Walter Barbosa Bittar

Luiz Antonio Borri

Há preocupação acadêmica e prática sobre a dissonância entre o conteúdo das ementas dos julgados e inteiro teor da decisão, com reflexos diretos na interpretação do Tribunal sobre a matéria submetida a julgamento.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Nessa perspectiva, um tema que suscita muitos debates diz respeito à possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada pelo terceiro delatado, cuja complexidade aumenta em especial face a polêmica que ainda paira sobre a natureza jurídica do acordo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A questão é oriunda da discussão incrementada, a partir do julgamento do HC 127.483/PR, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) buscou assentar o entendimento da corte sobre o tema, consignando a ementa: “Negócio jurídico processual personalíssimo. Impugnação por coautores ou partícipes do colaborador. Inadmissibilidade. Possibilidade de, em juízo, os partícipes ou os coautores confrontarem as declarações do colaborador e de impugnarem, a qualquer tempo, medidas restritivas de direitos fundamentais adotadas em seu desfavor” (HC 127483, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015). 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Conhecida a ementa o texto vertente passou a ser replicado em diversos julgados pelos Tribunais do país (STJ – APn 951/DF; TJPR HC 1657774-1; TJSP – Apelação criminal 0028367-15.2016.8.26.0506), fundamentando diversas decisões, proliferando jurisprudência, cujo entendimento estribava-se no conteúdo compreendido na ementa do HC 127.483/PR.
Contudo, durante o período, em ao menos 3 decisões da 2ª Turma da Suprema Corte, houve decisões acolhendo a possibilidade de impugnação do acordo pelos delatados, em algumas hipóteses polêmicas, especialmente quanto a forma e conteúdo, tanto das negociações, como da forma de oferta dos beneplácitos, tanto quanto a situação peculiar em que foram oferecidos e admitidos (HC 151.605/PR; HC 142.205; HC 147.423/PR). De toda sorte, a possibilidade de discussão do acordo pelo terceiro delatado continuou sendo objeto de inúmeros estudos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Nada obstante as críticas e conclusões existentes, o que se busca examinar com a situação demonstrada, é se a ementa do HC 127.483/PR efetivamente refletiu o conteúdo descrito no inteiro teor do acordão.
Nesse contexto, embora no habeas corpus nº 127.483/PR o eminente ministro-relator Dias Toffoli realmente tenha assentado a inviabilidade de impugnação do acordo pelo terceiro delatado, denegando o writ, a tese não foi acompanhada por unanimidade, o que, aparentemente, não foi considerado nos diversos julgados e estudos que justificaram as posições atreladas a esse julgado, que acabou tornando-se um leading case.
Mas o problema é que uma análise mais próxima da decisão permite consignar que, de fato, houve unanimidade do Pleno na denegação da ordem, mas não pelos fundamentos assentados no voto do ministro-relator. Nesse contexto, ao apartear o voto do ministro-relator, o ministro Marco Aurélio ressaltou que (HC 127.483/PR - fl. 71):
&nbsp;
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Pois é, para tomar um fôlego. Articula-se que a denúncia teria surgido em face da delação. Então se pode, realmente, ver o interesse jurídico na impugnação do ato que implicou a homologação do acordo. 
 
(...)
 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É interessante o tema. Em tese, pode haver o interesse em impugnar o objeto da delação, desde que tenha servido para ofertar a denúncia.
&nbsp;
A Ministra Rosa Weber compreendeu pelo não cabimento do writ fazendo o seguinte registro (HC 127.483/PR – fls. 81/82):
&nbsp;
Eu não gostaria de adentrar a questão de fundo - até tenho voto escrito a respeito, se for o caso. Fico, Senhor Presidente, no não conhecimento do habeas corpus, pedindo vênia aos que entendem em contrário.
 
Ao se manifestar sobre o mérito, a Ministra manifestou que (fl. 118):
&nbsp;
Nesse contexto, na via estreita do habeas corpus, e por não vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder no ato atacado, sem me comprometer com as teses expostas, a despeito da respeitabilidade dos fundamentos do eminente Relator, denego a ordem.
O Ministro Luiz Fux igualmente assentou a incognoscibilidade do writ sem se comprometer com as matérias de fundo (HC 127.483/PR – fl. 83):
De sorte que eu também, Senhor Presidente, mantendo uma postura minimalista, não me comprometendo com nenhuma das teses sustentadas em relação ao que representa e à valoração jurídica da delação premiada - muito embora elogioso o voto do Ministro Toffoli -, acho que teremos a oportunidade própria para isso, eu também, pedindo vênia às opiniões em contrário, voto pela inadmissão do habeas corpus .
Adiante, ao decidir sobre o mérito o atual Ministro Presidente consignou (fl. 120):
“Como o pedido, basicamente, se funda na ilegalidade da delação, porque o delator não é uma boa pessoa - e isto não tem a menor influência. Por este fundamento, eu nego o habeas corpus no mérito. Já havia inadmitido, mas fomos vencidos na ...”
Por sua vez, a Ministra Cármen Lucia não conheceu do remédio heroico, mas vencida no ponto denegou a ordem, fundamentando que (fl. 121 e fl. 130):
Presidente, também não conhecia do habeas e, vencida quanto ao conhecimento, denego a ordem, mas, não pelos fundamentos, pedindo vênia ao Ministro-Relator, porque acho prematura a conclusão por ele tiradas
 
(...)
 
<ol start="14">
<li> Pelo exposto, pedindo vênia ao eminente Relator por valer-me de fundamentação diversa, voto no sentido de denegar a ordem.</li>
</ol>
 
O ministro Gilmar Mendes conheceu da ordem, mas a denegou a pretexto de que a personalidade do agente não deveria ser critério idôneo para inviabilizar o acordo de delação (HC 127.483/PR – fl. 88):
Da mesma forma, parece difícil exigir que esse colaborador, numa organização criminosa, seja um inocente ou uma pessoa de idoneidade inquestionável, porque certamente essa pretensão vai levar realmente até a um impasse hermenêutico, uma não aplicação da lei. Mas isso já foi objeto, inclusive, de consideração do Relator, que trouxe outras achegas que, como eu disse, desbordam do caso concreto, mas para situar, no contexto, a complexidade do instituto que agora nós estamos a aplicar. E fez, portanto, à guisa de obiter dicta.
O ministro Ricardo Lewandowski denegou pelas seguintes razões (fl. 152):
Penso que a colaboração premiada, mais conhecida como delação premiada, tem natureza eminentemente contratual ou negocial, como bem afirma o Relator, Ministro Dias Toffoli. 
Ela possui o caráter de uma transação processual, que pressupõe que o ato seja celebrado com respeito à autonomia da vontade das partes envolvidas, sobretudo a do delator. Quer dizer, é preciso que ela seja livre de quaisquer vícios que possam distorcê-la. Vícios da vontade, unanimemente reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, são, dentre outros, os seguintes: erro; dolo; coação; medo; ou incapacidade acidental. 
De outra parte, também entendo, tal como o Relator, que, se a delação foi feita durante o período em que o delator se encontra na prisão, seja temporária, seja preventiva, tal circunstância, por si só, não a anula necessariamente, pois ela - a prisão, desde que legalmente decretada, não tem o condão de viciar a sua vontade.
O caso em questão tratava de remédio constitucional impetrado em face de ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal, daí por que 10 votos foram computados na sessão, dos quais apenas 03<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> se pronunciaram pela inviabilidade do terceiro impugnar o acordo (Ministro Dias Toffoli – fls. 39-53; Ministro Luiz Edson Fachin – fl. 108 e Ministro Luís Roberto Barroso fl. 110).
Assentadas estas premissas é forçoso concluir que o entendimento que ganhou corpo e grassa pela jurisprudência dominante e parte da doutrina<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, ainda está em aberto pois, a questão da impossibilidade do terceiro delatado estar impedido de discutir o acordo de colaboração, não representa entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, muito menos restou consignado no sempre mencionado HC 127.483/PR.
<div id="teste3-99b6e4ed7825b47581be" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm();</script> 
<script type="text/javascript">
setTimeout(function(){
 const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n")
 const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c")
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 check.addEventListener("click", function() {
 if (check.checked){
 btn.disabled = false;
 btn.style.opacity = 1;
 } else {
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 }
 });
}, 3000);
</script> 
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Surfar em ementas não é fundamentar a decisão. Disponível em <a href="https://www.conjur.com.br/2018-jun-08/limite-penal-surfar-ementas-nao-fundamentar-decisao">https://www.conjur.com.br/2018-jun-08/limite-penal-surfar-ementas-nao-fundamentar-decisao</a> Acesso em 13 de abril de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada, 3ª edição, São Paulo: Tirant lo Blanch, p. 25 e ss.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Examinando caso concreto anterior à Lei 12.850/2013 Ada Pellegrini Grinover já sustentava que a violação da regra do devido processo legal, da publicidade dos atos processuais e a inviabilização do contraditório conduz à ilicitude da prova produzida na delação premiada (O processo: III série. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.  p. 234-235). Posteriormente à Lei 12.850/2013, na doutrina cf.  CRUZ, Flávio Antônio da. Plea bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, ed. 02, dezembro de 2016, p. 62; DIDIER, Fredie; BONFIM, Daniela. Colaboração Premiada (Lei n. 12.850/2013): natureza jurídica e controle de validade por demanda autônoma – um diálogo com o Direito Processual Civil. In: CABRAL, Antonio do Passo; PACELLI, Eugênio; CRUZ, Rogério Schietti. Processo Penal (Coleção Repercussões do Novo CPC). v. 13. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 179-221; VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: RT, 2017. p. 104-110; Marcelo Rodrigues da Silva admite que o terceiro possa questionar o acordo quando este acarretar violação à isonomia material, o que acontece, por exemplo, quando se concedem maiores benefícios àqueles investigados que desviaram maiores valores, já que possuem maior capacidade de restituir os cofres públicos (A colaboração premiada como terceira via do direito penal no enfrentamento à corrupção administrativa organizada. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 1, p. 309, jan./abr. 2017); BORRI, Luiz Antonio; SOARES, Rafael Junior. A possibilidade de o terceiro delatado discutir o acordo de colaboração premiada: um necessário paralelo com outros meios de obtenção de prova. In: PEREIRA, Janaína Braga Norte; RIBEIRO, Luiz Alberto Pereira; TANIZAWA, Paulo Henrique Guilman. (Org.). Direito e Democracia: ensaios jurídicos sob a perspectiva dos direitos humanos e fundamentais. Birigui-SP: Boreal, 2018. p. 181-193; SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antonio. A legitimidade do terceiro delatado para discutir o acordo de colaboração premiada em face da concessão de benefícios extrapenais. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 27, nº 316, mar/2019, p. 22/23; BITTAR, Walter Barbosa; BORRI, Luiz Antonio; SOARES, Rafael Junior. A questão da natureza jurídica e a possibilidade legal de impugnação do acordo de colaboração premiada pelo delatado. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 27, nº 322, set/2019, p.19-21; ARAÚJO, Gisele Borges de. Da legitimidade do delatado para impugnação do acordo de delação premiada. In: CALLEGARI, André Luís (coord). Colaboração premiada: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 111/138.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> O Ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o voto do relator, mas não apresentou fundamentação específica sobre o cabimento da impugnação do acordo pelo terceiro delatado.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Defendendo a possibilidade da discussão do acordo veja-se: BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada, 3ª ed., São Paulo: Tirant lo Blanch, p. 280-285.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A questão é oriunda da discussão incrementada a partir do julgamento do HC 127.483/PR

STF impediu o delatado de discutir o acordo de colaboração premiada?

A questão é oriunda da discussão incrementada a partir do julgamento do HC 127.483/PR