Isabel Veloso

Leonardo Izidorio

O Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14948.htm">Lei 14.948/2024</a>) atribuiu à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ANP">ANP</a>) a responsabilidade de regular, autorizar e fiscalizar as atividades relacionadas ao hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Isso inclui, por exemplo, a declaração de utilidade pública para desapropriações em áreas de infraestrutura e a certificação da qualidade do hidrogênio e seus derivados, como os combustíveis sintéticos, amônia e metanol.
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Nesse contexto, no último dia 5 de setembro, a ANP publicou o relatório de Implementação do Marco Regulatório do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil. O documento buscou mapear as principais etapas de produção e as rotas tecnológicas do hidrogênio de baixa emissão de carbono, além de apresentar um histórico sobre a abordagem do tema no cenário nacional e internacional. A partir desse contexto, foram apresentadas demandas regulatórias nacionais, propondo ações para preparar a agência para suas novas atribuições.
Como ponto de partida, a ANP classificou o hidrogênio de baixa emissão de carbono (i.e. aquele produzido por meio de processos que geram pouca ou nenhuma emissão de gases de efeito estufa) como um vetor energético promissor, com grande potencial para apoiar a segurança no fornecimento de energia elétrica e contribuir para a descarbonização de setores difíceis de descarbonizar (hard-to-abate<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>). Alguns exemplos desses setores são siderurgia, indústria química e transporte marítimo, aéreo e terrestre de longa distância.
Isso porque, dentre suas vantagens, esse elemento possui uma densidade energética três vezes superior à da gasolina, por exemplo. Adicionalmente, o hidrogênio pode ser convertido e armazenado para viabilizar o aproveitamento de excedentes de energias renováveis, como solar e eólica, o que o torna uma solução importante para a transição energética sustentável.
O documento também explora as múltiplas aplicações do hidrogênio tanto no setor energético quanto no industrial. Tecnologias inovadoras, como os veículos movidos a célula de combustível de hidrogênio (FCEV)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e o uso de motores de combustão interna modificados para funcionar com hidrogênio (HICE)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, são apresentadas como alternativas ainda em fase experimental, exigindo mais investimentos em pesquisa, desenvolvimento e regulamentação para garantir sua viabilidade comercial e segurança.
A esse respeito, foram destacados temas cruciais para o avanço do mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono, como a segurança operacional nas diversas etapas de produção, armazenamento e transporte, bem como a certificação desse combustível, que será fundamental para garantir a rastreabilidade e a conformidade com padrões internacionais de emissões.
<h3>Demandas regulatórias no Brasil</h3>
O relatório deixa claro que a regulação da exploração e utilização do hidrogênio no Brasil exigirá da ANP a edição de uma série de normas específicas. A definição dos requisitos para outorga de concessão de exploração do hidrogênio natural é um dos elementos críticos que demandam articulação com outras agências reguladoras.
Quanto à segurança operacional, a ANP terá que lidar com a criação de regulações que envolvem a aplicação de tecnologias inovadoras e, muitas vezes, ainda em desenvolvimento. De modo semelhante, a certificação do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados é um desafio considerável, que caberá ao recém idealizado Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), ficando a supervisão a cargo da ANP.
Para tentar endereçar esses desafios, em consonância ao previsto no art. 12 do Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, a ANP recomendou à mesa diretora que seja utilizado o arranjo denominado sandbox regulatório, que consiste em uma abordagem experimental que permite testar novas soluções normativas em um ambiente controlado antes da edição de regulações definitivas. Mais especificamente, a adoção dessa estratégia possibilita que empresas e reguladores experimentem (e opinem) em um cenário que requer mudanças normativas capazes de sanar desafios de um mercado disruptivo.
<h3>Recomendações apresentadas pela ANP</h3>
A ANP apresentou dez recomendações à diretoria colegiada (i.e. órgão máximo de decisão da agência reguladora) consideradas fundamentais para atender às novas atribuições conferidas pelo marco regulatório. A primeira delas é a necessidade de alteração do regimento interno para comportar, por exemplo, a possibilidade de utilização do arranjo de sandbox regulatório.
A agência também recomenda a alocação de recursos financeiros para o redimensionamento da força de trabalho, a capacitação do corpo técnico, a aquisição de equipamentos e a modernização dos sistemas de tecnologia da informação. Isso porque a regulação do hidrogênio exigirá um know how diferente daquele aplicado à exploração do petróleo e gás natural – atividades que fazem parte do repertório analítico da agência.
O relatório propõe a criação de um plano de comunicação para informar os agentes do mercado sobre as novas atribuições da agência, bem como a realização de workshops técnicos com a indústria para discutir os conceitos e desafios regulatórios relacionados ao hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Por fim, a ANP sugere a intensificação da articulação institucional com outras entidades governamentais, como <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Aneel">Aneel</a>, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ANA">ANA</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Ibama">Ibama</a>, para permitir o aproveitamento do conhecimento específico de cada uma dessas agências.
<h3>Considerações finais</h3>
O hidrogênio traz consigo a promessa da descarbonização em setores de difícil abatimento de emissões, porém essa mudança também implica mitigação de novos riscos socioambientais, o que exigirá elevados investimento e um processo de aprendizado coletivo.
O relatório apresenta com clareza os desafios existentes na incorporação de um novo combustível que ainda não possui uma cadeia produtiva e de utilização consolidada, exigindo que os agentes reguladores e regulados atuem em parceria para o desenvolvimento da atividade.
Por meio da leitura das recomendações apresentadas pela ANP no âmbito do relatório, é possível extrair uma preocupação da agência quanto à sua capacidade, em termos estruturais, de lidar com o desafio de regular o hidrogênio de baixa emissão de carbono. Não à toa, além de não apresentar soluções definitivas, o relatório acaba sendo também um clamor pela reestruturação de competências internas e pela alocação de recursos financeiros.
No momento, é necessário aguardar a resposta da diretoria colegiada às recomendações feitas no relatório, o que permitirá verificar se as preocupações existentes permanecerão ou serão mitigadas pelo conjunto de medidas a serem tomadas. De qualquer modo, entendemos que é preciso ter cuidado para que a ANP não seja sobrecarregada com a tarefa de regular o mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono, evitando potenciais distorções prematuras desse novo setor que se mostra tão promissor para o Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> LIU, Haifeng et al. Deployment of hydrogen in hard-to-abate transport sectors under limited carbon dioxide removal (CDR): Implications on global energy-land-water system. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 184, p. 113578, 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Os veículos que utilizam células elétricas que aproveitam energia liberada pela reação do hidrogênio (H²) com o oxigênio (O²) presente no ar, tendo como subproduto a produção de H²O que pode ser seguramente liberado no meio ambiente. PARIKH, Ahan; SHAH, Manan; PRAJAPATI, Mitul. Fuelling the sustainable future: a comparative analysis between battery electrical vehicles (BEV) and fuel cell electrical vehicles (FCEV). Environmental Science and Pollution Research, v. 30, n. 20, p. 57236-57252, 2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Os motores de combustão interna movidos por hidrogênio (Hydrogen internal combustion engine - HICE) realizam a queima do gás da mesma forma como acontece com os combustíveis fósseis. É necessário apontar que esse tipo de motor não é considerado como “emissão zero” tendo em vista que as altas temperaturas alcançadas pela queima do hidrogênio em combinação com o ar propiciam a formação de óxido nítrico e dióxido nítrico que são considerados poluentes. BORETTI, Alberto. Hydrogen internal combustion engines to 2030. International Journal of Hydrogen Energy, v. 45, n. 43, p. 23692-23703, 2020.

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JOTA

Deve-se evitar potenciais distorções prematuras desse novo setor que se mostra tão promissor para o Brasil

Sobrecarga da ANP ao implementar marco regulatório do hidrogênio de baixo carbono

É preciso ter cuidado para que a ANP não seja sobrecarregada com a tarefa de regular o mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono