado o exercício do seu papel institucional, em especial na relação com o Legislativo.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Dentro e fora do tribunal, decisões são tratadas como “ativistas” e “passivistas”, em uma métrica que as avalia segundo o grau de “deferência” ou a capacidade de desagradar o Legislativo, ao invés de sua conformidade com a ordem jurídica.</p></blockquote>
<p>Talvez o momento mais decisivo para a assimilação desse esquema conceitual tenha sido a presidência de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados. No dia em que o Senado Federal avaliava o recebimento do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, por exemplo, o ministro Luiz Fux indeferiu silenciosamente um <a href="http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/05/fux-nega-pedido-de-deputado-do-pt-para-anular-votacao-do-impeachment.html">mandado de segurança</a> contra a aprovação do pedido de impeachment na Câmara justamente com esse tipo de retórica constitucional.</p>
<p>Contra o argumento de que Cunha violou a Lei do Impeachment por permitir aos partidos o encaminhamento de votação, em contrariedade ao artigo 23 da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1079.htm">Lei 1.079/1950</a>, Fux sustentava que a interpretação do referido dispositivo legal seria matéria restrita ao “âmbito de discussão na Câmara dos Deputados”, ao invés de enfrentar a alegação. A métrica “ativismo versus passivismo”, ao invés do código “lícito versus ilícito”, pautou a decisão de um dos mais robustos argumentos jurídicos aduzidos em todo o processo de impeachment, em processo nunca submetido ao plenário do tribunal.</p>
<p>O legado da Era Cunha não foram só as práticas centralizadoras e autoritárias herdadas pelos presidentes de Casas Legislativas que o sucederam, mas também um padrão de respostas equivocadas do Supremo Tribunal Federal. Na tramitação de PECs como as que pretendiam mudar a maioridade penal ou o sistema eleitoral, nunca aprovadas pelo Senado, Cunha firmou a prática de inserir emendas aglutinativas no último segundo sem mudar nada de substancial em projetos derrotados, burlando descaradamente a proibição constitucional de re-submeter emendas na mesma sessão legislativa.</p>
<p>Como <a href="https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/17530/15891">tivemos oportunidade de argumentar</a> à época, a resposta do STF a esse tipo de procedimento foi tímida, para não dizer covarde, e nos legou uma herança de “pragmatismo” (no mau sentido da palavra) que ressignifica o sentido do termo “questões políticas” ou “questões interna corporis” para legitimar qualquer tipo de deferência a manobras regimentais.</p>
<p>O maior prejudicado com esse tipo de retórica judicial é o próprio Legislativo, e com ele a democracia. Pela omissão do STF, a malandragem procedimental concebida por Cunha e copiada por Lira ganha ares de legítimo exercício da autonomia parlamentar, e o processo legislativo se torna um jogo de toma-lá-dá-cá que carece de regras fixas e torna o processo menos previsível do que o resultado.</p>
<p>Embora possa parecer o contrário, a democracia brasileira resistiu ao autoritarismo durante a primeira metade do mandato de Bolsonaro (ver, para uma explicação mais detalhada, <a href="https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/20508840.2021.1942370">aqui</a>). A política criminal, a política de armamentos, a tentativa de destruição do sistema de saúde, o negacionismo em relação à Covid-19, a indiferença em relação ao impacto econômico da pandemia na vida dos mais pobres etc. encontraram uma importante resistência do Poder Legislativo. Vetos escandalosamente imorais do presidente foram derrubados, e minorias no Senado foram suficientemente fortes para instaurar a CPI da Covid, que expôs a face mais macabra da necropolítica adotada pelo governo federal.</p>
<p>O orçamento secreto é a máquina de compra de apoio parlamentar que desmontou, na Era Lira, esse mecanismo de resistência parlamentar. O STF tem diante de si, agora, uma oportunidade de corrigir a sua postura interpretativa que levou a vários erros judiciais; um comportamento judicial que tornou a corte um agente do iliberalismo, por mais que as intenções dos juízes que a compõem operem no sentido contrário. Eis aqui uma bela oportunidade para a corte acertar as contas com esse passado recente e realizar a sua vocação constitucional.</p>
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STF orçamento secreto

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JOTA

Com o caso do orçamento secreto, Supremo tem oportunidade de corrigir postura interpretativa que levou a vários erros judiciais

O STF precisa rever sua relação com o Legislativo

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