Og Fernandes

Era para ser mais uma daquelas modorrentas solenidades de casamento coletivo que o juiz celebrava semanalmente na apertada sala de um cartório da vara de família, no térreo do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Como tantas outras, a cerimônia envolvia dezenas de casais que, em regra, de poucas posses, não optavam pelo casamento religioso com efeito civil, cuja pompa é proporcional aos gastos.
O ato civil significava muito para os nubentes e amigos, mas representava papelório, carimbos, burocracia do dia a dia dos serventuários daquele cartório.
Como de costume, casais, testemunhas e convidados apertavam-se na sala acanhada. Cumpria-se a rotina e o juiz começou a peroração sobre os compromissos assumidos com o matrimônio, uma espécie de salve geral aos noivos, com destaque para o dever de fidelidade.
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Segue-se a chamada nominal dos nubentes para o “sim”, momento grandioso da celebração. Foi quando um brado retumbante vindo do fundo da sala invadiu o lugar e tumultuou a cerimônia:
- Esse safado não pode mais casar porque ele já é casado com a minha filha!
Era a sogra. Justo a sogra de um dos noivos.
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Casório interrompido, o juiz procurou esclarecer o escândalo.
Os fatos eram simples. O noivo tinha impedimento para contrair matrimônio, pois era casado há muitos anos no Ceará. Naquele tempo, não havia divórcio. Ele abandonou a mulher em Fortaleza e, no Recife, tentava oficializar a relação amorosa com uma prima, crente que a informação ao cartório sobre a falsa solteirice não seria enfrentada.
Por artes não se sabe de quem, a sogra descobriu o paradeiro e as intenções do genro. Resolveu colocar fel àquele romance. Viajou do estado natal para impedir a nova boda, em nome do orgulho, do capricho e do estado civil da filha, menos pelo desejo de testemunhar a verdade diante da justiça.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/o-dia-em-que-juiza-chorou">+JOTA: O dia em que a juíza chorou</a>
Casamento não houve. O noivo levou uma bronca do juiz e só não comemorou a quase núpcias na cadeia, consequência do flagrante por crime de bigamia, porque a sogra inquietou-se e o denunciou antes da assinatura do livro de registro de casamento pelos nubentes frustrados.
Se pudesse, aquele noivo constrangido sairia do cartório e da situação vexatória de chapéu com abas rebaixadas e de barbas e bigodes postiços. Às vezes – pensou – melhor que presença de espírito é ausência de corpo. Naquele momento, contudo, por mais que quisesse assumir a covardia e sumir de fininho, restava-lhe o amor próprio – maior que o da prima – e teve que aparentar coragem diante das circunstâncias.
Perante o que lhe parecia uma multidão de testemunhas, segurou a noiva pelas mãos e desfilou devagarinho, como a enfrentar um cão bravo,  resmungando suficientemente alto para quem quisesse ouvi-lo de que não voltaria para os braços da ex-mulher.

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JOTA

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