Carlos Américo Freitas Pinho
Advogado especialista em direito do trabalho e consultor da Fecomércio-RJ
Tema recorrente pós-reforma trabalhista, as dispensas plúrimas, ou coletivas, ganharam notoriedade neste período de pandemia da Covid-19. A crise econômica gerada pela necessidade do isolamento social provocou verdadeiro factum principis obrigando empregadores a efetuarem a dispensa em massa de seus colaboradores.
Nesse aspecto, vale citar Alice Monteiro de Barros, em seu “Curso de Direito do Trabalho” (3ª Ed. 2007, Ltr., pág. 923), quanto ao conceito factum principis:
“O factum principis consiste na participação temporária ou definitiva do trabalho motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilita o prosseguimento da atividade empresarial”.
O conceito caiu como uma luva no difícil biênio 2020/2021, levando-nos a refletir sobre a necessidade de negociação prévia para aplicação de dispensa plúrimas ou coletivas.
A discussão sobre o tema volta agora, em 2022, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma julgamento de recurso interposto pela Embraer contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que manteve obrigatoriedade de negociação coletiva para demissões em massa.
O caso remonta a 2009, quando a Embraer rescindiu contratos de 4.000 empregados, sem nenhum ajuste prévio com a entidade sindical laboral.
Já no Supremo, o ministro relator Marco Aurélio manifestou-se contra a necessidade da negociação, sob o argumento de que não há proibição nem condição para dispensa coletiva. Trata-se, para ele, de direito potestativo do empregador, o qual dispensa participação do sindicato.
Até maio passado, quando o julgamento foi suspenso por pedido de vista de Dias Toffoli, mais dois ministros haviam seguido o relator – hoje aposentado. Outros dois já haviam se manifestado contrários ao relatório, ficando até aqui uma maioria provisória de 3 votos a 2 pelo entendimento de que não há previsão legal para impor negociação coletiva prévia para demissões coletivas.
Fato relevante é que, em 2009, quando a Embraer recorreu à demissão em massa, a legislação era omissa quanto a alguma necessidade de prévia negociação coletiva para esse tipo de dispensa. Tal lacuna contribuiu para consolidar entendimento jurisprudencial de que ela demandasse negociação com os representantes laborais. Esse senso comum era reforçado pelo enorme impacto social provocado por dispensas coletivas.
Vale lembrar que muitas cidades se constituíram em função de empresas. Vilas operárias, comércio, escolas, igrejas e muitas outras organizações sociais se estabeleceram nessas cidades por conta do grande fluxo de trabalhadores. Então, a ruptura da fonte de renda de parcela essencial dos moradores impacta todo um ecossistema econômico.
Por tudo isso, o tema levado ao STF possui repercussão geral. O que se busca não é tolher o direito potestativo do empregador em rescindir o contrato com o colaborador, mas minimizar o impacto social gerado por uma dispensa coletiva capaz de afetar não só os trabalhadores e suas famílias, mas toda a economia de uma cidade ou região.
Entrementes, se trouxermos as razões de 2009 para aquelas pós-reforma trabalhista, esbarraremos na própria legislação que agora trata as dispensas plúrimas e coletivas com os mesmos traços das dispensas individuais. Tal disposição dificulta a repercussão geral para os casos trazidos ocorridos após novembro de 2017.
Embora ministros como Luís Roberto Barroso já tenham divergido de Marco Aurélio, a tendência hoje é de que haja uma modulação, atendendo ao atual aspecto legislativo.
Mesmo que outros deem a entender que também votarão contra o relator – negando provimento ao recurso extraordinário –, a ausência dessa modulação abre novo precedente para discussão, nada desejável, de usurpação de funções pelo Judiciário.
Portanto, o que se deve ter em mente é que as ações, quando levadas ao STF, buscam decisões as quais seu impacto transcenderá as partes envolvidas, pois o interesse da coletividade diante de caso semelhante irá equipar ou servir de paradigma para decisões futuras.