Gabriela Monteiro

Mariana Vianna

Pronto para deliberação no Plenário do Senado Federal [1], o PLS 186/2014 legaliza e regula jogos de azar em todo o Brasil, autorizando o funcionamento de cassinos, bingos, estabelecimentos de jogo do bicho, jogos de aposta on-line, entre outros. O projeto de lei chegou a ser incluído na pauta de prioridades anunciada pelo Senado Federal, mas não foi votado antes do início do recesso parlamentar no dia 18 de julho.
A discussão não é nova no país. Os jogos de azar foram proibidos em 1946 pelo Decreto-Lei 9.215, com fundamento em argumentos abertos de “imperativo da consciência universal”, “moral jurídica e religiosa do povo brasileiro” e “abusos nocivos à moral e aos bons costumes”. Esse decreto anulou e tornou sem efeito todas as licenças, concessões ou autorizações de estabelecimentos que exploravam essas atividades no país naquela época (i.e., 71 cassinos, que empregavam aproximadamente de 53.000 pessoas [2]) e restaurou a vigência do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941), que veda o estabelecimento ou exploração de jogo de azar em lugar público ou acessível ao público.
Na década de 1990, as Leis 8.672/1993 (Lei Zico) e 9.615/1998 (Lei Pelé) autorizaram apenas a volta das atividades de bingo, exclusivamente para entidades desportivas. Todavia, em 2000, a Lei 9.981 tornou novamente proibida essa atividade no país a partir de 31 de dezembro de 2001 [3].
A indústria de jogos de azar está historicamente associada à produção de impactos negativos para a sociedade. As razões apontadas por aqueles que defendem a proibição absoluta são: o estímulo à ludopatia (nome da doença de que padecem os viciados em jogos de azar); o aumento da prostituição; e, principalmente, a associação a práticas delituosas, como sonegação fiscal; crimes organizados (e.g., tráfico de drogas e de armas) e lavagem de dinheiro.
Apesar disso, na grande maioria dos países, essas atividades são autorizadas, ainda que sujeitas a uma regulação mais severa. Segundo um levantamento feito pelo Instituto Jogo Legal, entre os 193 países membros da ONU, 75,52% autorizam jogos de azar. Já dentre os 156 países da Organização Mundial do Turismo, 111 (ou 71,16%) autorizam essas práticas, sendo que dos 45 (ou 28,84%) países restantes, 75% são países islâmicos, que proíbem jogos de azar por razões religiosas [4].
Em favor da liberação dos jogos de azar, sustenta-se que essa atividade pode significar uma fonte expressiva de arrecadação tributária para o Estado. Inclusive, no atual cenário de déficit orçamentário, esse parece ter sido o principal motivo para a eleição do PLS 186/2014 como uma das prioridades do Senado Federal.
Considerando, entre outros fatores, o valor gasto por brasileiros em apostas feitas no exterior e em jogos clandestinos (como o popular jogo do bicho e as famosas máquinas caça-níqueis), estima-se que o Brasil deixe de arrecadar cerca de R$ 15 bilhões por ano [5], o equivalente a um valor próximo a 50% do que seria arrecadado com o retorno da CPMF [6].
Mas não é só isso. Além da alavancagem arrecadatória, outros benefícios também são esperados com a legalização dos jogos de azar, como a geração de empregos diretos e indiretos com a qualificação de pessoal e a criação de novos polos turísticos no país, sobretudo em localidades em que não há melhores alternativas para o desenvolvimento econômico e social.
O resgate do PLS 186/2014 é inegavelmente uma iniciativa salutar do Poder Legislativo em tempos de crise. Todavia, conquanto preveja muitos dos elementos e standards [7] já adotados por legislações de países que permitem jogos de azar, a redação do projeto certamente ainda carece de maior debate parlamentar e ajustes antes de ser votado pelo Senado.
Entre outras falhas e omissões, destaca-se que o referido projeto de lei não possui capítulo específico com diretrizes gerais para regulação de jogos eletrônicos e online, a despeito de representarem parte significante do mercado informal. Também não apresenta diretrizes básicas (mínimas) de controle operacional e de procedimentos de contabilidade e auditoria, o que pode propiciar um ambiente favorável à sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Não contém ainda orientações para medidas de controle da ludopatia, uma questão de saúde pública; não direciona percentuais específicos dos valores arrecadados para investimentos em setores essenciais, como os de saúde, segurança pública e educação. Por fim, não estabelece regras mínimas para a fiscalização dos sócios das pessoas jurídicas autorizadas a abrirem cassinos (mas tão somente para seus dirigentes e funcionários), nem para terceiros fornecedores de bens e serviços que possam manter negócios com estabelecimentos de jogos de azar.
O PLS 186/2014 pode ser, sim, uma das soluções (ou, ao menos, um alívio) para a crise das contas públicas brasileiras. É evidente que a sua aprovação incrementará a arrecadação tributária brasileira – o que virá em boa hora. Essa solução, contudo, não é (e nem deve ser tratada como) imediata. A transição demanda preparo institucional e precisa ser bem estruturada para que sejam amenizados os riscos sociais que frequentemente acompanham os jogos de azar e se possa tirar o máximo proveito econômico e social dessas atividades no Brasil.
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[1] Informação contida na página eletrônica do Senado Federal. Disponível em: &lt;<a href="http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117805">http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117805</a>&gt;. Acesso em 16 de julho de 2016.
[2] MANCINI, Juliana Henriques. A proibição de jogos de azar e cassinos no brasil é compatível com o Estado Democrático de Direito? Disponível em: &lt;<a href="http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI56762,21048-A+proibicao+de+jogos+de+azar+e+cassinos+no+brasil+e+compativel+com+o">http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI56762,21048-A+proibicao+de+jogos+de+azar+e+cassinos+no+brasil+e+compativel+com+o</a>&gt;. Acesso em: 24 de julho de 2016. 
[3] TRF1, Processo nº 0001690-11.2005.4.01.3400, Relator Márcio Barbosa Maia, 4ª Turma Suplementar, Data de Julgamento: 05/03/2013. Disponível em: &lt;http://www.cjf.jus.br/cjf/outras-noticias/2013/abril/jogo-de-bingo-e-proibido-no-pais-desde-2002&gt;. Acesso em: 14 de julho de 2016.
[4] INSTITUTO JOGO LEGAL. Instituto Jogo Legal apresenta justificativas a favor da legalização dos Cassinos no Brasil. Disponível em: &lt;<a href="http://www.institutojogolegal.com.br/Home/Noticia/129">http://www.institutojogolegal.com.br/Home/Noticia/129</a>&gt;. Acesso em: 14 de julho de 2016.
[5] Informação retirada da Justificação anexa ao PLS no. 186/2014. Disponível em &lt;<a href="http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117805">http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117805</a>&gt;. Acesso em: 14 de julho de 2016.
[6] OSHIMA, Flávia Yuri. O jogo deve ser liberado no Brasil? Disponível em &lt;<a href="http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/05/o-jogo-deve-ser-liberado-no-brasil.html">http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/05/o-jogo-deve-ser-liberado-no-brasil.html</a>&gt;. Acesso em: 14 de julho de 2016.
[7] ARONOVITZ, Cory. The Regulation of Commercial Gambling. 5 Chap. L. Rev. 181 2002. Disponível em: &lt;<a href="https://www.chapman.edu/law/_files/publications/CLR-5-cory-aronovitz.pdf">https://www.chapman.edu/law/_files/publications/CLR-5-cory-aronovitz.pdf</a>&gt;. Acesso em: 12 de julho de 2016.

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Sorte no azar?

As falhas e omissões do PLS 186/2014