Iara Moura

Mayara Silva de Souza

<p>Surgidos nos anos 1970, os chamados programas policialescos são um caso emblemático de um modelo de negócios centrado na superexploração da violência e no acompanhamento das agendas policiais. Se diferenciam do noticiário comum por abusarem de uma linguagem sensacionalista e terem pouco apreço para os ditames do Código de Ética Jornalística, dentre elas a isenção, o respeito à dignidade da pessoa humana e o reconhecimento das crianças como prioridade absoluta na proteção e garantia de direitos.</p>
<p>Nesta toada, esbanjam cartelas diversas de patrocinadores - entre empresas privadas e entes públicos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1"><sup>[1]</sup></a> - conquistados às custas de elevados índices de audiência, mesmo estando em constante desacordo com normas legais, entre leis brasileiras, dispositivos multilaterais e instrumentos de autorregulação do campo da comunicação de massa.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A <a href="https://intervozes.org.br/intervozes-alana-andi-e-artigo-19-acionam-mpf-contra-anunciantes-de-programas-policialescos/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">resistência </a>a este modelo de negócios é ainda tímida no âmbito do judiciário, da academia e da própria imprensa, ficando a cargo de organizações da sociedade civil e especialistas, a proposição de campanhas, pesquisas, litigância estratégica e outros mecanismos de incidência na busca por combater as violações. É o caso da campanha <a href="https://www.midiasemviolacoes.com.br/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Mídia sem Violações de Direitos</a> que colocou à disposição dos/as cidadãos/ãs uma plataforma online de denúncia centrada nestes programas.</p>
<p>Enquanto isso, apresentadores/as, emissoras e anunciantes seguem, sem constrangimento, utilizando de concessões públicas para ignorar a presunção de inocência, expor indevidamente crianças, adolescentes e suas famílias - violando de maneira sistemática o artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente -, praticar injúria racial, intolerância religiosa, incitar o crime e a violência, dentre outras condutas que infringem normas e se contrapõem à Constituição Federal.</p>
<p>O estudo Violações de direitos na mídia brasileira<a href="#_ftn2" name="_ftnref2"><sup>[2]</sup></a>, realizado pela ANDI – Comunicação e Direitos em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Artigo 19 e a Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF), demonstra o tamanho do problema: 4.500 violações identificadas em apenas 30 dias de monitoramento. A pesquisa evidencia também que o fenômeno é marcado por raça e por classe: a maior parte das narrativas viola direitos de pessoas negras, precisamente aquelas que possuem menor poder econômico e simbólico. Também é marcada por idade: jovens, crianças e adolescentes constituem mais da metade dos indivíduos que têm seus direitos violados por esse tipo de programa de rádio e televisão.</p>
<p>Para trazer à tona um exemplo recente, no programa Alerta Nacional, veiculado em 09 de outubro de 2020, gerado pela TV A Crítica e transmitido em rede nacional pela RedeTV!, um dos quadros exibiu por mais de 7 minutos imagens de flagrante de estupro de uma criança, ocorrido no estado de Sergipe. A vítima e o acusado são exibidos em vídeo enviado por telespectador. O vídeo da violência sexual é repetido três vezes durante a transmissão e é possível ouvir os gritos desesperados da vítima de 11 anos que implora socorro. O suspeito também é filmado e tem sua imagem congelada, sua alcunha revelada e a imagem exibida junto do apelo do apresentador de que os telespectadores ajudem a polícia a encontrá-lo. Além disso, o apresentador sugere o linchamento e a violência sexual contra o acusado com declarações como “remédio de estuprador é presídio” e ao fazer jogos de palavra com a alcunha do suspeito “Macaxeira” a ser “servido” no presídio.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Toda esta gama de violações encontram quem oponha resistência também no Judiciário, em forma de representações, ações civis públicas e outros instrumentos como a assinatura de Termos de Ajustamento de Condutas. A tentativa, porém, de coibir tais práticas ainda tem pouca efetividade.</p></blockquote>
<p>As multas são irrisórias<a href="#_ftn3" name="_ftnref3"><sup>[3]</sup></a> diante das graves e sistemáticas violações de direitos e dos ganhos com publicidade destes programas e suas emissoras que ainda esbarram na falta de fiscalização e nas brechas de regulação que caracterizam o setor de comunicações no Brasil. Enquanto isso, dezenas de apresentadores/as de policialescos ganham <a href="https://intervozes.org.br/intervozes-alana-andi-e-artigo-19-acionam-mpf-contra-anunciantes-de-programas-policialescos/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">notoriedade </a>que resvala em capital político, vindo a ser eleitos para cargos públicos em diversas cidades. Estas práticas indicam que o crime, infelizmente, segue sem uma responsabilização significativa.</p>
<p>Desta forma, é possível afirmar a importância do interesse e da participação ativa de organizações da sociedade civil e da <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/proposta-preve-a-proibicao-de-programa-policial-em-tv-aberta-das-6h-as-22h" target="_blank" rel="noopener noreferrer">população</a> em geral, uma vez que a soma destes atores permite a construção de uma mídia democrática e sem violações de maneira mais ampla e aprofundada. Neste sentido, é importante lembrar que foi por meio do sistemático <a href="https://prioridadeabsoluta.org.br/noticias/entidades-denunciam-anunciantes-de-programas-policialescos-ao-ministerio-publico-federal/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">monitoramento da sociedade civil</a>, que apresentaram em 2019, e ainda sem respostas, a representação contra órgãos do poder público que destinam verbas de publicidade para e, portanto, financiam e legitimam os chamados programas policialescos.</p>
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}, 3000);
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"><sup>[1]</sup></a> Sobre este tema, confira a pesquisa  A publicidade como estratégia de financiamento dos programas policialescos (ANDI, ALANA, 2019)</p>
<p class="jota-article__reference"><a href="#_ftnref2" name="_ftn2"><sup>[2]</sup></a> VARJÃO, Suzana. Violações de direitos na mídia brasileira: guia de monitoramento. v.1. Brasília: ANDI, 2015a. Disponível em: . Acesso em 31/01/2020. ______. Violações de direitos na mídia brasileira: guia de monitoramento. v.2. Brasília: ANDI, 2015b. Disponível em:. Acesso em 31/01/2020. ______. Op. Cit, 2015, p. 1.</p>
<p class="jota-article__reference"><a href="#_ftnref3" name="_ftn3"><sup>[3]</sup></a> Um caso semelhante ao citado neste artigo aconteceu em 2014 quando o Programa Cidade 190l veiculada pela TV Cidade, afiliada da TV Record em Fortaleza, transmitiu por vinte minutos, cenas de estupro de uma menina de 9 anos. A multa determinada pelo Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações foi fixada no valor de  R$23.029,34 para a emissora. Fonte: <a href="https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/tv-cearense-e-multada-por-mostrar-cenas-de-estupro-de-crianca-5332/">https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/tv-cearense-e-multada-por-mostrar-cenas-de-estupro-de-crianca-5332/</a></p>


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JOTA

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