Vinicius Lameira Bernardo

André Ferreti

No presente artigo sustentamos a necessidade de que as soluções baseadas na natureza (SBN) sejam obrigatoriamente avaliadas como possíveis alternativas técnicas no curso dos processos de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/licenciamento-ambiental">licenciamento ambiental</a>, seja de empreendimentos públicos ou privados, em razão dos compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa e redução da vulnerabilidade de nossos sistemas humanos e naturais assumidos pelo Estado brasileiro no contexto das mudanças climáticas.
O fenômeno incontestável do aquecimento global decorre da significativa concentração na atmosfera de gases de efeito estufa, provenientes de atividades humanas, gerando, como consequência, severos impactos a sistemas naturais e humanos, como escassez hídrica, redução na produção de alimentos, redução da biodiversidade, aumento do nível dos oceanos, deslocamento de comunidades e tantos outros impactos negativos, melhor detalhados nos relatórios gerados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A manutenção do sistema climático estável requer a adoção de duas ordens de medidas, as chamadas medidas de mitigação e adaptação. Medidas de mitigação são aquelas que reduzem as emissões de GEE ou ampliam sumidouros, que são os processos, atividades ou mecanismos que removem tais gases da atmosfera. Já as ações de adaptação se traduzem em medidas destinadas a reduzir a vulnerabilidade de sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados das mudanças climáticas.
Nesse contexto, as soluções baseadas na natureza se apresentam como alternativa a solução de problemas reais, posto que capazes de mitigar emissões de GEE e promover adaptação, além de promover sustentabilidade econômica, ambiental e social. Soluções baseadas na natureza são ações para proteger, gerenciar de forma sustentável e restaurar ecossistemas naturais e modificados que abordam os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, para fornecer benefícios ao bem-estar humano e à biodiversidade.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
As SBNs podem apresentar múltiplos benefícios à coletividade, incluindo melhoria da qualidade de vida, saúde, bem-estar, redução de riscos, segurança hídrica, segurança alimentar, combate a degradação ambiental e perda da biodiversidade. São exemplos de SBNs: a conservação ou restauração de ecossistemas como florestas, nascentes e mananciais, manguezais, recifes de corais e outros ecossistemas, com o propósito de manter, melhorar ou recuperar os serviços ambientais fornecidos; a adoção de técnicas de manejo e práticas sustentáveis de produção agropecuária para melhorar o uso e conservação do solo, da água e da biodiversidade; a implantação de canteiros de infiltração ou jardins de chuva, paredes ou telhados verdes, jardins verticais, corredor ecológico, jardins de polinização, passagens de fauna, arborização urbana, áreas verdes urbanas como parques e praças, pomares e hortas urbanas, e outras intervenções que tenham a finalidade de solucionar problemas que impactam as áreas urbanas, a biodiversidade e a vida das pessoas.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Por outro lado, tendo em conta o ordenamento jurídico nacional, as SBNs atendem diretrizes, princípios e objetivos não só da nossa política nacional de mudanças climáticas (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm">Lei 12.187/2009</a>), como também de inúmeros outros marcos legais setoriais protetivos de nossos recursos naturais.
Imaginemos a criação de um parque linear ao longo de um corpo hídrico<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. A implantação de cobertura vegetal associada a estruturas de lazer pode oferecer inúmeros benefícios ao ambiente natural e urbano: proteção das margens de rios e da biodiversidade; manutenção da permeabilidade do solo, reduzindo a vulnerabilidade a enchentes; ampliação do contato das pessoas com a natureza, incrementando o bem-estar e qualidade de vida da população.
No exemplo anterior, a medida atende não somente aos princípios e diretrizes da PNMC, como também da política nacional de recursos hídricos (proteção dos corpos d'água); respeito ao código florestal e legislação específica do bioma protegido, como por exemplo a lei de mata atlântica; e reduz a vulnerabilidade da infraestrutura urbana, prevenindo desastres e assim se adequando aos princípios e diretrizes da política nacional de defesa civil e gerenciamento costeiro, por exemplo.
O estado brasileiro tem o dever de adotar políticas, programas e projetos de estabilização do sistema climático e redução de suas vulnerabilidades ao aquecimento global. Tal dever decorre, principalmente, de normas constitucionais (artigos 225 e 170, VI, ambos da CRFB/88); tratados internacionais (UNFCC, Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris, Compromisso Global pelo Metano, Pacto de Glasgow, dentre outros) e políticas infraconstitucionais, abrangendo não só a política nacional do clima, como outros marcos setoriais específicos, a seguir pontuados.
As SBNs podem ser manejadas para corrigir distorções do crescimento urbano e mantê-lo compatível com os limites de sustentabilidade econômica, ambiental e social, gerando bem-estar social e impulsionando a economia ambiental, o que se adequada ao estatuto da cidade (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm">Lei 10.257/2001</a>).
SBNs também podem constituir áreas verdes urbanas, servindo para valorização de aspectos paisagísticos, estéticos e turísticos, manutenção da biodiversidade, preservação de biomas e criação de corredores ecológicos, atendendo simultaneamente ao sistema nacional de unidades de conservação (Lei 9985/2000) e leis de proteção especial a determinados biomas, como a Lei da Mata Atlântica (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11428.htm">Lei 11.428/2006</a>).
Outra funcionalidade de SBNs é a prestação de serviços ambientais, como conservação de ecossistemas, preservação de recursos hídricos e serviços de regulação do clima e redução de emissões, adequando-se assim aos princípios e objetivos da política nacional de pagamento por serviços ambientais (Lei 14.119/2021).
Por fim, SBNs podem incrementar a resiliência dos ambientes urbanos, reduzindo riscos de desastres, fomentando processos sustentáveis de urbanização e incrementando a proteção da vegetação nativa, sem prejuízo de serem desenhadas de maneira integrada a políticas urbanas, de saúde e mudanças climáticas, assim promovendo desenvolvimento sustentável, em conformidade aos objetivos do plano nacional de gerenciamento costeiro (Lei 7.661/1988), estatuto da cidade e política nacional de defesa civil (Lei 12.608/2012).
Como se percebe, soluções baseadas na natureza podem apresentar inúmeros benefícios à sociedade, e por tal motivo, à luz dos dispositivos legais que impõe a consideração de alternativas técnicas e locacionais no processo de licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos, sustentamos a necessidade dos órgãos ambientais exigirem, sempre que possível, tanto de empreendimentos públicos quanto privados, a comparação dos benefícios socioambientais entre atividades e empreendimentos desenvolvidos de maneira tradicional com soluções baseadas na natureza.
Em 2021, a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Cabo Frio (RJ) propôs ação civil pública em face dos responsáveis por um loteamento em área de expressivo valor ambiental, na cidade de Cabo Frio. Em reunião com a divisão de urbanismo da prefeitura, os técnicos argumentaram que o bairro se encontra em área ambientalmente importante, no meio do caminho das águas, circundada por duas unidades de conservação (APA do Pau Brasil e Parque Estadual da Costa do Sol) e que seria interessante a implantação de uma solução de drenagem baseada na natureza. Em razão disso, o MPRJ postulou ao Poder Judiciário que o loteador providenciasse a drenagem com base em uma SBN, o que foi atendido em sede liminar. (TJRJ, processo 0004027-56.2021.8.19.0011).
Em suma, entendemos que as soluções baseadas na natureza atendem não só ao princípio do desenvolvimento sustentável, em suas vertentes social, ambiental e econômica, como também ao princípio do poluidor pagador, e sempre que possível devem ter preferência sobre técnicas tradicionais, de maneira a concretizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-cycle/">https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-cycle/</a> acesso em 25.11.2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/2022-005-En.pdf">https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/2022-005-En.pdf</a> acesso em 28.10.2022
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://catalogo-sbn-oics.cgee.org.br/capitulos/conhecendo-e-entendendo-sbn/classificacao-das-sbn/">https://catalogo-sbn-oics.cgee.org.br/capitulos/conhecendo-e-entendendo-sbn/classificacao-das-sbn/</a> acesso em 28.11.2022
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>(<a href="https://www.fundacaogrupoboticario.org.br/pt/Biblioteca/8907A%20AF%20Paper%20Cidades%20Baseadas%20na%20Natureza.pdf">https://www.fundacaogrupoboticario.org.br/pt/Biblioteca/8907A%20AF%20Paper%20Cidades%20Baseadas%20na%20Natureza.pdf</a>)

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JOTA

Modelo atende não só ao princípio do desenvolvimento sustentável, mas também do poluidor pagador

Soluções baseadas na natureza como alternativa técnica no licenciamento ambiental

Soluções baseadas na natureza (SBN) atendem não só ao princípio do desenvolvimento sustentável, mas também do poluidor pagador