Maria Rita Ferragut

Como qualquer pessoa, o advogado deve ser pessoalmente responsabilizado se concorrer para a prática de atos fraudulentos. Questão que se coloca, no entanto, é se a solidariedade tributária é forma válida de sanção para uma assessoria que, no entender do Fisco, foi inadequada e implicou a prática de ilícitos por parte do contribuinte.
Não discutirei neste artigo o mérito dos planejamentos e das assessorias prestadas. Tomarei como premissa que eles foram desconsiderados e tidos por fraudulentos, bem como que houve pagamento de honorários de êxito incidentes sobre o benefício econômico apurado pelo contribuinte, de forma que o advogado, em última análise, teria se beneficiado de parte do produto do ilícito.
A responsabilidade do advogado pode ocorrer nas esferas cível e criminal, e dentre elas somente a tributária será objeto de nossas reflexões.
Como vimos defendendo, a responsabilidade das pessoas físicas é exceção à regra da separação patrimonial, e só pode ser adotada em casos excepcionais, consistentes na prática de atos dolosos devidamente tipificados. Por isso, requer-se cumulativamente (i) que a lei autorize a responsabilidade pessoal ou solidária do advogado e (ii) que o credor prove o ilícito e a autoria.
Nesse contexto, as questões que precisam ser enfrentadas são as seguintes: quem pode ser responsabilizado tributariamente? O fato foi comprovadamente fraudulento? O fato subsume-se às hipóteses de responsabilidade pessoal/solidária das pessoas físicas?
Primeiramente, não há norma no CTN que autorize a responsabilidade dos advogados, mesmo na hipótese de recebimento de honorários de êxito incidentes sobre o valor que deixou de ser recolhido aos cofres públicos.
Embora os autos de infração recentemente lavrados sinalize a tendência do Fisco Federal de atribuir responsabilidade solidária pelo passivo fiscal gerado a partir de planejamentos fiscais e recuperações de créditos, quando e se constatado o recebimento de honorários de êxito pelo advogado responsável, certo é que o CTN somente prevê a responsabilidade de pessoas físicas (i) com poderes de gestão na sociedade (art. 135), ou (ii) que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação (art. 124, I). E em nenhuma dessas situações o advogado se enquadra.
O art. 135 do CTN é tido pela doutrina, jurisprudência e Fisco como o principal fundamento de validade para a responsabilização do administrador, pelos tributos decorrentes de fatos jurídicos praticados pelas pessoas jurídicas.
Os dois elementos necessários à aplicação da norma são os seguintes:
Elemento pessoal – refere-se ao sujeito responsável pelo fato que gerou o não pagamento do crédito tributário. É o administrador da sociedade, podendo ser sócio, acionista, mandatário, preposto, empregado, diretor, gerente ou representante.
Não poderão ser responsabilizadas as pessoas sem poderes para decidir sobre o não pagamento, bem como as que embora detenham tal poder, no caso concreto não tiveram qualquer participação no ilícito, e aquelas não contempladas na lista exaustiva do art. 135.
É justamente essa última hipótese que nos interessa, pois no rol das pessoas passíveis de responsabilização (incisos I a III), não consta advogados ou outra referência passível de enquadramento.
O que mais se aproxima desses profissionais é o mandatário, ou seja, aquele que recebe poderes de um mandante, para atuar e negociar em seu nome. O mandatário age como se o mandante fosse, dentro dos limites e poderes que lhe foram conferidos. E, justamente por isso, não diz respeito aos advogados, que não agem em nome do mandante ao sugerir um planejamento tributário ou a tomada de créditos de PIS/COFINS, por exemplo, e são livres para manifestar sua opinião técnica, independentemente do interesse de seu contratante.
Portanto, planejar ou sugerir a fraude, mas não constar do art. 135, não gera responsabilidade tributária, sem prejuízo de outras formas possíveis de responsabilização (nesse sentido, vide <a style="color: #ff0000;" href="http://publicador.jota.info/wp-content/uploads/2017/09/Decisao_19515003069201001-1.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão nº 1301001.268</a>, da 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da Primeira Seção do CARF).
Elemento fático – refere-se às condutas reveladoras de infração que exija dolo: excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto e dissolução irregular de sociedade.
Embora o fato ilícito possa se subsumir a alguma dessas situações, a aplicação do art. 135 deve ser afastada pelo não enquadramento do requisito pessoal, conforme acima demonstrado.
Assim, dada a dificuldade de manter as autuações com base no art. 135 do CTN, o que mais se nota é a aplicação do art. 124, I, do mesmo Código, que traz a expressão “interesse comum”, até hoje objeto de caloroso debate acerca de sua significação.
De acordo com referido artigo, são solidariamente obrigadas as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária. O interesse comum, no caso concreto, restaria configurado com o recebimento de honorários de êxito, vale dizer, com a participação no resultado do fato alegadamente fraudulento.
Ocorre que para que haja interesse comum, é preciso que todos os devedores compartilhem a situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, e não outros fatos decorrentes da riqueza manifestada pelo fato típico, o que obviamente não é vedado e tampouco desestimulado pelo Estado, mas que não autoriza que se equipare interesse comum ao econômico.
Nessa medida, é necessário que o interesse comum não seja simplesmente econômico, mas sim jurídico, entendendo-se como tal aquele derivado de uma relação jurídica da qual o sujeito de direito seja parte integrante, e que interfira em sua esfera de direitos e deveres e o legitime a postular em juízo em defesa do seu interesse. Em outras palavras, caracteriza-se quando a situação realizada por uma pessoa é capaz de gerar os mesmos direitos e obrigações para a outra.
Por isso, não podemos concordar com o entendimento excessivamente abrangente do art. 124, I, do CTN, e que não corresponde ao que a jurisprudência do STJ e a doutrina entendem sobre o tema (vide, dentre outros, o <a style="color: #ff0000;" href="http://publicador.jota.info/wp-content/uploads/2017/09/fuxresp.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">REsp 884845/SC</a>, Relator Ministro Luiz Fux, julg. 05/02/2009).
Nessa linha, entendemos que o fato de o advogado receber honorários de êxito seja elemento estranho à norma de atribuição de solidariedade, que pressupõe interesse comum. Confira-se, nesse sentido, decisão proferida pelo CARF nos autos do Processo nº 13888.721139/2014-16, que relata que determinado escritório de advocacia promoveu o levantamento de créditos do contribuinte, instruiu a compensação e recebeu 20% do benefício econômico auferido, a título de honorários de êxito. A Receita Federal entendeu que quanto maior o crédito apurado, maior seriam os honorários, e por isso os advogados levantaram valores sabidamente indevidos, como se créditos fossem. A decisão do CARF foi no sentido de que o interesse do escritório era apenas econômico, e afastou a solidariedade.
Em sentido equivalente, as decisões preferidas nos processos nº 10980.012415/2006-97; 13161.720046/2007-22; 10675.001837/2005-18; 10675.003919/2003-27; 19311.720511/2013-99; 19311.720511/2013-99; 10120.720301/2012-92 e 11065.721067/2013-76, do mesmo Tribunal Administrativo.
Em que pese o exposto, é necessário avançar na análise, pois a interpretação do art. 124, I, é polêmica e ainda atual e, em tese, pode ser alterada pelo próprio STJ em função do esforço da Procuradoria da Fazenda Nacional em revisitar o tema e aprofundar o debate. Não concordamos e tampouco pressupomos que haverá uma modificação, mas consideramos prudente considera-la a fim de esgotar todas as possibilidades da solidariedade ora tratada.
Assim, se trabalharmos com a premissa defendida pelo Fisco e pela Procuradoria, de que tem interesse comum quem participa e tira proveito da fraude, o advogado deixaria de ser “mero” consultor, e passaria a ser solidário pelo passivo fiscal se receber honorários de êxito relativos às consultorias questionadas?
Exclusivamente a partir dessa premissa, a resposta é positiva. Mas ainda assim precisaríamos saber se houve participação voluntária e consciente do advogado acusado. Precisa ter tido e ser provado.
Nesse sentido, o fato que gerou a responsabilidade do advogado foi fraudulento, tal como ocorre na utilização de créditos fictícios de exportação? Ou erro em relação ao qual não poderia se alegar somente imperícia, como na compensação de tributos indevidamente pagos antes do trânsito em julgado da ação que discute esses mesmos indébitos? Ou apenas uma assessoria que pontuou de forma clara e direta as vantagens e desvantagens da prática do fato questionado, seus riscos, a lei aplicável ao caso e suas ambiguidades, e a existência ou ausência de precedentes administrativos e judiciais?
A resposta a essas questões é fundamental, pois como vimos inicialmente, é necessário tanto que a lei autorize a responsabilidade solidária do advogado, quanto que o credor prove o ilícito e a autoria do profissional que pretende responsabilizar.
Finalmente, como a interpretação abrangente do art. 124, I, do CTN é hoje afastada pelo STJ, identificamos o esforço do Estado de Mato Grosso em alterar a sua legislação local (Lei n° 9226, de 22 de outubro de 2009) a fim de contemplar a hipótese de solidariedade do administrador, advogado, economista e correspondente  fiscal, no caso de omissão  ou  falsidade, bem como toda e qualquer pessoa que concorra ou  intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento de referida obrigação.
A constitucionalidade de referida lei é objeto da <a style="color: #ff0000;" href="http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4293548" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ADIN </a><a style="color: #ff0000;" href="http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4293548" target="_blank" rel="noopener noreferrer">4845</a>, de 2012, por violar o art. 146, III, da Constituição, que exige lei complementar para a atribuição de responsabilidade tributária. O Relator é o Ministro Roberto Barroso, e até o momento não há decisão de mérito da solidariedade.

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JOTA

A solidariedade tributária no caso de cobrança de honorários de êxito

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